“Começou! Agora você vai tomar conta de si!”. É esse o verso que abre “Dancê”, o terceiro disco da carreira meteórica de Tulipa Ruiz. Acompanhada por uma bateria envolvente e uma produção divertida, assinada pelo irmão e colaborador de longa data, Gustavo Ruiz, a faixa “Prumo” não apenas inicia o trabalho como também traz em si uma declaração implícita: o álbum foi feito para dançar, e é isso que a cantora quer provocar no público que comparecerá ao seu show no Circo Voador, na sexta-feira, Dia dos Namorados.
Dançar, nesse caso, não significa que uma das compositoras mais elogiadas dessa última década abandonou as letras cuidadosamente orquestradas e repletas de lirismo. Muito pelo contrário. Apesar de o impacto inicial de seu novo som ser no corpo, a mente também encontra reflexões profundas ao longo das 11 faixas inéditas que ela disponibilizou para streaming gratuito em seu site oficial: o amor, a independência, a morte e inúmeros outros assuntos são abordados em “Dancê”, que entre cordas e metais eufóricos traz uma Tulipa mais experimental e enérgica, com algumas participações preciosas, como João Donato, Metá Metá, Felipe Cordeiro, Kassin e Lanny Gordin.
Tulipa Ruiz – “Proporcional”
“Dancê”, lançado no mês passado com o apoio do projeto Natura Musical, veio com a missão de manter ou até superar o sucesso alcançado pelos dois primeiros discos de Tulipa Ruiz, “Efêmera” (2010) e “Tudo Ou Nada” (2012), que lhe renderam inúmeros prêmios, reconhecimento internacional e uma legião de fãs. Gravado no estúdio da Red Bull Station, em São Paulo, o projeto marca ainda a primeira vez que a artista viajou com a sua banda com um único intuito: compor. A imersão completa na música se reflete no trabalho, que já vem gerando elogios mesmo com pouco tempo de vida.
Abaixo, você lê uma entrevista exclusiva com Tulipa Ruiz, que fala sobre seu processo criativo em torno de “Dancê”, a diferença do disco para seus anteriores, como começou a desenhar (a capa do álbum foi feita por ela), a estreia de seu novo espetáculo dançante sob a lona do Circo Voador e muito mais:
HT: Em “Prumo”, faixa que abre o disco, você canta: “Começou, agora você vai tomar conta de si”. O que motivou essa tomada de rédeas? É algo que diz respeito à música, à vida pessoal ou a ambas?
TR: Na verdade, fiquei muito na dúvida de abrir o disco com essa música, por ela ser muito literal. Até o último segundo, não sabíamos se ela seria a primeira ou não. Sou muito apaixonada por processos criativos e aprendo muito: algumas músicas dizem e pedem muitas coisas, como foi o caso dessa. Minhas letras nunca têm um personagem principal, alguém físico. O meu eu lírico é absurdamente híbrido: pode ter um pouco de mim, mas tem muita gente misturada e inventada ali. Nessa música, especificamente, a letra não se aplica a nenhuma parte literal da minha vida. E passa longe de qualquer coisa com a minha carreira.
Tulipa Ruiz – “Prumo”
HT: “Dancê” é um disco mais pop e dançante que os anteriores: o que motivou essa mudança sonora?
TR: Ter um impacto no corpo para depois a pessoa processar a informação foi a minha primeira intuição com esse disco. É uma consequência dos shows: na plateia, eu tenho bailarinos incríveis. Vejo as pessoas fazendo cada coreografia dançante, se mexendo do seu jeito, e fico observando essas figuras diferentes do palco. Fui muito estimulada pelas pessoas que vão ao meu espetáculo. Achei que essa intuição fosse algo cósmico, mas depois descobri que foi uma relação com o estímulo do próprio público. Então fiz esse trabalho mais dançante para os meus dançarinos.
HT: Essa percepção do seu público e de quem vai ao seu show a ajudou a se portar melhor no palco, já que você é um pouco tímida na vida pessoal?
TR: O palco me dá muita segurança, eu me sinto protegida ali. Fico muito mais tímida numa rodinha de violão. Se alguém pede para eu tocar alguma coisa em uma rodinha, morro de vergonha.
HT: Para o álbum, você fez uma grande imersão em uma casa em Camburi, onde compôs as músicas com o seu irmão. Como que se afastar da cidade e do mundo exterior influenciou esse disco de uma forma diferente dos dois anteriores?
