Em 1994, o Brasil inteiro ouvia, dia sim, outro também, a música “A Praieira” em “Tropicaliente”, folhetim das 18h de Whalter Negrão. Foi quando o sul e sudeste conheceram com maior intensidade a voz de Chico Science, um dos pais do manguebeat, movimento que misturava ritmos nordestinos com os já difundidos rock e hip hop. Aquele foi um cutuque nas gravadoras que, até então, fechavam seus olhos da Bahia para cima e perdiam o faro para o que aconteceria em meio a caatinga.
Pois enquanto muita gente – não apenas por ignorância – era totalmente indiferente ao que acontecia no Nordeste, uma turma das boas sempre fez música de qualidade por lá, e engana-se quem acha que era apenas tocando triângulo ou acordeom. Lenine, Otto, Nação Zumbi e Zeca Baleiro já faziam um barulho daqueles, só para citar alguns.
E sempre que HT pensa em uma cidade nordestina, daquelas que é epicentro do movimento de novas e interessantes bandas, pensamos no Recife, a capital do Pernambuco. Mas, curiosamente, não foi por lá que, desde 1994, uns caras fazem um rock de qualidade. Em Fortaleza, capital do Ceará, Catatau, Dustan Gallas, Régis Damasceno e Rian Batista, formaram Cidadão Instigado e seguem relevantes e essenciais com o recém-lançado quinto álbum batizado “Fortaleza”.
Explicar como tudo deu tão certo, em meio as aparentes adversidades territoriais, é mais fácil de explicar do que a gente possa imaginar. Quem ajuda é Catatau, o vocalista. “Tiveram os artistas que fizeram sucesso nos anos 70 e depois o olhar das gravadoras mudou de direção. Em Fortaleza as bandas nunca deixaram de existir, e a cidade sempre foi rockeira. A dificuldade sempre foi conseguir fazer shows porque tinha aquele tal produtor que sabendo das dificuldades da cena não queria pagar bem as bandas pra tocar”, conta ele, que ainda alerta: a situação não mudou em pleno 2015.
Esses tempos de início de carreira são tão lembrados quanto a infância, quando ainda sonhavam em soltar os primeiros acordes. As saudades, aliás, são tema da faixa-título do disco, quando Catatau – que compôs – diz que de “lembranças sobrou pouco” e que ficam “procurando essa criança até envelheci sem sentir”, com um quê de nostalgia total. “Fortaleza” foi disponibilizado para download gratuito na internet, num momento em que o grupo admite ser lento no “quesito ‘divulgação de si mesmo”. Em entrevista exclusiva ao HT, Catatau ainda falou de política, mainstream musical brasileiro, e projetos paralelos. Leia, e se instigue também.
HT: O que um Cidadão Instigado diria sobre o atual cenário político brasileiro, com a sociedade entrincheirada em dois lados?
FC: Acho que estamos passando por momentos históricos no país. Não falo só pelas diferenças dos lados já que elas nunca deixaram de existir, mas está ficando cada vez mais claro que as gerações anteriores foram enganadas e nos deixaram sua herança. Tudo hoje em dia é voltado para o consumismo. Os que tem querem ter cada vez mais, e os que não tem querem ter de qualquer jeito. Nosso país é governado por ricos acostumados com poder. Esses são os grandes políticos, os “senhorzinhos” que mandam polícia bater em professor…esse tipo de coisa. Eles vêem nas diferenças suas fontes de renda e não sabem o que é viver sem ter. Hoje tudo que se vê por ai são pessoas gritando nome de partidos como se estivessem em torcidas uniformizadas e a violência chegando mais perto. Mas no fundo no fundo cada um sabe o papel que cumpre na sociedade. Uma hora a conta chega para todo mundo pagar.
HT: O Brasil vive uma crise criativa no mundo do rock ou a grande mídia e os grandes conglomerados que fazem vista grossa para o que vem sendo produzido? Por que o rock não é mais mainstream como foi nos anos 80?
