Fenômeno da diversidade, Gloria Groove faz show no Rio, comenta representatividade, preconceito e carreira: “Ser drag é ser plural”


Ela, que tem o rap e o hip-hop como algumas de suas identificações musicais, comentou que vai muito além disso. Para Gloria, rótulos não podem limitar artistas e, apesar de explorar esses gêneros, não se sente parte “da bolha” do rap. “Essa história foi uma consequência de referências que eu tinha e a ferramenta que eu escolhi. Essa nunca foi a minha vontade, mas foi o título que me deram”

O nome é de estrela, a pose de artista e a história de vencedora. Se você ainda não conhece, prepare-se. Gloria Groove tem pinta de fenômeno e talento para o sucesso na cena artística. Drag, sim, e com orgulho, ela é paulistana, tem o rap e o hip hop como uma de suas – muitas – camadas e passagem confirmada pelo Rio. Neste dia 14, véspera de feriado, Gloria se apresenta na festa Dukesa, que vai rolar no shopping Barra World, na Barra da Tijuca. Por lá, em mais uma passagem pela cidade, a drag queen, que já tem alcance nacional, promete uma noite de muita quebração, como ela mesma garantiu.

Em entrevista ao HT, Gloria Groove contou dos planos para o show em solo carioca, da carreira, sonhos e desafios e comentou da arte de ser drag em 2017. Ela, que é um dos nomes mais forte na cena junto de Pabllo Vittar, não poupou palavras – e nem gírias – para levantar suas bandeiras e defender o que acredita. E, um desses pontos está justamente na noite do próximo dia 14. Na festa, que ainda terá outras atrações, Gloria Groove explicou o que será toda essa “quebração”. “Eu acho que o que mais vai chamar atenção são as minhas novas coreografias. Eu acabei de fazer para a gravação do clipe e já vou logo lançar no show do Rio. Como eu tenho poucas oportunidades de me apresentar na cidade, quero arrasar em um show para atender à carência do meu público daí”, disse.

No repertório, nada de obviedade. Em sua passagem pela cidade, Gloria Groove apresenta o show de seu último trabalho, “O Proceder”, e apimenta a performance com medley e funks. Afinal, como ela mesmo disse, não é sempre que a urbe aparece em sua agenda badalada de shows. “É muito louco quando eu percebo que minha música já está em outros estados além de São Paulo. O meu trabalho é como uma semente, que eu plantei e vou semeando. Mas, depois disso, a gente meio que esquece e, quando percebe, já está uma super plantação”, comemorou a artista que explicou que, recentemente, tem se dedicado a levar a sua música para além do eixo Rio e São Paulo. “Com a minha atual turnê, eu quis viajar muito pelo Nordeste, Minas Gerais e outros lugares. E foi impressionante chegar lá e ver que eu já tinha um público. Antes, eu achava que fosse precisar lutar pelo meu espaço. Que nada”, contou.

Como combustível deste incêndio que é Gloria Groove, a internet ajudou a cantora a disseminar seu talento para muito além de qualquer fronteira. Nas redes sociais, a drag é um fenômeno e possui mais de 160 mil seguidores, incluindo alguns nomes como Giovanna Ewbank, Hugo Gloss e Preta Gil. Em comum, todos eles são fãs do engajamento e da cantoria da artista. E, por falar nisto, Gloria Groove é, no primeiro momento, uma cantora enraizada no rap. Em suas letras, a vida no subúrbio de São Paulo é o tema das rimas. Mas, como ela vem mostrando e fez questão de destacar, sua arte está longe de rótulos. “A música está na minha vida desde criança e eu já cantava muito antes de ser drag. Essa história do rap foi uma consequência de referências que eu tinha e a ferramenta que eu escolhi. Essa nunca foi a minha vontade, mas foi o título que me deram. Porém, eu sei que posso ir muito além. Eu não me limito nem um pouco a isso e sei que, ainda mais como drag, tenho a possibilidade de me reinventar sempre”, garantiu.