TR: Eu primeiro fui com o Gustavo [Ruiz] para Camburi, e ficamos 15 dias pensando nas músicas. Depois, fomos para um sítio com a banda e essa foi a primeira vez que viajei com o grupo para compor. Passamos a acordar e dormir fazendo música o dia todo. Isso contribuiu muito para a sonoridade. Eu já tinha um entrosamento da banda por conta da estrada, mas paramos muito pouco nesse tempo de divulgação do disco anterior. O “Dancê” soa como um disco de banda, mais por conta dessa convivência que tivemos.
HT: Você, seu pai [o jornalista e guitarrista Luiz Chagas] e seu irmão mantêm uma parceria musical desde o início da sua carreira. Como é conciliar a família com o trabalho? Vocês conseguem separar as coisas?
TR: A música sempre foi misturada no dia-a-dia da minha família. Não lembro de um dia na minha vida que meu pai não tenha falado sobre os Beatles, Michael Jackson ou música no geral. As rotinas, como ir ao banco ou pagar contas, é que parecem estranhas lá em casa.
HT: Você é muitas vezes descrita como grande revelação e voz da nova MPB. Esses títulos a deixam nervosa ou dão algum tipo de pressão?
TR: Encaro isso tudo numa boa, porque sou filha de jornalista e crítico musical, né? Entendo que de algum jeito as pessoas precisem me decupar. Essas comparações ou denominações, essas nomeações, têm mais a ver com o jeito de a imprensa poder dar um significado ao outro para não ser tão estranho ou esquisito. Eu cresci lendo o que meu pai escrevia.
HT: Qual a sua parte preferida em lançar um disco: gravá-lo, no estúdio e composição, ou apresentá-lo ao público?
TR: Eu sou do show, do ao vivo. Amo palco, amo a estrada! Mas eu estou aprendendo agora no terceiro disco a desfrutar do processo de um disco. Foi uma delícia essa imersão que eu tive com a banda. No “Efêmera”, tudo me assustou muito, houve muita burocracia. ‘O que é estúdio? O que é editora?’ Agora eu desfruto mais. No sítio, gravávamos de 9h à meia-noite. Tive tempo para errar, aperfeiçoar e crescer.
HT: Você disponibilizou o “Dancê” para streaming completo na sua página do Youtube e no seu site oficial. Consegue ver mais prós ou contras nessa nova forma de consumir a música?
TR: O “Tudo ou Tanto” eu disponibilizei para download gratuito, acreditando que isso estreitaria a relação entre artista/público. Hoje, o costume mudou, porque as pessoas não baixam tanto e escutam muito mais pelo streaming. Esse é o início da minha relação com meus fãs: se você escutar só um preview da minha música quando entrar na minha casa – no meu site -, sinto que não estou me comunicando com você. Se você gostar, ouvir o disco inteiro e for ao show, eventualmente poderá comprá-lo lá. Ainda precisamos conversar muito sobre essa nova plataforma, principalmente as pessoas que trabalham na indústria da música. Ainda é necessário muita discussão de como viabilizar financeiramente esse streaming, quem tá ganhando o quê, como é a distribuição da receita… Ainda está tudo muito nebuloso. O streaming tem a vantagem de podermos mapear esse consumo de música, algo que fica perdido no download. Mas eu tenho uma esperança em relação a isso. Quem garante que no ano seguinte não vai surgir algo novo?
HT: Você acha que não trabalhar com uma gravadora proporciona mais liberdade criativa? Quais os prós e contras disso?
TR: Eu realmente não sei como é isso, porque nunca me relacionei com gravadora. Cheguei ao mercado numa curva da indústria, onde os formatos e o público eram diferentes, mas os contratos continuavam antigos. Para mim, não foi interessante nesse momento. Não sou contra gravadora, quando eu tiver um convite sedutor até pensarei melhor. Mas o que faltou, por enquanto, foi sedução. Os dois discos anteriores eu gravei com o apoio da Natura e consegui fazer exatamente do jeito que eu queria. Então, eu não vejo melhor saída para as minhas eurecas (risos).
Tulipa Ruiz – “Elixir”
HT: Como você vê a importância de um disco físico no mercado de hoje?
