“Existem narrativas interessantes. Ser mais do mesmo não seria contemplativo para mim”, diz Rincon Sapiência


O artista lançou seu mais novo álbum “Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps” que é marcado pela musicalidade pop contemporânea africana. “Ser preto, periférico, mulher, LGBTQIA+ tem sempre seus obstáculos, porque vive-se em uma organização de discriminação constante. Você pode ter talento e dom, mas sabemos que as situações vão muito mais além disso para que o trabalho realmente funcione”, comenta sobre as dificuldades ainda encontrada por muitos para empreender como músico no Brasil

*Por Domênica Soares

Buscando sempre inovar e trazer novidades ao público, Rincon Sapiência lança seu novo álbum “Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps”, o segundo de sua carreira, que conta com sua própria produção. O disco tem 13 faixas e parcerias de tirar o fôlego, são elas: Mano Brown, Lellê, Gaab, grupo ÀTTØØXXÁ, Duquesa, Rael e Coletivo Audácia. Segundo o cantor, qualquer nova iniciativa é sempre muito importante e agregadora. “O álbum tem música romântica, pop, underground, rap da periferia, ritmo baiano com suingue e tempero nordestino”. Essa mistura com as inúmeras participações foram cruciais para um trabalho final interessante e coerente com o resultado esperado. Além disso, ele frisa que as parcerias são importantes porque sozinho não conseguiria expressar diversos tipos de estilos e formas de fazer música.

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Rincon explica que o processo de criação começou pela musicalidade e ritmo. Inspirado nas músicas e sons da atualidade, ele iniciou a montagem dos arranjos e após isso avançou para a escrita e inserção de texto nas melodias. “Eu estava com a criatividade bem fértil nesse início e, então, consegui produzir bastante conteúdo. Quando entendi que o caminho que queria seguir era de uma estética mais dançante e linguagens atuais usei esses critérios para me abster de algumas músicas que tinha feito e foquei apenas no objetivo central do disco. Esse entendimento foi essencial para poder definir o repertório”, explica.

Com muita experiência, o artista comenta que busca levar ao público uma linguagem nova, com referências atuais e um formato de fazer rap, principalmente dentro desse mesmo cenário que é o mais escutado pelo rapper, tanto como produtor, mas também no lugar de ouvinte. “É legal dar um tempero e cara nova para o ritmo. Muitas pessoas gostam de consumir rap de uma maneira mais leve, divertida e de uma forma menos dura. Esse trabalho é um alinhamento com a sociedade, principalmente a periférica que vem trabalhando muito com inúmeras responsabilidades desde o estudo até a casa, família, realizações pessoais entre outras. Somos capazes de promover um momento de descontração para essas pessoas que anseiam por dias melhores e precisam de um tempo para refrescar as ideias diante de um mundo e cenário conturbados”. 

Rincon lança novo álbum com participações especiais (Foto: Andreh Santos)

Tudo isso vem mostrando a evolução de Rincon. Esse novo trabalho traz à tona as mudanças como artista e produtor musical que se desprendem da veia clássica que predominou a estreia na carreira com o premiado disco “Galanga Livre”, no ano de 2017. Foi neste mesmo ano que entrou para a lista dos 50 melhores álbuns da música brasileira da Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA) e ganhou dois troféus do Superjúri no Prêmio Multishow daquele ano. Além disso, o artista também ganhou o título de Revelação do Ano, reforçado pela sua eleição como Artista do Ano pela APCA e a escolha como melhor disco do ano pela revista Rolling Stone Brasil.

Desde 2017, o cantor vem trabalhando na divulgação da sua música no Brasil e no exterior, mostrando sua versatilidade artística em grandes parcerias como, Sidney Magal, Alice Caymmi, Rubel, Drik Barbosa e IZA. Acompanhando o andamento da cena musical, o artista lançou recentemente seu selo musical independente, MGoma, que traz ainda mais credibilidade e visão para ele, o público e o mercado da música. 

Investindo nas novidades do mercado, Rincon lança músicas com muita dança e swing (Foto: Andreh Santos)

Rincon explica que atualmente vivemos em um momento interessante na música, com muitas produções boas e grandes artistas surgindo. Além disso, divide que a cena vem ganhando narrativas e que cada vez mais ele busca acompanhar essa evolução porque fazer mais do mesmo em um cenário tão inovador, não é algo contemplativo em sua carreira. “Quando eu ouço o disco, vejo ele pronto com uma capa e linguagem e musicalidade diferente do padrão, me sinto orgulhoso. Sei que existem muitas pessoas que anseiam ouvir novidades e me vejo contribuindo com isso de forma positiva e agregadora”.

Ele cita que pretende deixar um legado que motive e inspire cada dia mais as pessoas, como muitos artistas o inspiraram a ser quem é hoje. “Às vezes, eu ouço uma música e ela me remete à referências do passado. No meu trabalho, penso que em dado momento a música africana pode chegar com mais força no Brasil se mais destaques de africanidade forem dados. Os artistas de mainstream já estão colocando um pouco disso em prática, temos Beyoncé por exemplo que colabora bastante com essa questão. Além disso, é lindo ver um rapper com pegada de funk, pagode, 150 bpm, afrobeat e outros. Ficarei feliz se no futuro visse mais artistas desse tipo. Quero deixar um legado orgânico e natural para a posteridade”.

Rapper fala sobre carreira e novos rumos da tecnologia (Foto: Andreh Santos)

Sobre o atual mercado da música, o cantor explica que o Brasil é incrível e que os habitantes amam e consomem muitos sons, seja no YouTube, rádios, celulares ou qualquer outro aparelho ou ferramenta. Então, dessa forma, analisa que dá para viver de música no Brasil, mas é claro, com ressalvas: “Existem questões estruturais. Ser preto, periférico, mulher, LGBTQIA+ tem sempre seus obstáculos, porque vive-se em uma organização de discriminação constante. Você pode ter talento e dom, mas sabemos que as situações vão muito mais além disso para que o trabalho realmente funcione. Muitos obstáculos surgem para essas pessoas, como o lugar que moram, a distância que levam para chegar aos pólos musicais e outras mais barreiras estruturais”.

Rincon explica que ainda é necessário muita paciência, devido ao atual momento que vivemos, diante do imediatismo exacerbado. Mas não deixa se levar pelos aspectos negativos e continua dando força e inspiração para quem deseja seguir o caminho da arte. “Deixo meu axé e sorte para todo mundo que busca fazer a música acontecer”.