Fafá de Belém: A exaltação às florestas, o amor pela Amazônia, os preconceitos e a vontade de voltar às novelas


Uma força da natureza, Fafá de Belém se posiciona de maneira favorável e urgente sobre a preservação da Amazônia e da causa ambiental. Tanto que atriz se fez presente, junto ao presidente eleito Lula (PT) na COP27, reunião ocorrida no Egito, em novembro. Por haver iniciado sua carreira no teatro, Fafá diz gostar de fazer novelas e da realização em coletividade presente nelas e diz querer voltar ao gênero. Cantora nega assertivas antigas de que tentava deixar de ser uma cantora regional por haver tirado o “de Belém” de seu nome. E questiona não apenas este dado, mas também o próprio conceito do que é música regional: “O regional é o que não está no mainstream? É o que não serve ao caminho dos guetos? O Brasil deve olhar para si com a mesma generosidade que olha para o Rio, para São Paulo. O Brasil é maior que o Leblon, que a periferia de São Paulo, o Brasil é infinito”

*por Vítor Antunes

Fafá de Belém é um símbolo do Pará. Tanto que traz sua capital, Belém, como assinatura. A cantora, desde sempre, militou pelos temas que acha relevante. Tornou-se símbolo e voz das Diretas, por exemplo. Hoje posiciona-se ainda mais intensamente pela questão ambiental, tanto que esteve junto ao presidente eleito Lula a fim de pedir, de forma imediata, programas que atendam pela preservação do meio ambiente: “Não podemos mais esperar”, reivindica. A artista também comenta se precisou ou não parar de cantar a toada “Vermelho”, associada por grupos radicais de direita como uma canção de apoio ao comunismo. Também sob ótica, Fafá nega haver tirado seu sobrenome artístico – de Belém – por alguma pressão de gravadoras ou clamores de que fizesse uma música menos “hermética”. Após haver feito uma novela inteira, “Caminhos do Coração” (2007), e uma participação em “A Força do Querer” (2017), Fafá revela que adoraria que convidassem-na para mais uma trama.

Fafá de Belém: Amazônia, arte e liberdade (Foto: Miro)

VOZ DA FLORESTA: DE BELÉM, DO BRASIL, PARA SEMPRE

Fafá de Belém levou as questões amazônicas para serem discutidas no Egito, junto ao staff do presidente eleito, Lula (PT). Segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), de janeiro a setembro deste ano, 2022, a área de floresta que foi ao chão atingiu 9.069 km². A área equivale em quase oito vezes a extensão da cidade do Rio de Janeiro. Ainda segundo o órgão, foi a maior devastação em 15 anos, e a quinta vez consecutiva em que a derrubada atingiu o pior patamar quando observada a pentadeca. Esta questão, delicada e profunda, motivou o posicionamento da cantora junto às causas ecológicas. Ela diz que “a questão ambiental só se agrava. Para a gente reverter esse quadro, e o tanto que ele se agravou nos últimos 10 anos, há de se ter muito trabalho. Não há tempo de esperar. É necessário parar agora o desmatamento, cuidar agora, e com responsabilidade, da Amazônia. Curiosamente, cresci ouvindo que aquela floresta era o pulmão do mundo. De repente, comecei a ouvir, já com mais de 60 anos, que não era bem assim. Hoje percebo que aquilo que ouvia na infância estava correto. Tanto que vemos as grandes tragédias ambientais que estão aí”, argumenta.

As inundações, as enchentes no mundo todo têm uma conexão direta com o abandono, com o desrespeito à natureza. Quando se destrói o Salto das Sete Quedas para se fazer um hidroelétrica, essa conta vem. É preciso que a gente pare, repense, ouça e faça o que efetivamente é necessário para preservar a natureza – Fafá de Belém

Fafá nunca se poupou de posicionar-se em favor daquilo que acredita. Tanto que a sua versão para o Hino Nacional Brasileiro durante a campanha das Diretas, em 1984, tornou-se símbolo daqueles idos. Tão importante que a menção ao símbolo pátrio constava na capa do disco lançado naquele ano. Recentemente, em face da polarização política, tanto a sua gravação para o ícone nacional, como a toada “Vermelho”, do boi Garantido, gravada em 1996, ganharam outra conotação e tornaram-se símbolos de um ou outro espectro político. Quando as discussões sobre esse tema tornaram-se impraticáveis, dizia-se que Fafá não cantava mais a música a fim de evitar associar-se a um ou outro recorte ideológico. Perguntada sobre isso, a cantora nega: “‘Vermelho’ foi escrita por um autor chamado Chico da Silva, para o Festival de Parintins. (…) A música, que gravei em 1996, embala amores, paixões, partidos e campanhas políticas… Eu não tenho como controlar o que é incontrolável. “Vermelho” sempre será uma canção fortíssima e que vai embalar algo que não se explica. É como gostar do Flamengo ou do América-RJ. Ainda que os dois sejam vermelhos, o coração vai se orientar e afinar com uma torcida. De igual forma isso acontece com a política. Ela é quente. Quanto à musica, há momento em que a canção cabe ou não. Se estou em piano e voz, por exemplo, cabe muito mais cantar ‘Coração do Agreste’”, diz.

