É mais fácil encontrar Roberto Carlos vestido de preto, que Moska sem um violão debaixo do braço. Agora, depois de 20 anos de estrada, essa comparação ganha mais veracidade que nunca com a turnê “VIOLOZ“. Nela, cada violão (serão quatro) será apresentado ao público como se fosse uma mulher e/ou um amor da vida de Moska. Ou seja: para rir e para chorar, como na vida. “Resolvi montar um show com meus instrumentos preferidos. Quatro deles nunca haviam passado da porta de casa: além do meu velho companheiro com cordas de nylon, estarei com um violão folk com cordas de aço, um barítono muito grave e afinado em Si, um ukulele, que é aquele pequenininho de quatro cordas, e uma guitarra elétrica”, listou. O novo projeto, muito papeado e mais dinâmico, estreia dia 30 de outubro no Vivo Rio, abarrotado de canções conhecidas. Mas com um porém: “Elas ganharam texturas novas, mesmo continuando íntimas por se tratar de um show acústico”.
Palavras de quem encontrou no violão, ainda rebento, a ajuda para romper obstáculos. “Sou caçula de quatro irmãos e o mais velho tocava cheio de mulher e amigos em volta. O violão era a chave para juntar as pessoas em um canto e celebrar as amizades. Eu adorava a ideia de que uma canção podia dizer aquilo que a timidez não permitia”, lembrou Moska, também seduzido pelo cheiro da madeira, e os ídolos. “Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Djavan sempre estavam com um violão no colo. Ele é um instrumento muito quente, que aconchega qualquer situação”, foi filosofando: “A sensação da vibração da caixa no peito de quem o dedilha é como um carinho da pessoa amada. E isso eu já sentia desde o início”. Paixão que desaguou em composições. “Viver é compor e compor é juntar coisas de acordo com um critério. Minha composição está o tempo todo em processo, independentemente do violão estar no colo”.
Músico que aprendeu a fazer canções antes da era do iPhone e do Soundcloud, Moska não abandona a máquina de escrever. E é tão in natura que encontra no olhar a verdadeira matéria prima. “Quando chego no violão é só para desaguar. Geralmente a canção sai rápido. Anoto muitas frases em papéis espalhados pela casa e também gravo pequenos trechos de melodias ou harmonias para depois tentar completar”, explicou. E se ele tem um bom começo ou um bom refrão então….”O resto vai surgindo naturalmente, vou cantando como se a música já existisse”. Coisa de quem é ateu, mas acredita nas forças do tempo, da natureza e do caos. Um viajante em sua própria mente. “Transcendo quando estou compondo ou cantando e atinjo o mesmo estado de graça que qualquer religioso quando reza”, garantiu o homem que tem a vida como musa. E por isso, quer fazer da nova turnê “um show de amor à vida”.
O assunto composição, aliás, traz à mente o drama do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o ECAD, e sua real eficácia na fiscalização da execução de canções em shows, casas de festas e eventos Brasil afora. Para Moska, os músicos têm “que exigir a transparência total dos dados para que os compositores possam acompanhar o que realmente acontece com a distribuição dos direitos autorais”. O motivo? “Quem não deve, não teme”. “Chega a ser ridículo a insistência do ECAD em monopolizar a informação. Isso gera muita desconfiança”, salientou. Por outro lado, há uma ponderação: “Não é um privilégio só dos autores. O mundo inteiro está passando por isso em todas as camadas profissionais e econômicas”. Discurso afiado também para a conta do streaming musical, que não fecha, e até então, privilegia apenas o público. O problema, dessa vez, para Moska, está no “ineditismo da situação”.
“Como o streaming não vende diretamente o fonograma, e nem é uma rádio, não se aplica à ele as regras pré-estabelecidas. É um absurdo que empresas estejam ganhando bilhões e os autores dos conteúdos, que geram esse bilhões, não sejam bem remunerados por isso. É no mínimo injusto. E se é injusto, teremos que equilibrar essa balança”, analisou. Opinião de quem, por mais que possa não parecer, acha que a música deve ser gratuita. “Ela não é um objeto e quanto mais gente puder ter acesso, melhor. O mais importante, afinal de contas, é comunicar, levar a mensagem, dialogar através das canções. O ser humano se reinventa sempre e tenho certeza de que a mudança de paradigma que está acontecendo com a revolução tecnológica contemporânea também vai gerar uma nova forma de viabilização dos direitos autorais”, torceu tendo consciência: “Só não será rápido, porque tem muita gente poderosa que ganha dinheiro do jeito que está e não quer largar o osso”.
