*Por Brunna Condini
Nesta entrevista exclusiva, entre um compromisso e outro, porque sua agenda segue cheia – “Parece que o Brasil vem me redescobrindo e eu também venho descobrindo possibilidades”, Fafá de Belém celebra e solta sua característica e gostosa gargalhada. Só de ouvir a gente ri junto. E ela? Continua rindo e com muitas razões para isso. Contabilizando 49 anos de uma carreira que não escolheu de cara, a encontrou, a cantora continua fazendo o que ama, que é levar música Brasil afora, mas sempre com mensagem, com ativismo pelas causas que acredita, como a da preservação e divulgação da Amazônia como espaço, cultura e a diversidade de sua gente.
Linda e luminosa de cabelos brancos e fazendo tudo o que quer, ela também se tornou uma representante da luta contra o etarismo, e até virou garota-propaganda de uma marca de lingerie. “Sempre tive a coisa do decote marcante na minha carreira e sonhava em fazer campanha de sutiã. Fui fazer aos 67, sem ter um corpo padrão. Isso é poderoso!”, comemora e anuncia. “Ano que vem será de muito trabalho e de preparação para 2025, quando faço 50 anos de carreira e 15 de ‘Varanda do Círio de Nazaré’. Vem muita coisa boa para celebrarmos essa trajetória”, revela Fafá, que sobe ao palco com show da turnê ‘A Filha do Brasil‘.
Para as celebrações dos 50 anos de carreira tem musical sendo escrito e vai ser dirigido pelo Miguel Falabella, com produção do Jô Santana. Também vem uma série, uma biografia. E todas essas celebrações começam com eu sendo tema da escola de samba Império da Casa Verde, contando a minha história na Avenida em 10 de fevereiro. É muita alegria e como disse a Ivete na celebração dos seus 30 anos de carreira: “Eu mereço”, Mereço mesmo. Estou muito feliz!” – Fafá de Belém
Apesar da longa estrada e de toda experiência, a cantora se considera sempre em transformação. “Depois da pandemia comecei a refletir sobre muita coisa. Antes era jogada nas situações, sempre fui muito ativa, curiosa e não sei dizer ‘não’. Sou motivada pela vida, pela música, a arte, o trabalho, as descobertas. Nos últimos anos descobri que poderia fazer ainda mais coisas, para nos enlouquecer a todos (mais gargalhadas). Como ir falar com as pessoas através das lives, gente que eu não conhecia, mas queria trocar. Como a Djamila Ribeiro, por exemplo, que agora também faz parte da minha vida. Sempre fui muito plural, fui assim a vida toda, minha primeira live foi com o Padre Fabio de Mello e a segunda com a Nany People. E nos últimos tempos descobri que tinha outros caminhos, fiz 32 lives musicais, com um repertório bem misturado, que é o meu. Também comecei a abordar temas importantes para mim, fui falar de saúde, etarismo, felicidade, de poder viver sem o olhar do preconceito. Não sigo um caminho, é o meu coração que dá ordens”, afirma.
“Quando comecei a deixar o cabelo branco na pandemia, esse já era um desejo meu nos cinco anos anteriores . As pessoas me desencorajavam, diziam que me envelheceria muito. E eu falava: “Mas essa sou eu, é o meu cabelo”. Nunca dei muita bola pra essas coisas, não uso botox, uso cremes e não tenho muita paciência para isso. Tento viver de forma saudável, muito espontânea e quando meus cabelos foram ficando brancos amei. É libertador. Recebi desde elogios a críticas. De gente dizendo para eu pintar porque estava parecendo uma ‘vovozinha’, e respondi:
Meu amor, mas eu sou uma vovozinha, de duas netas maravilhosas. Mas vovó tá on! Eu quero viver em paz, como eu quiser – Fafá de Belém
E arremata. “Não tenho tempo para esse tipo de preconceito, isso já era”.