FC: O rock não é mainstream porque é desinteressante para as gravadoras. As grandes corporações escolhem seus interesses. Quando surgiu o rock dos anos 80 com Legião, Paralamas, Titãs, Inocentes...aquilo foi algo que marcou muita gente e que dava muito retorno pras gravadoras porque a maioria das pessoas passaram muito tempo caladas devido a ditadura e queriam de alguma maneira soltar seu grito para a sociedade. Eu era adolescente e quando ouvi aquelas músicas minha vida mudou. As letras do Renato Russo abriram a cabeça de muita gente e as pessoas começaram a contestar valores que até então ficavam guardados. Hoje isso é desinteressante. Querem que as pessoas consumam e se calem consumidas!
HT: Antes os clipes primeiro iam para a TV, e os discos para a loja. Agora a internet dominou tudo. De que forma vocês tentam dominar a internet? Como esse novo movimento fez bem – ou mal – para bandas como o Cidadão?
FC: Na real a gente sempre foi um pouco lento no quesito “divulgação de si mesmo”. Talvez agora a gente esteja tentando melhorar um pouco isso. Acho que a internet mudou muita coisa, mas não deixamos de estar nas mãos de grandes corporações. Elas só se transportam de um lado para outro. Hoje temos o Facebook, Google…são políticas diferentes, mas parecidas. A internet proporciona um alcance bem maior, mas, ao mesmo tempo, tira as grandiosidades. Hoje tudo é extremamente rápido. Quando você vê já passou. De todo jeito, a gente segue em frente da maneira que dá pra fazer, até porque nosso foco sempre foi na música e com ou sem “impulsos de marketing” a gente continua seguindo em frente.
HT: A faixa-título fala de Fortaleza. Como se deu essa composição?
FC: Essa música é quase uma autobiografia rápida do que eu vivi em Fortaleza. Eu morei na Varjota muitos anos e em outros cantos da cidade tambem. Vi tudo sendo destruído homeopaticamente. Meu colégio (General Osório) foi destruído, o colégio (Stella Maris) que eu sonhava em estudar foi destruído, o Clube Líbano, o dos Diários e tantos outros foram destruídos. Fora casas, lembranças, histórias…
HT: E a inspiração para compor as outras canções do disco?
FC: Temos que aceitar a força as mudanças impostas. O que eu posso oferecer é minha música e meu amor pela cidade. Minhas inspirações sempre foram as mesmas. Eu escrevo sobre o que vivo e sinto. São minhas percepções do mundo.
HT: O que você acha do mainstream musical brasileiro? Por que o sertanejo voltou a dominar com tanta força, depois de um tempo adormecido?
FC: Sinceridade!? Eu nem sabia que o sertanejo tinha voltado e muito menos adormecido. Não tenho interesse por mainstream faz tempo. Procuro o que quero ouvir em outros lugares. Acho que os melhores sons não estão aí, inclusive os bons sertanejos.
HT: Vocês participam, individualmente, de muitos projetos paralelos. É uma tentativa de sobreviver de música, uma vontade de experimentar novos sons, uma necessidade de oxigenar o convívio com a banda ou tudo junto e misturado?
FC: Eu gosto muito de tocar com outros artistas. Aprendi muito com as diferenças. As vezes a gente acha que o que a gente tem já é o suficiente, daí sempre tem aquele momento para gente ver que estava errado. Todos nós da banda gostamos de trocar experiências com outras pessoas. É a nossa maior escola.
HT: O que diferencia a banda do primeiro álbum, para esta que nos apresenta o quinto disco da carreira? Como enxergam essa trajetória?
FC: Acho que a gente é uma banda insistente. Desde o dia em que comecei a compôr a primeira música até os dias de hoje nos mantivemos com os mesmos ideais. Acho que a maior diferença é que hoje em dia nos conhecemos muito mais e isso transparece na música. Ano que vem faremos 20 anos de banda e isso é massa demais. Continuamos firmes, amigos e gostando de música. Então acho que temos uma trajetória muito boa.
Artigos relacionados