Cenário ainda pior quando olhamos para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Por lá, estudaram em determinado momento a ideia do Ministério da Cultura ser extinto e a pasta voltar a ter seu expediente trabalhado pelos funcionários do Ministério da Educação. Mais um efeito da recessão econômica e da tentativa, frustrada, do governo federal de ajeitar os cofres públicos. Sendo “igualmente radical (à postura) e irônico”, Moska é daqueles que acha que “o Ministério da Educação e da Saúde Mental é que deveriam ser agregado ao Ministério da Cultura”. “Hoje o que existe nos governos é uma política econômica dura e radical. Tudo é decidido na ponta do lápis e é evidente que um dia vai explodir, porque esse dinheiro não existe, é tudo número”, atacou. Como homem que vive da arte, ele acha que ‘política verdadeira é a cultura que faz”. “É a cultura que realmente inventa e reinventa um povo, desenvolve suas forças e sofistica suas relações. Só somos o que somos porque existe a cultura”.
Além de fazer arte, Moska também consome (e muito!) . Na sétima arte, ficou com pulga atrás da orelha ao assistir “Que horas ela volta?”, dirigido por Anna Muylaert (“a empregada doméstica ainda é uma forma disfarçada da escravidão colonial brasileira”), enquanto na literatura embarcou em “Dos Primatas Aos Astronautas”, do físico Leonard Mlodinow (“a física quântica está explicando muitas coisas atribuídas à Deus. A religião deveria evoluir também, e não olhar pra trás”). Na música, coloca os fones de ouvido quando toca “A praia”, novo disco de Cícero, e “Estado de Poesia”, de Chico Cesar, que “está muito lindo”. Gosto de quem não define qualidade pelo estilo. “Já escutei jazz ruim e forró genial. (…) Não existe nenhum país no mundo com tanta diversidade musical. É claro que o mainstream sempre vai optar pela canção mais popular…mas a diferença é que hoje existem muitos mainstreans ou no mínimo outras alternativas”.
Para Moska, “nunca tivemos tanta diversificação na música brasileira quanto hoje”. E a prova está, por exemplo, nos anos 50, quando a turma que não cantasse Bossa Nova ficava à margem. “Nos anos 60, quem não fosse Jovem Guarda não tinha espaço, nos anos 70 quem não fosse MPB também ficava de fora. Nos anos 80, quem não fosse rock-pop não tinha espaço, nos anos 90 teve música eletrônica, axé, lambada, forró e sertanejo no mainstream”, lembrou. Mas a saída, bom citar, chegou. “A internet passou a oferecer um leque infinito de possibilidades. Se você estiver disposto a conhecer e buscar, não tem desculpa”. Ele, por exemplo, é um bom exemplo de quem está sempre fora do lugar comum. A prova é que acaba de filmar o piloto de uma nova série de TV chamada “Os Sentidos da Vida” para o Canal Brasil. “Serão 13 episódios que misturam ciência e arte, cada um com um tema abstrato do cotidiano como beleza, medo e sonho. Converso com cientistas e artistas sobre cada tema e no final componho uma canção com o que aprendi”, adiantou.
A estreia, só em 2016, mas para festejar, motivos já não faltam. Um bom? O álbum “Loucura Total”, que compôs inteiro ao lado do argentino Fito Paez. “Foi o primeiro álbum entre um brasileiro e um argentino na história da música pop dos dois países. Nos encontramos quatro vezes para criar as canções: três em Buenos Aires e uma em Trancoso, na Bahia. Depois de definido o repertório, já que tínhamos 19 canções e ficaram 12 no disco, chamamos o Liminha para produzir a gravação”, contou. A parceria, Moska garante, deu certo. “Só deu porque o Fito é um compulsivo dionisíaco e eu sou um passivo insistente. Yin e Yang. Sou o oposto dele como pessoa, mas como artista conseguimos nos complementar. Nenhum dos dois faria esse disco sem o outro. E o álbum não se chama ‘Loucura Total’ à toa”.
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