Depois de três anos sem lançar um álbum de inéditas, Roberta Sá resolveu começar seu processo para surgir este ano com “Delírio”, quinto disco de estúdio, que traz participações de nomes como Chico Buarque, Adriana Calcanhotto, Martinho da Vila, Xande de Pilares e por aí vai. “Eu queria construir esse discurso no qual o papel da mulher fosse o de protagonista: é ela quem chega em casa do trabalho, cansada e querendo colo. Ela sofre por amor, mas também é rainha de bateria. São vários prismas do amor que construíram o disco”, nos conta a artista em entrevista exclusiva.
Ao longo de “Delírio”, Roberta mostra as várias nuances da mulher contemporânea que ela quis retratar no disco. Em “Me erra”, composição de Adriana Calcanhotto feita exclusivamente para a cantora, a protagonista sofre por amor, ao mesmo tempo em que encontra consolo na bateria da Mangueira. “Amanhã é sábado”, parceria com Martinho da Vila, já traz um novo olhar para a faixa “Disritmia”, original do sambista, mas ressaltando uma figura feminina como a trabalhadora que chega em casa querendo cafuné. Na faixa homônima ao disco, o eu lírico se perde nos blocos de rua “sem tempo pra lamentar”, enquanto passa pelo arrependimento de “Feito Carnaval” e termina em “Boca em boca”, cantada com Xande de Pilares, sobre voltar aos braços do amado, “cansado de vagar”.
“Foi tudo muito natural. ‘Se for pra mentir’, por exemplo, achei a cara do Chico (Buarque) e queria ouvi-lo cantando. Com o Antonio (Zambujo, fadista lusitano) aconteceu de eu estar conversando com alguns amigos portugueses e eles comentarem que ‘Covardia’ não tinha uma palavra que não coubesse em um disco dele, por ser metricamente um fado falado. No fim, acho que reuni homens que amam muito as mulheres e falam muito desse universo”, explica Roberta sobre as parceria de “Delírio”.
O disco, por sinal, trouxe um fator inusitado em seu processo de composição e pós-produção. A cantora e sua equipe optaram por usar pouco ou nenhum efeito de alteração, corrigindo apenas o necessário nas faixas. “A gente realmente não editou quase nada. Acho que foi um trabalho mais interno, de abraçar o humano. Não que a máquina e a tecnologia não sejam legais, mas acho que nem sempre precisamos disso. Foi uma opção para esse disco, porque eu queria uma sonoridade mais orgânica e, no show, essa característica ganhou ainda mais força”, completa.
O show da turnê “Delírio”, por sinal, continua a força e a temática feminina que Roberta Sá imprimiu no disco. Na direção do espetáculo está Gabriela Gastal, enquanto os movimentos ficam a cargo de Marcia Rubin e o cenário é assinado por Valéria Costa. “Há também a assessoria, a produtora… É uma energia muito feminina e eu acho que o disco fala muito desse universo. Foi algo que aconteceu naturalmente, mas também se provou muito benéfico. A mulher tem essa delicadeza feminina, que tanto o disco quanto o repertório querem reproduzir”, explica a artista.
Mas essa delicadeza feminina está longe de ser um empecilho na luta dos direitos da mulher, como conta Roberta. Para ela, a mulher contemporânea “vai para o trabalho, assume papeis na sociedade que antes eram exclusivamente masculinos, é provedora, mãe e dona de casa”. “Ela exerce muitas funções, mas nem por isso quer deixar de ser bonita ou feminina. É uma mulher que busca igualdade, mas que também procura o lugar da feminilidade dela”, observa a cantora.
Ao falar com HT sobre essa liberdade feminina e o lugar de protagonismo da mulher na sociedade contemporânea, Roberta não deixa dúvidas quanto a sua posição, e também não diminui o tom na hora de clamar por maior visibilidade e justiça quando o assunto fica sério. “Temos que ir à luta para não regredir. Acredito piamente que a mulher é dona do seu próprio corpo e pode, sim, interferir no seu destino. Também acho que os assédios devam ser denunciados, mesmo que a mulher tenha medo de ser demitida, o que é muito triste de se pensar. Mas isso é um crime, é constrangedor, não é legal e não é normal. Temos que nos proteger”, comenta com veemência. “Acho muito importante a mulher se impor e expor o que pensa. É inevitável que elas ocupem cargos de poder e liderança, a liberdade permite isso”, completa, com a voz firme e decidida.
Liberdade e exposição de ideias aspectos abundantes em “Delírio” e, prova disso, é o clipe incrível para a faixa-título do disco, que HT já havia mostrado aqui e que traz toda aquela efervescência de tribos, emoções e sentimentos do carnaval carioca. Quando perguntada sobre a produção, a cantora suspira de saudades e comenta: “Essa ideia era antiga! Eu já tinha filmado com os meninos da Samba Filmes e com a Nanda Abreu. Ela tem vários amigos do ‘Bunytos de Corpo’, um bloco muito interessante e alternativo. O Bacco Andrade, diretor de fotografia, também é DJ de um outro bloco e todos os envolvidos na produção eram da folia de rua, o que foi muito bacana. Gravamos no Beco do Rato, com muita cerveja, o que acabou se transformando em um carnaval de verdade”, ri.
Videoclipe de “Delírio”
Sobre falar o que pensa, “Delírio” traz de volta outra faceta pouco explorada de Roberta: a de compositora. Em uma entrevista recente, a cantora havia comentado que tem um pouco de medo de tirar as músicas de sua autoria da gaveta. Quando perguntada sobre tal característica, ela assume tom pensativo: “Eu não sei se é medo ou preguiça. Sou muito bissexta com as minhas composições. Eu gosto muito de construir um repertório que passe uma mensagem. Não faz diferença se o samba é meu ou não, e sim se ele compõe o discurso que eu quero transmitir. Eu gosto dessa troca de ideias e de saber o ponto de vista do outro sobre algo que eu penso e, juntos, construirmos algo novo”, conclui, acrescentando que pretende lançar mais composições em um futuro não muito distante.
O papo vai chegando ao fim e pedimos a Roberta Sá que faça um balanço geral do últimos 10 anos desde que lançou “Braseiro”, seu álbum de estreia, até hoje. O que mudou na Roberta pessoa e na Roberta artista? “Muita coisa. Na minha idade, tudo fica mais fácil. Quando subo ao palco, sinto que as coisas estão em seu devido lugar. Você já sabe o tamanho que quer para você, e eu só quero ser do meu próprio. Estou feliz de tocar com quem estou tocando, e me sinto satisfeita com a minha carreira. A essa altura, o palco deixa de ser um mistério. Quando canto, passo mais de uma hora meditando. É um momento meu e estou inteiramente ali”, analisa com convicção. Aproveitando o clima de fim de ano, qual seria um delírio alcançável para 2016? “Quero ir para Fernando de Noronha! Passar uma semana lá, no mar. É um delírio muito alcançável. Penso naquela água e já fico delirando”. Do jeito que o local anda bombando, a cantora poderá participar de uma histeria coletiva.
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