Gloria Groove é sucesso dentro e fora das redes sociais (Foto: Rodolfo Magalhães)

O fato é que, com esta associação de Gloria Groove ao rap e ao hip-hop do subúrbio paulistano, a cantora já começa a quebrar barreiras. Inclusive, ela afirmou que acredita que aquela ideia de que drag é só para boate já ficou para o passado. “Eu trago muitos recortes na minha carreira. Sou drag, mas gosto de hip-hop, de rap, R&B e pop. Cada vez mais estamos provando que nós vamos muito além de performances em boates. Ser drag é ser plural, é poder fazer o que quiser. Eu sou a mistura improvável de um universo com o outro. Sou a prova de que podemos misturar o mundo cintilante das drags com o dominado por homens do rap. A música não pertence a ninguém e a nenhum tipo de pessoa. O hip-hop ou qualquer outro gênero é feito por quem coloca a mão na massa e faz”, argumentou.

Desta forma, mais do que estereótipos sobre a figura das drags, Gloria Groove também quebra preconceitos. Ao lado desta onda de transformações, a cantora acredita que exista um lado sentimental nas pessoas que tem sido determinante. “Quando a gente ouve uma música, sem ver quem está cantando, não importa se é homem ou mulher. Se a gente gosta, gostamos e ponto final. Você não precisa negar isso depois de descobrir como aquela voz se identifica. E eu acho que esse consentimento pode causar transformações incríveis. Através da desconstrução, a aceitação passa a ser muito maior. Fazer música é quebrar paradigmas e destruir conceitos”, disse.

Neste caminho, Gloria Groove tem aliadas na cena artística. Seja como a drag Pabllo Vittar ou as trans Linn da Quebrada e Liniker, hoje temos muitos exemplos de sucessos que conquistaram seus espaços na televisão, nos festivais de música e em qualquer lugar que desejarem, como acredita Gloria. Para a artista paulistana, apesar de não ser o ideal, estas artistas contribuem para um cenário de representatividade. “Ter a Pabllo no Palco Mundo do Rock in Rio é essencial para que quem está vendo e se identifica com ela tenha um nome como referência. Quando eu era mais nova, não existia nenhum ídolo gay ou drag pelo qual eu desejava ser igual. Eu não pude ter essa figura e isso dá um vazio”, comentou Gloria Groove que acredita que esta geração não está “só” fazendo barulho. “Nós estamos conseguindo transcender muitas outras barreiras com o nosso trabalho. Estamos cada vez mais ocupando lugares significativos e mudando o curso do preconceito. Para mim, estamos caminhando para ter a voz que sempre merecemos”, apontou.

A cantora destacou a importância da diversidade artística atual para a representatividade das próximas gerações (Foto: Rodolfo Magalhães)

Mas quem vê Gloria Groove tão feliz e segura de sua representatividade não se engana em achar que ela se considera uma artista realizada. Entre uma conquista e outra, a drag faz questão de lembrar que ela ainda está muito longe do cenário ideal. Ainda mais quando o hip-hop é uma de suas sonoridades na música. “Eu sei que não estou na bolha do gênero ao lado de todos aqueles homens. Na verdade, longe disso. Apesar de eu usar o hip-hop e o rap como ferramentas da minha arte, o que me deu visibilidade foi a cultura drag. É outro rolê, completamente diferente”, destacou Gloria que, ao contrário do que possa parecer, acredita que o preconceito na “bolha do hip-hop” aumentou com seu sucesso. “Eu estou dando a minha cara a tapa e sentindo o julgamento das pessoas”, contou.

E isso é algo que trava – um pouco – a força de potências como Gloria Groove. “É claro que eu fico triste quando sou subestimada ou quando somos usadas como material de pauta para entender isso ou aquilo. Isso mostra o quanto as pessoas ainda são carentes de informação para entender a nossa cultura. Eu sinto como se nós não tivéssemos enxergando o fim no atual horizonte. Não é porque estamos em um momento de mudanças, que temos um mundo ideal lá na frente. Pelo contrário. De toda esta poeira que estamos levantando, também vemos o preconceito na repercussão. Existem pessoas que estão insatisfeitas com o que fazemos e acham que isso é moda ou passageiro”, abordou Gloria que garantiu o contrário. “O brilhantismo LGBT está começando a ser enxergado e estamos começando a vencer. Eu ainda não cheguei aonde eu quero e nunca posso esquecer disso”, destacou.