Vivendo fiel à sua essência, Fafá fala da recente campanha de lingerie que fez ao lado de outras mulheres como Simone Mendes, Paula Lima e Luiza Possi, em uma ode à diversidade. “Sempre quis fazer um trabalho do tipo e veio agora, adorei. Nunca fui uma mulher magra, nunca tive o biotipo que dizem que abraçam, mas não abraçam. Na pandemia descobri que tem muita gente, campanhas, departamentos de marketing, que usam como forma de ‘inclusão’ falar do velho, do gordo, o fora do padrão, mas na hora de apoiar, apoiam o convencional”. E vibra:
Botei a boca no trombone, então ao 67 anos posei de lingerie. É maravilhosa essa evolução que estamos vivendo, em que mulheres fora do padrão podem se mostrar como são. Somos muitas, diversas – Fafá de Belém
Pela Amazônia
Sobre os temas que a mobilizam, Fafá observa o que gostaria de deixar como legado, principalmente falando em relação à Amazônia. “Percebo que as pessoas sabem muito pouco sobre ela. Tenho dado palestras sobre o assunto, fui convidada para ser embaixadora pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), estou abraçando cada vez mais causas que acho pertinentes. Nunca fui uma pessoa quieta ou calada, sempre me posicionei e nem sempre foi fácil. Comecei a ver que o interesse das pessoas pela Amazônia é superficial, e muitas vezes por uma Amazônia caricata, desenhada a partir de olhos preconceituosos. Dentro do povo amazônico cabem vários povos, indígenas, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, povos da floresta, da cidade, não somos só uma alegoria, somos plurais, uma comunidade. Essa é minha bandeira e a partir do ano passado começamos um fórum para debater isso. Ano que vem teremos mais alguns, abordando o que é ser amazônico, com sociólogos, artistas, fotógrafos de lá. É preciso ouvir, aprender e resgatar”.
O show do momento
A cantora se alegra com a turnê ‘A Filha do Brasil’, que tem repertório inesquecível e passeia por canções marcantes em sua trajetória e também por trilhas sonoras de novelas. “A ideia desse show surgiu na época da pandemia. Eu já tinha mais de 60 anos e precisei ficar reclusa para me preservar, então minha filha (Mariana Belém)me encorajou a fazer as lives e em uma delas, as músicas de trilha foram marcantes. Chamei o Gustavo Gasparani para dirigir esse show porque queria fazer teatro e não só juntar repertório. Demos uma viajada nestes quase 50 anos de estrada com músicas muito brasileiras”, conta. “Ao longo da carreira, tive músicas em trilhas sonoras da Globo, principalmente, mas também da Band, do SBT e da Tupi”.
E relembra: “A cantora Fafá de Belém nasceu quando interpretei um tema de novela, a música ‘Filho da Bahia’ em ‘Gabriela’, na Globo. Nunca havia pensado em ser cantora antes, embora amasse cantar, mas não achei que pudesse viver disso. Fui descoberta por um produtor que passou dois anos me convencendo. Fui para a Bahia primeiro para cantar, e depois veio a proposta de substituir a Maria Creuza, que havia ficado doente, fazendo a trilha da novela, era maio de 1975. De lá para cá são 49 anos de carreira e mais de 67 canções em trilhas sonoras de folhetins, algumas até repetidas”.
Esperançosa pelo ano que está prestes a chegar e guiada pela fé, Fafá reflete. “A pandemia me marcou e quando ela se instalou, muito se falava do amor ao próximo, da necessidade da solidariedade humana. Acreditei com tudo que a sociedade brasileira iria se transformar. Foi uma época de despertar o olhar para o outro, as doações, mas quando ela acabou, isso foi diminuindo. Precisamos nos abraçar realmente. A caridade feita por fotografia entregando um prato de comida, não é caridade, é exibicionismo, é para o ego. A fraternidade e a generosidade devem ser um exercício diário, real, nas pequenas coisas. É preciso mais amor”.
E deseja: “Que o Brasil comece a ter menos escalas sociais, que possamos nos encontrar mais. E que as pessoas não ignorem, atravessem a rua fugindo de quem está morando nela, precisando de um prato de comida. É urgente que tenhamos todos um olhar mais generoso para os mais carentes, que hajam mais ações por menos desigualdade. Também gostaria que tivéssemos todos mais segurança, mais escolas e menos prisões”.
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