 Eu costumo dizer que a Amazônia tem dois momentos muito fortes de paixão e devoção. Uma é sagrada, o Círio de Nazaré. Outra é profana, o Festival de Parintins. Ambas possuem a fervura da devoção e têm intensidade em níveis, altíssimos de paixão – Fafá de Belém

No lançamento da música “Bilhete”, em 1982, no Fantástico, o locutor Berto Filho (1940-2016) dizia, textualmente, em sua sonora: “Ela não é mais Fafá de Belém. É apenas Fafá. E não quer mais ser vista somente como uma mulher que ri muito, balança o corpo e canta coisas regionais. Ela quer contar que, em qualquer gênero e ritmo, é uma grande artista, uma grande cantora. Fafá, canta ‘Bilhete’”. Com efeito, no disco lançado em 1982, a cantora assina, na capa, apenas Fafá, sem o “de Belém”. Algo que repetiu entre 1985 e 1996. Essa ausência “geográfica” na face dos álbuns, reitera ou não o narrado em 1982 na revista eletrônica global? “Eu acho muito engraçada essa história, e é uma história antiga esta. Elis Regina (1945-1982) fez um disco chamado “Elis”. Caetano [Veloso] já fez um disco com seu nome. Quando eu troquei meu nome de Maria de Fátima para Fafá de Belém, eu assinei Belém no meu nome. Então, da mesma forma que Milton Nascimento já fez disco chamado “Milton”, eu fiz um chamado Fafá. O resto é especulação, é falta de assunto e pessoas que querem criar fatos e inventar cabelo em ovo. Eu sempre serei Fafá. Sempre serei Maria de Fátima Palha de Figueiredo, nascida em Belém do Pará”.

Além da questão nominal, a fala do falecido apresentador também deixa a cantora como se tudo o que não fosse do eixo Rio-SP não fosse nacional. Fafá descreve os desafios – e preconceitos – que vivera. Segundo ela, “Às elites interessam que vivamos em guetos. Se eu for contar os desafios todos, eles não cabem numa entrevista só. Mais que eles, vivi preconceitos. Quando vim pro eixo Rio-SP eu trouxe canções amazônicas. Então, quando eu cheguei, e ainda hoje eu olho assim, parecia que o Brasil acabava na Bahia. A gente insiste que essa fronteira cresça, que vá para Pernambuco, Ceará, Maranhão e, finalmente, chegue à Amazônia”.

O que é música regional? O Brasil é feito de muitos olhares, o Brasil são vários países. Regional é o que não está no mainstream? É o que não serve ao caminho dos guetos? Eu acho que o Brasil deve olhar o Brasil com a mesma generosidade com a qual olha para o Rio, para São Paulo… O Brasil é maior que o Leblon, que a periferia de São Paulo. O Brasil é infinito – Fafá de Belém

Ela continua: “Falar de Amazônia e povos indígenas parecer ser algo ‘fácil’, já que há indígenas em todos os lugares do Brasil, inclusive onde foram sendo dizimados lentamente. A Amazônia parece fazer parte do imaginário brasileiro, pois está “lá”. As comunidades de povos amazônicos, elas são muitas. São os ribeirinhos, os caboclos, os extrativistas… São muitos. Quando eu vim [pro Centro-Sul], eu trouxe compositores paraenses, sim, mas também compositores gaúchos, porque entendo que o Brasil é tão fabuloso que não é um país, são vários ‘brasis’. E o segredo desse nosso povo é que ele se integra, está junto, se abraça. Basta olhar o Alceu Valença, a Elba Ramalho, Gilberto Gil, Gal Costa (1945-2022), Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Maria Bethânia e a mim. Nenhum de nós é nascido no Rio ou em São Paulo. Todos nós somos frutos de um país”.

Tal como dissera na música ‘Bicho Homem’, de 1981, Fafá reitera que “O meu canto quer ser Brasil” (Foto: Divulgação)

Sobre os artistas que, tal como ela, “não são deste eixo cultural tido como brasileiro pelas elites”, como ela própria disse, Fafá requer generosidade. Alega ser necessário que “olhemos para os artistas emergentes, para quem está chegando, com um olhar mais generoso. O Brasil é gigantesco, tem talento a cada esquina, musicalidade a cada acorde e música em cada barzinho. O dia em que esse país tiver a força reconhecida, tirarem os guetos, e o pessoal do marketing lançar seu olhar sobre a música, a comida, e os sotaques brasileiros, seremos um grande país.

