Fafá de Belém: “Não fui puxa-saco de ninguém e nunca coloquei o bumbum na janela para fazer graça”


A cantora é uma das juradas do The Voice+ ao lado de Carlinhos Brown, Ludmilla e Tony Garrido, e exalta a importância do espaço para dar oportunidades aos sonhos de quem já passou dos 60 anos. O programa leva Fafá a lembrar da sua própria trajetória, da qual fala com orgulho. Ela também divide que a passagem com drogas foi uma experiência e não dependência, revela curiosidades e desabafa sobre o fato de ainda hoje sofrer discriminação: “Não faço parte de grupos, não puxo o saco de ninguém para viver, adoro gente, gosto de conhecer de tudo, me jogar no que está acontecendo. Não tenho preconceitos. Adoro todo tipo de música que emociona. Que maravilha! Sou uma pessoa absolutamente livre e isso incomoda muita gente. Inclusive, os que dizem, pregam, não ter preconceitos. Como eu supero isso? Sofria muito, hoje eu gargalho e vou em frente”

Fafá de Belém: "Não fui puxa-saco de ninguém e nunca coloquei o bumbum na janela para fazer graça"

*Por Brunna Condini

Fafá de Belém ainda se emociona ao experimentar primeiras vezes, mesmo contabilizando 48 anos de trajetória profissional. Estreando como técnica do The Voice+, a cantora destaca a importância desta versão do reality. “Esse programa é lindo. E é uma oportunidade maravilhosa para nós que temos mais de 60 anos continuarmos sonhando. Quando você é uma pessoa pública isso até é permitido, mas, para o cidadão comum, é como se a capa da invisibilidade fosse depositada nele a partir dos 50 anos. A sociedade, o mundo vai jogando-o para um canto, como se não tivesse mais direito a desejos, tesão, planos”, observa Fafá, aos 65 anos.

Nesta entrevista, além do reality musical, ela faz um balanço da própria história. “Meu maior orgulho foi não ter mudado a minha essência nestes anos todos. Mesmo na contramão, muitas vezes com as portas fechadas, com olhares tortos, de pessoas que desejaram que eu fosse ‘assim ou assado’, tantas vezes sendo colocada como inadequada, sempre me respeitei. Nunca pedi licença para fazer o que acredito. Nunca fui puxa-saco de ninguém e nunca coloquei o bumbum na janela para fazer graça”, diz. E revela alguns dos seus sonhos: “Quero fazer filme, outra peça de teatro, já que comecei no teatro (em ‘Tem Muita goma no Meu Tacacá‘ ,1973). E pegar meu show de rock’n roll e transformar em um disco. Existem infinitas possibilidades. É só não acharmos que fizemos tudo”.

A cantora destaca a importância do The Voice+ . “Esse programa é lindo. E é uma oportunidade maravilhosa para nós que temos mais de 60 anos continuarmos sonhando" (Divulgação/ Globo)

A cantora destaca a importância do The Voice+ . “Esse programa é lindo. E é uma oportunidade maravilhosa para nós que temos mais de 60 anos continuarmos sonhando” (Divulgação/ Globo)

“Das coisas mais bonitas que tenho vivenciado no The Voice+, são as histórias de cada um. Têm mulheres que abriram mão das suas vidas por causa de um homem. E aí se separam e entendem que a música é muito mais importante que aquele cara que a fez abdicar do sonho dela. Também têm mulheres que voltaram a sonhar, sacudidas por um companheiro ou uma companheira, netos, sobrinhos. São trajetórias emocionantes. O mais difícil tem sido não poder virar a cadeira mais, porque já estou com quase todo time montado (risos). Mas os outros técnicos viram, então também abraçam os sonhos destas pessoas que têm muita coragem de colocar o seu desejo na frente da maior rede de televisão brasileira sem nenhum um tipo de pudor ou censura”.

“Meu maior orgulho foi não ter mudado a minha essência nestes anos todos. Mesmo na contramão, muitas vezes" (Divulgação)

“Meu maior orgulho foi não ter mudado a minha essência nestes anos todos. Mesmo na contramão, muitas vezes” (Divulgação)

Potência e ternura

Fafá de Belém, nascida Maria de Fátima Palha de Figueiredo, em Belém, sempre precisou equilibrar o carisma, a gargalhada contagiante, a entrega e a sensibilidade imensa, com a determinação e a confiança de que ser exatamente o que se é (parafraseando o poeta Paulo Leminski), é o que realmente a levaria além. “Sofri preconceitos de todas as formas. Era uma menina gordinha vinda de Belém do Pará, nós não estávamos no mapa do Brasil. Gordinha, usando decote, com cocar na cabeça e se achando gostosa? Não, é demais. Não sabiam onde me colocar”, recorda.

"Sou uma pessoa absolutamente livre e isso incomoda muita gente. Inclusive, os que dizem, pregam, não ter preconceitos” (Divulgação)

“Sou uma pessoa absolutamente livre e isso incomoda muita gente. Inclusive, os que dizem, pregam, não ter preconceitos” (Divulgação)

“Então, foi muito pesado. E eu não percebia. Só sofria muito. Ainda sofro preconceito. Recentemente, eu vi na internet várias causas, movimentos pela Amazônia e não me chamaram para nenhum deles. Nem para colocar a voz ou dar um depoimento. É preconceito? É. Não faço parte de grupos, não puxo o saco de ninguém para viver, adoro gente, gosto de conhecer de tudo, me jogar no que está acontecendo. Não tenho preconceitos. Adoro todo tipo de música que emociona. Que maravilha! Sou uma pessoa absolutamente livre e isso incomoda muita gente. Inclusive, os que dizem e pregam não ter preconceitos. Como eu supero isso? Sofria muito, hoje eu gargalho e vou em frente”.