TR: Em “Dancê”, fui eu quem desenhou a capa, com o projeto gráfico da Tereza Bettinardi. Sou apaixonada por discos, pelo fato de eu gostar das capas de discos. Quando eu era pequena, me apaixonei por desenhos, porque fiquei seduzida pelas capas de discos que tinha na minha casa. Então, sempre terei esse romantismo de ver meu trabalho no CD, no vinil e até em K7, que eu sempre sonhei. Eu sei também que os números hoje em dia são completamente diferentes. As pessoas antigamente vendiam 1 milhão de discos e isso não é mais uma realidade. No “Efêmera”, eu achava que fabricar CD era uma mera formalidade, mas nós prensamos o disco até hoje. O cuidado que eu tive com esse projeto gráfico faz com que as pessoas prestem atenção ao objeto. Você precisa pensar em como ele pode ser interessante nos diferentes suportes, para poder atrair o público.
HT: Recentemente, você colaborou com o Criolo em “Cartão de Visita”, música para o álbum dele. Como foi o convite e o processo de união?
TR: Criolo é um amigo e parceiro, sempre aprendo muito com ele. Meu amigão mesmo. Quando eu o convidei para ajudar em “Víbora”, eu não sabia muito para onde ir. Ele era a única pessoa que poderia me ajudar no breu que eu tinha entrado. O “Efêmera” é um disco mais colorido, então eu cheguei em um clima que eu não conhecia, um pouco mais sombrio. E precisei de ajuda. Mas eu não precisava de alguém que me tirasse dali, precisava de alguém que tivesse coragem de me jogar ladeira abaixo.
Tulipa Ruiz – “Víbora”
Fiquei muito feliz quando ele me chamou para cantar o “Cartão de Visita”. Foi muito legal pensar com ele as palavras, as rimas e vê-lo gravando. Ver o cuidado do [Daniel] Ganjaman e do [Marcelo] Cabral [produtores]. O “Nó na Orelha” [primeiro disco do Criolo] eu não acompanhei o processo, então foi muito legal poder acompanhar o “Convoque Seu Buda”. No meio disso, ele me mostrou várias outras músicas. Ele tem uma constância nas composições, uma mais incrível que a outra. Eu, por exemplo, sou muito lenta. Só vou fazer músicas quando estiver próximo de lançar o disco. Tenho muita sorte de ser contemporânea dele. O Criolo tem uma energia de palco muito forte, todo mundo consegue cantar suas músicas do início ao fim.
Criolo – “Cartão de Visita” (Part. Tulipa Ruiz)
HT: Como está sendo a expectativa de estrear o “Dancê” em solo carioca em pleno Dia dos Namorados?
TR: O Circo Voador é meu palco preferido da vida! Todos os shows que assisti da plateia foram incríveis e como artista foram inesquecíveis. Minha “boyband” também está super empolgada para esse show. Vou até chegar uns dias antes e ir embora depois, algo que eu nunca faço. Mas acabei sucumbindo ao Rio de Janeiro (risos). O Circo foi o primeiro palco no que eu me apresentei, fora de São Paulo, em um show que abri para o Otto, na estreia do “Efêmera” no Rio. Foi uma noite maravilhosa, meu primeiro contato com o público carioca. Quando eu cheguei, o público já sabia cantar algumas músicas e isso foi incrível. Então, o Circo é onde eu quero fazer shows para sempre, porque tenho um xodó especial pelo lugar, é sempre um carinho. Até agora só fizemos shows em teatro, então vai ser demais fazer no Circo, ainda mais por que lá é pista.
HT: O João Donato, que participa do álbum em “Tafetá”, também participará desse show. Como foi gravar com ele?
TR: Nós nos conhecemos na coletiva do Rock In Rio, quando ele tocou “Efêmera” com a gente. E, no ano passado, participei de um show do João Donato, o “Quem é Quem”, que foi um show de lançamento desse disco lançado há mais de 40 anos e que, na época, foi direto para vinil. Tive a honra de participar desse projeto em São Paulo e no Recife. Sou apaixonada por ele!
Tulipa Ruiz – “Tafetá” (Part. João Donato)
Serviço:
Turnê “Dancê” com part. João Donato
Data: Sexta, 12 de junho
Local: Circo Voador
Preços: 1º Lote:*
R$ 40 (meia-entrada para estudantes, menores de 21 anos e maiores de 60 anos)
R$ 40 (cliente Clube Sou + Rio)
R$ 40 (ingresso solidário válido com 1kg de alimento)
R$ 80 (inteira)
*Sujeito à alteração sem aviso prévio
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