“Funk sem insulto? É não tratar a mulher como submissa. Ela é livre para fazer o que quiser”, diz MC Du Black


O músico fala da produção na pandemia e recorda sua trajetória de serralheiro até ser considerado uma das revelações do funk carioca. Dono do hit ‘Tudo Aconteceu”, que já está entre as mais ouvidas no Spotify, o funkeiro comenta: “Acho bacana trazer o funk com a sua pimenta característica, a malícia, mas respeitando quem está ouvindo. Quando se diz na letra para a mulher ‘sentar’, ‘quicar’, ‘travar’, não significa que ela tem aceitar. É tudo questão de colocação e de como você vai interpretar na hora de cantar, como vai falar isso para o público. A ideia é usar uma linguagem sem que a mulher se sinta agredida”.

*Por Brunna Condini

Ano passado, o hit “Gaiola é o troco” foi sucesso em todo Brasil e liderou os rankings dos aplicativos de música. Mas, durante a pandemia da Covid-19, MC Du Black, uma das revelações do momento no funk carioca, precisou parar a agenda de shows que vinha acelerada, realizando o sonho de menino de viver da música. No entanto foi só uma ‘parada’ necessária, o que não significou parar de produzir, pelo contrário. Recentemente, ele lançou “Tudo Aconteceu”, que já está entre as mais ouvidas no Spotify. “Até a pandemia o telefone não parava de tocar. Estávamos fazendo até sete shows por semana. Às vezes até mais. Rodamos o Brasil e fizemos uma temporada em Portugal”, recorda. “Sinto falta dos shows, mas as plataformas cresceram muito e isso me ajudou neste momento”.

“Até a pandemia o telefone não parava de tocar. Estávamos fazendo até sete shows por semana. As vezes até mais. Rodamos o Brasil e fizemos uma temporada em Portugal” (Divulgação)

É sabido que na vida tudo pode mudar a qualquer momento. A história de Carlos Eduardo da Silva Batista Leite, o Mc Du Black, é um belo exemplo disso. Aos 24 anos, o carioca nascido e criado no Jardim América, no Dique, Zona Norte da cidade, despertou sua paixão pela música muito cedo, aos 8 anos, e de lá para cá, vem batalhando seu espaço no cenário do funk. “Quando penso na minha trajetória, a primeira coisa que posso dizer é que valeu muito à pena não ter desistido. Quando temos um sonho, o que mais pesa é a velocidade com que o tempo passa. Nosso vilão acaba sendo o relógio. Nasci e me criei em comunidade. Minha mãe criou a mim e meu irmão sozinha. Isso já é difícil, mas dentro de uma comunidade mais ainda, porque viver em uma tem lados positivos e negativos. Na nossa casa nunca faltou amor, alimento na mesa, educação e, principalmente, direcionamento. Minha mãe sempre falou de trabalho, estudo e fé. Inclusive, foi na igreja que tive meu primeiro contato com a música. Meu irmão era da banda da igreja católica”.

“Quando penso na minha trajetória, a primeira coisa que posso dizer é que valeu muito à pena não ter desistido” (Divulgação)

“Meu amor pelo funk surgiu na época do DVD da Furacão 2000. Eu devia ter uns 12 anos. Minha primeira apresentação no funk também foi com essa idade, em uma festa grande de carnaval. Já comecei botando a cara. E quando estava em cima do palco, eu senti que era aquilo que eu queria para mim, sabia que queria viver daquilo. Aos 15, comecei a trabalhar em uma serralheria, mas nunca parei de estudar, minha mãe fazia questão. Então, trabalhava, estudava e tentava arrumar um tempinho para a música. Fazer isso tudo era bom, porque mente vazia é oficina de coisas negativas. Eu estava ali o tempo todo transpirando trabalho, educação e música. Com 18 anos, eu já comecei a cantar em eventos grandes, com artistas grandes e começaram a me botar para a abrir esses shows. Isso foi muito importante, mas não agregou em nada na minha vida financeiramente. Eles achavam que só o fato de abrir a apresentação destes artistas já era a moeda de troca. Não recebia pelos shows, era currículo. Mas valeu a experiência”.