DO TAMANHO CERTO DO SEU SORRISO

Tomando carona no disco lançado em 2015, “Do Tamanho Certo para o Meu Sorriso”, quisemos saber de Fafá como ela lida com os memes feitos sobre si. Desde “Amada?” ao gif de sua gargalhada, tudo em Fafá é sinônimo de alegria. A cantora diz “adorar [os memes]. Quem não pode rir de si próprio vai rir de que? A gente está na rua, dando a cara à tapa. E acho que essa flexibilidade, esse humor, essa brincadeira que fazemos com o outro, temos de aceitar que façam com a gente. Eu e divirto muito. Os memes do “amada?”, eu tenho vários e pedi pro meu pessoal criar outros.

A vida sem humor não existe – Fafá de Belém

Amada? Beloved? Formada? Habib? O meme de Fafá de Belém ganhou as redes sociais e recebeu variações (Foto: Reprodução)

Se a vida sem humor não existe, o mesmo pode ser dito sobre os sonhos. Quando Fafá esteve como jurada no show de calouros com mais de 60 anos, o The Voice+, flagrou-se diante de pessoas que tiveram, sobretudo os sonhos frustrados pela vida. A belenense conta que este “foi dos grandes momentos da minha vida, porque eu pude falar com gente que continua acreditando nos seus sonhos. A gente vive num país no qual você tem que começar a matar os seus sonhos aos 40, 45 e quando se é mulher então, nem se fala! Quando se abre espaço para um programa como este, onde pessoas de mais de 60 anos continuam projetando e acreditando na vida, é algo maravilhoso. Eu fiz parte desse sonho, fiz parte desse momento que eu espero que um dia volte para a televisão brasileira”.

O tamanho certo do sorriso de quem sabe que não há graça em viver sem humor (Foto: Miro)

Falando em sonhos, um dos que Fafá nutre é voltar às novelas: “Depois que fiz a minha primeira, ‘Caminhos do Coração’ (2007), fiz ‘A Força do Querer” (2017), da Glória Perez, e me senti muito confortável. Fazer novela é ter um time para dividir, o palco é solitário. A bola está no nosso pé para a gente jogar com os outros. Quando se está num trabalho coletivo, você consegue dividir essa bola. E eu adorei fazê-las, as tramas. Inclusive adoraria que me convidassem para fazer mais uma novela”.

As novelas de televisão sempre tiveram fundamental importância na carreira da cantora. A primeira música que gravara, inclusive, foi o brejeiro “Filho da Bahia”, que integrou a trilha de “Gabriela” (1975). Outros temas ficaram imortalizados, como “Coração do Agreste”, de Tieta (1989). Não apenas gosta de estar musicalmente nas tramas, e figurar como atriz nelas. Fafá é noveleira raiz: “Eu lembro que na pandemia, quando tudo fechou, “Éramos Seis”, era uma novela que eu estava acompanhando. Ao seu fim, eu fiquei completamente à deriva, por que eu tinha uma companhia, que era a trama de Ângela Chaves. Trata-se de uma companhia em todas as idades, em todas as fases da vida da gente (…).  A novela embala, a trilha te faz personagem da trama…  Então eu acho que é assim que tem que ela ser vista, principalmente numa uma cultura que é tão brasileira e tão forte e tão bem feita nesse país, que são as telenovelas”.

Em “A Força do Querer”, Fafá de Belém foi Mere Star. Ela quer voltar às novelas (Foto: Rafael Campos/TV Globo)

Fafá diz que não fazia parte do seu sonho ser cantora. Essa possibilidade revelou-se a si de forma “intuitiva. Eu nunca quis ser cantora, como todo mundo sabe. Eu sempre fui muito curiosa e continuo sendo, com 66 anos. Eu quero olhar caminhos, olhar outros mundos, olhar sobre os muros. Quando eu voltei pra Belém, com 16 anos, depois de passar quase 4 anos no Rio com a minha família toda, eu trazia a experiência da explosão do Rio de Janeiro, dos anos 70: As Dunas do Barato, as Dunas da Gal [ambas na Praia de Ipanema], o Teatro Ruth Escobar, Teatro de Arena… Eu sentia falta essa ebulição e aí eu fui fazendo teatro. Foi quando entrei pro Grupo Experiência, que era um grande grupo de teatro de Belém do Pará”. Cantora, atriz, amazônica, dos mururés da Baía do Marajó. Fafá é a própria ebulição.