*Por Simone Gondim
A primeira live de Gal Costa tinha tudo para ser histórica: comemoração dos 75 anos da artista, direção da aclamada Laís Bodanzky, um setlist abarrotado de sucessos e o charmoso cenário da Casa de Francisca, que ocupa o histórico Palacete Tereza Toledo Lara, tombado pelo patrimônio municipal de São Paulo e localizado no centro velho da capital paulista. Mas o que se viu foi uma sucessão de trapalhadas, na qual a única coisa que se salvava era a voz da aniversariante.
A noite começou com “Eu vim da Bahia”, canção de Gilberto Gil que foi sucesso na voz de João Gilberto. Na sequência, a beleza de “Baby”, de Caetano Veloso, foi quebrada por estalos no microfone, sendo o primeiro tão alto que assustou a própria Gal. O ruído desagradável voltaria em “Vapor barato”, de Jards Macalé e Waly Salomão, atrapalhando a famosa interpretação da baiana, que marcou o disco “Fa-Tal – Gal a todo vapor”, lançado no começo dos anos 1970.
Transmitida ao mesmo tempo pelo canal de TV por assinatura TNT e no YouTube, a apresentação estava disponível para o Brasil e outros países da América Latina, principalmente. Segundo informações que apareceram ao fim da exibição, foram 119 mil visualizações. “Não canto desde que começou a pandemia”, revelou Gal Costa durante o show, acrescentando que estava em casa desde março. “Acabei cedendo aos encantos da live”, confessou. “Ainda me sinto completamente apta para cantar”, garantiu.
Também foi possível constatar que a crítica política segue afiada no discurso de Gal. Antes de cantar “Luz do sol”, ela aproveitou para lembrar dos incêndios no Pantanal e em florestas brasileiras, dizendo que tamanha destruição era fruto da irresponsabilidade dos governos. A doçura voltou ao semblante da artista quando lembrou da flor lilás que brotou em sua casa, em São Paulo. Ao ver a imagem da planta projetada em um prédio em frente, Gal comentou que ficou emocionada ao se deparar com a flor no jardim. “Deus é a natureza”, observou.
As projeções externas, aliás, foram recursos usados mais de uma vez. Destaque para o vídeo com mensagens de feliz aniversário gravadas por Milton Nascimento, Gilberto Gil e Caetano Veloso, bem como um registro antigo de Tom Zé tentando traduzir em palavras a potência de Gal Costa. O problema era que, para conseguir assistir à exibição, a artista precisava descer do palco e ir para a varanda que circula o prédio. A pouca luz no ambiente e a falta de apoio perto dos degraus obrigaram a artista a pedir ajuda, por medo de levar um tombo. Mais uma falha da produção, que esperou a cantora avisar que poderia cair para mandar alguém ajudá-la.
Em vários ocasiões, entre uma música e outra, Gal parou para responder perguntas feitas dos bastidores. Embora as declarações da aniversariante fossem interessantes para quem assistia, dava para perceber que soava estranho até para a própria cantora responder a alguém que estava atrás das câmeras. A movimentação da artista entre os ambientes da Casa de Francisca deixava ainda mais evidentes as falhas no enquadramento das câmeras e fazia o espectador se perguntar onde estava a direção, que parecia inexistente.
Outro momento que poderia ter sido bem mais bonito se houvesse um mínimo de planejamento foi a hora em que Gal Costa ouviu a mensagem de parabéns de Maria Bethânia. Além do áudio ter entrado de forma um tanto ou quanto gratuita, a mesma pessoa que fazia as perguntas sem aparecer diante das câmeras quis saber se a aniversariante conseguiria adivinhar quem mandara a gravação. Como se fosse possível a uma amiga de longa data – ou a qualquer pessoa que já tenha ouvido Bethânia, aliás – não reconhecer a voz de um ícone da MPB. “Estamos ficando umas mocinhas”, brincou Bethânia em seu áudio. “Já, já você me pega”, lembrou Gal, fazendo referência ao fato de ser um ano mais velha do que a irmã de Caetano.
Festejar a passagem de mais um ano não é um problema para Gal, muito pelo contrário. “Gosto de fazer aniversário e este está sendo muito especial. Já comemorei em cima do palco várias vezes, com o público cantando parabéns”, afirmou ela. “Essa live me fez bem. A música é um bálsamo”, enfatizou.
Apesar dos elogios da aniversariante, nem o encerramento da festa foi poupado de problemas. Ao fim do show, todos foram para a varanda, onde deveriam abrir uma garrafa de champanhe. Como a rolha quebrou, o brinde não aconteceu. Talvez seja melhor fazer como uma das piadas que circulam por aí e dizer que 2020 não valeu, dando margem a celebrar os 75 anos de Gal Costa em 2021, com um evento organizado do jeito que ela merece.
Artigos relacionados