Inspirado por nomes como Emilio Santiago, Péricles, Mc Marcinho e pela dupla Claudinho (1975-2002) e Buchecha, Du Black gosta da história que vem trilhando e de não se perder no caminho. “Lembro que estava com 20 anos e ainda insistindo no sonho. Eu tinha começado essa trajetória muito cedo e já estava um pouco triste, pensando em largar a música. Mas graças a Deus conheci o meu empresário. Ficamos cinco anos praticamente sem fazer show algum, só trabalhando, buscando quem produzisse, era essa a nossa correria. Mas ele tinha a maior arma que alguém pode ter para realizar um sonho: fé e paciência. Ele me fortalecia e fomos trabalhando forte em trazer para o lado artístico o melhor do meu pessoal. Ele me ajudou a encontrar o MC Du Black”.

O sonho não acabou

O artista ainda trabalhava na serralheria no Jardim América no ano passado quando estourou com a ‘Gaiola é o troco’. “Acho que meu diferencial no funk é a forma de compor. A linguagem que eu uso para expressar o que quero dizer nas letras. Acho bacana trazer o funk com a sua pimenta característica, a malícia, mas respeitando quem está ouvindo”.

No clipe de ‘Gaiola é o troco’: “Acho bacana trazer o funk com a sua pimenta característica, a malícia, mas respeitando quem está ouvindo” (Divulgação)

O que seria um ‘funk sem insulto’? “É você lembrar, por exemplo, de que quando diz na letra para a mulher ‘sentar’, ‘quicar’, ‘travar’, não significa que ela tem que ser submissa, aceitar, é tudo questão de colocação. E de como você vai interpretar isso na hora de cantar, como vai falar isso para o público. A mulher é livre para fazer o que quiser. A ideia é usar uma linguagem sem que a mulher se sinta agredida”.

‘A mulher é livre para fazer o que quiser. A ideia é usar uma linguagem sem que a mulher se sinta agredida” (Divulgação)

Amor amigo

 Ele divide as mudanças que aconteceram em sua vida. “Mudou tanto na rotina, quanto financeiramente. Hoje, vivendo da música, tenho uma vida totalmente diferente, mais agitada. Eu demorei a me adaptar, adoro rotina (risos). Mas claro, me acostumei e já estou com saudade da correria dos shows”.

Du Black vive com a mulher, Beatriz Assumpção e com o filho Pedro Guilherme, de 3 anos. “Hoje moramos em uma casa maior, temos nosso carrinho, ajudamos minha mãe e os mais próximos. Enchemos a despensa com mais facilidade, compramos coisas melhores, mas tudo com pé no chão. Mas já que o funk agregou financeiramente, mudamos nossa estrutura, até pelo nosso filho. Descobri que vou ser pai de novo e de gêmeos, estamos muito felizes”.

Du Black com Beatriz Assumpção e com o pequeno Pedro Guilherme (Reprodução Instagram)

O funkeiro conta que a história dos dois começou como uma amizade das melhores. “Conheci a Beatriz no mesmo carnaval do meu primeiro show e ela está comigo até hoje. É uma história bem louca, uma saga, mas vou tentar resumir. Ela morava em Olaria e se mudou aqui para o Jardim América. Esse Carnaval que nos conhecemos foi um dos primeiros que ela curtiu no bairro. Tivemos afinidade na hora, parece que nos conhecíamos há muito tempo. Sempre tivemos a mesma forma de enxergar o mundo, os mesmos princípios e ideais. Nos tornamos melhores amigos. Ela teve um relacionamento anterior e eles tiveram o Pedro Guilherme, mas não ficaram juntos. Depois da separação dela, estávamos mais maduros e quisemos arriscar ficar juntos. O Pedro Guilherme não é meu filho biológico, mas o amor que tenho por esse moleque é imenso. Estou próximo dele desde os seus primeiros momentos e isso mudou minha vida. Ter um filho como ele mudou minha visão do mundo”.

“Estou próximo do João Guilherme desde os seus primeiros momentos e isso mudou minha vida. Ter um filho como ele mudou minha visão do mundo” (Reprodução Instagram)

Consciente do espaço que vem conquistando, ele aproveita para mandar seu recado: “Aprendi que nada é exatamente como o gente quer. Tudo é no tempo de Deus. Ter fé e paciência é crucial para realizar sonhos. E saber tirar das coisas ruins que acontecem, coisas boas, é muito útil. Todo esforço vale, não podemos desistir. Acredito que vale a pena batalhar pela igualdade, pelo respeito. A diversidade deve ser encarada sem preconceitos. Somos todos filhos do mesmo Deus e irmãos por natureza”.