"Nunca tentei agradar para me adequar, então caminharia hoje como caminhei até agora. Tenho orgulho da minha história” (Divulgação)

“Nunca tentei agradar para me adequar, então caminharia hoje como caminhei até agora. Tenho orgulho da minha história” (Divulgação)

A cantora garante em quase cinco décadas de carreira não faria nada diferente se tivesse chance: “É muito clichê, mas não me arrependo de nada. Os erros, acertos, tropeços, me fortaleceram. Olho para trás e tenho muito orgulho da minha caminhada, porque foi muito humana, nunca posei de perfeita. Deve ser horrível quem deseja ser uma perfeição. Nunca tentei agradar para me adequar, então caminharia hoje como caminhei até agora. Tenho orgulho da minha história”.

Como faz para se manter fiel à sua essência? “Eu não me vejo na cultura de celebridade. Não me levo a sério, como algumas pessoas se levam, se achando fundamentais. Essa coisa de ultimamente fazerem tudo para terem seguidores, likes, é muito estranho. É estranho você viver pautado no que os outros podem achar da sua vida pessoal, que está exposta. Nunca deixei isso acontecer. Lá atrás, eu aprendi que é sempre melhor falar dos trabalhos, da música, do que da vida pessoal. Isso sempre me fez manter os pés no chão. Claro que quando o sucesso chega todo mundo é ‘picado pela mosca azul’ (risos). Mas é bom ter um amigo, um parente, um empresário, alguém que sinceramente goste de você, que além de ‘matar a mosca azul’, te dê uma chacoalhada (risos). Porque aí a gente volta a entender que a vida tem que ser maior do que qualquer coisa. E aí não perdemos a sensibilidade e a ternura”.

A difícil e maravilhosa arte de viver

A cantora fala abertamente sobre temas ainda considerado tabus, como a relação com as drogas. Recentemente você abriu seu coração e falou da época que usou. O que este período te tirou de mais precioso? “Sou fruto dos anos 70, 80, e nesta cultura poucas pessoas não tiveram experiência com drogas. Umas viraram reféns, outras transformaram as drogas no centro da vida, e outras viveram experiências. Eu vivi experiências, mas atribuo a não dependência ou não ter invertido a mão à estrutura sólida de família, amigos, de determinação, formação de caráter”, divide. “Vi muitas pessoas se perderem completamente, muitas morreram, e outras se recuperaram. Acho que é fundamental você ter amigos e pedir ajuda. Ou se você não conseguir pedir ajuda, que pessoas próximas percebam, ofereçam essa ajuda, principalmente te ouvindo, pedindo crédito para tomar conta de você por um tempo e reorganizar a sua vida. A droga é fruto direto da solidão”.

Sobre a pandemia: 'Esse período me deu menos urgência para o que não é urgente. E me deu o tempo de deixar de ser refém pra muita coisa" (Divulgação)

Sobre a pandemia: ‘Esse período me deu menos urgência para o que não é urgente. E me deu o tempo de deixar de ser refém pra muita coisa” (Divulgação)

Fafá também avalia os ganhos dos últimos anos: “A maturidade me trouxe paciência (gargalhada). Foi o que idade me trouxe e a pandemia também. Acho tudo urgente, sou ansiosa. Também sou aquela pessoa que não espera, faz. Isso, às vezes, me sobrecarregou muito. Então, esse tempo de estar comigo na pandemia foi importante. Tempo esse que eu nunca tive desde os 17 anos. Esse período me deu menos urgência para o que não é urgente. E me deu o tempo de deixar de ser refém pra muita coisa”.

E completa, falando sobre as conquistas femininas. “Estamos saindo de uma estrutura machista violenta, mas a mulher tem crescido. Além disso, temos sido muito mais solidárias umas com as outras. São conquistas que estão revolucionando a sociedade. Quando deixei meus cabelos brancos, por exemplo, as maiores críticas nas redes vinham de mulheres. Uma delas insistia para que eu pintasse o cabelo, porque dizia que eu estava parecendo uma ‘vovozinha’. Respondi: “Sou uma vovozinha, tenho duas netas lindas, Laura e Julia”. Mas continuo ativa, na ativa e muito melhor que na adolescência (gargalhadas)”.

Está amando? “Se você der um Google, revirando minha vida amorosa, não vai achar ninguém além do pai da Mariana, que só veio a público, porque eu estava grávida. Enfim, Mariana tem um pai que adoro, meu querido amigo, o Raul Mascarenhas, um grande músico. Sempre entendi que esse não é um assunto para estar nos jornais, sites ou capas de revistas. É o que a gente tem de mais precioso que não dá para dividir”.

“Estamos saindo de uma estrutura machista violenta, mas a mulher tem crescido. Além disso, temos sido muito mais solidárias umas com as outras. São conquistas que estão revolucionando a sociedade" (Divulgação)

“Estamos saindo de uma estrutura machista violenta, mas a mulher tem crescido. Além disso, temos sido muito mais solidárias umas com as outras. São conquistas que estão revolucionando a sociedade” (Divulgação)

E revela uma curiosidade que mantém ao longo dos anos: “Vão achar que eu sou doida (gargalhadas). Tem coisas que preservo e amo fazer. Uma delas é que só eu marco os meus hotéis e minhas passagens de férias, mesmo quando não tinha internet. Amo viajar sozinha para lugares que ninguém me conheça, principalmente. Assim consigo voltar à vida cotidiana, sem privilégios. Consigo comprar uma caneca de cerveja e ficar sentada na grama vendo um festival em Edimburgo (Escócia), por exemplo. Adoro ficar comigo. Fora isso, gosto de viajar com amigos. Casamentos, três acabaram em viagens, então estou fora (gargalhadas)”.