Mesmo assim, Gloria é otimista ao comentar as mudanças. Por mais que sejam difíceis e dolorosas, ainda mais para quem já tanto sofreu neste universo de liberdade sexual, o futuro tende a ser mais evoluído. E, para a artista, isto está vindo através das crianças de hoje, que crescem com a mente mais aberta à diversidade. “Estamos preparando seres humanos para serem mais respeitosos e plurais lá na frente. Em contrapartida, hoje ainda temos uma geração muito atrasada que não aceita essa quebra de barreiras. O que precisamos entender é que não podemos mais escolher a ignorância e nem aceitar ter preguiça de explicar para uma criança sobre isso e aquilo. Caso contrário, ela vai procurar na rua, e da pior forma, a reposta para aquilo que você não quis dar em casa”, disse.

Gloria destacou a importância da educação das crianças de hoje para um futuro mais plural (Foto: Rodolfo Magalhães)

Por falar em resposta, foi através de suas purpurinas, maquiagens e perucas que Gloria Groove se reconheceu visualmente. Além de toda a música e o engajamento da artista, a identidade estética da drag um caso à parte. “A cultura drag mudou a minha vida, porque me mostrou que eu podia ser muito maior do que aquilo que eu me via no espelho. Eu consegui trazer para a minha expressão visual aquilo que eu acreditava e hoje, é ao contrário. A identidade que eu acredito, estando montada ou não, já faz parte da minha personalidade A Gloria Groove mora em mim independente de maquiagem ou peruca”, afirmou a artista que, mais do que se reconhecer visualmente, contou que a produção ainda lhe abriu novas possibilidades da música. “Quando eu me montei, eu passei a me enxergar também como letrista. Eu precisei me ver desse jeito para entender o que eu era. E isso não tem a ver com ser homem ou mulher. Eu sou uma instalação artística. É uma personagem que permite que eu me expresse”, disse.

E ela foi além. “A partir da montação, eu tive o meu empoderamento enquanto bicha. Bicha afeminada mesmo, e não só homossexual. Eu passei a me aceitar muito mais e a aceitar também quem estava a minha volta. Me ver desse jeito foi fundamental para eu me encontrar como pessoa e artista”, completou Gloria que demora de três a quatro horas em seu processo de transformação. “E não acha isso muito porque já foi bem mais. No começo, eu demorava horas a mais e o resultado ficava bem pior. Está achando que é fácil?”, questionou.

Mesmo com toda essa defesa a importância de se montar e reconhecer como Gloria Groove, ela não esconde o Daniel, nome que ganhou quando nasceu. Em seu Instagram, as fotos montada se misturam a algumas – em bem menos quantidade – de sua cara lavada. “Eu me monto para me sentir melhor, mas também sou eu naquela cara lavada. A Gloria Groove faz parte de mim e não importa como eu me apresente. Porém, eu acho que é importante que eu coloque essa minha expressão real para mostrar o humano que existe por trás de tanta maquiagem. As pessoas precisam entender que eu também sou ele”, defendeu.

O que todo mundo já entendeu é que Gloria Groove é um sucesso e a tradução de muitos discursos contemporâneos. E é assim que ela pretende seguir na cena artística. Seja com seu novo show no Rio, com o inesperado público pelo Nordeste ou em sua área, no subúrbio paulistano, espaço, ocupação e representatividade são fatores que caminham ao lado da voz e do talento musical da artista. Para os próximos meses, a rotina da cantora está dividida em explorar até a última gota, ou nota, no caso, a potência de seu último trabalho, “O Proceder”, e se preparar para novos projetos que vêm em 2018. “Eu quero ir no flow do que está acontecendo e não estou planejando absolutamente nada. Mas eu posso adiantar que já estou pensando no meu próximo disco que eu quero lançar com umas doze faixas”, contou Gloria Groove que ainda está trabalhando em segredo com futuras parcerias. Já queremos!