Pare de ler esse texto se você nunca escutou uma música ou ouviu alguma crítica ou elogio ao sertanejo universitário. Com a certeza de todos ainda por aqui, uma explicação: o termo, tão disseminado na música brasileira com hits e artistas mil, nada têm a ver com musicalidade. Quem põe fim à confusão é a dupla pioneira na vertente, João Bosco & Vinicius. “As pessoas associam o sertanejo universitário à música, sendo que se tivesse de haver uma associação seria com o público”, explicou Vinicius acompanhando por João Bosco: “Isso surgiu pelo fato de eu e Vinicius sermos universitários. Se isso não faz parte da historia dos outros, isso é com eles. Os primeiros shows que nós fizemos fora do nosso estado [eles são de Mato Grosso do Sul] eram realizados por comissões de formatura, pelas repúblicas. Essa galera da faculdade que foi nosso primeiro público fiel”. Portanto, mais a ver com história que com gênero, o sertanejo universitário é como diploma de faculdade: se não tem, não vale. “A gente não esta inventando e não tem vergonha nenhuma de ser desse sertanejo. Alguns falam: ‘Ah, música ruim é o tal sertanejo universitário’. Não. Música ruim é musica ruim”.
Enquanto João labutava para se tornar odontologista e Vinicius fisioterapeuta, os paulistas que iam para Campo Grande estudar começaram a disseminar o som da dupla que já arranhava uns agudos pelo Centro-Oeste. De lá para cá, se passaram 22 anos de carreira, sendo metade deles cantando em barzinhos numa época em que tinham um repertório baseado nos pesos pesados do gênero como Leonardo e Chitãozinho & Xoróró. Os tempos foram tão áureos que motivaram a gravação de um álbum, o “Estrada de Chão”. “A nossa influência musical veio dos grandes cantores mais tradicionais e esse é um dos motivos que a gente quis resgatar esses clássicos”, justificou João, que foi além. “Hoje o gênero está vivendo seu melhor momento. Das 100 músicas mais tocadas nas rádios, 58 foram sertanejas. 2014 foi o ano, em termos de número de artistas e de execuções em rádio, que o gênero teve sua maior visibilidade. Então, de a gente chegou até aqui, a gente tem que considerar que também foi graças aos grandes ícones da música sertaneja como Sérgio Reis e Zezé di Camargo & Luciano”.
E já que o assunto era mercado sertanejo, não dá para esquecer a famosa declaração de Jorge, da dupla com Matheus: “nosso meio é podre e eu tenho nojo”. Se João Bosco & Vinicius dão eco? “Tem gente que trabalha visando seu próprio benefício, enquanto tem gente que trabalha visando o vizinho. Isso é muito normal. Foi um desabafo. Eu não sei o que ele estava pensando, o que o motivou a falar isso. Eu acho que o cenário que eu vivo, de todos os gêneros, é o mais unido. Todo mundo sempre procurou se ajudar. O fato de agora ter muitos artistas ocupando o mesmo espaço, pode acontecer de ter um atrito. Mas isso é disputa de mercado, acontece em qualquer lugar”, opinou João Bosco. E sobre os rostinhos bonitos de barriga tanquinho que roubaram a cena? Um torso de fora vale mais que um modão? “É claro que o conjunto da obra pode ser importante. Se você perguntar para o mercado e para as meninas bem assim: ‘você quer um cara bonito ou um feio”? Nem precisa falar a resposta. Mas gosto não se discute e beleza também não. O que se discute é talento, é qualidade vocal do artista e o repertório. Se for bonito e malhado, é melhor. Mas tem que ter talento”, disse João, acompanhando pelo gracejo de Vinicius: “se fosse assim nossos amigos César Menotti & Fabiano não estariam fazendo sucesso”.
Com vídeos no YouTube que passam das casas dos milhões e álbuns completos disponibilizados em serviços de streaming, a dupla diverge um pouco de opiniões quando a questão passa a ser a polêmica em torno do dinheiro de direitos autorais repassados pelas empresas aos artistas. Movimentos como o Procure Saber, por exemplo, já aumentaram a voz para alertar que a conta não fecha. João Bosco, com bons argumentos, se mostra um pouco desacreditado. “Honestamente? Desde o começo da nossa carreira musical até agora não mudou nada. A gente continua recebendo sempre um valor compatível ao que a gente sempre recebeu. Não teve nenhuma mudança. O que dá dinheiro para o artista é show”, disse. Mas Vinicius reclama. “Quando a gente vai gravar um DVD, a gente paga imposto em cima do cachê do musico, do LED que é alugado, do som. E na hora de voltar não volta bulhufas nenhuma. Sou a favor que as pessoas combatam essas mídias de graça. Já que a galera prefere baixar a música do artista, isso tem que ser melhor fiscalizado. Imagina se, por exemplo, a gente ganhasse dinheiro com show e investisse só em show? A gente ganha dinheiro no show, mas investe em radio, TV, gravação de DVD e CD e mídias sociais. Então não é justo”, opinou.
João Bosco ainda alertou que o assunto é mais amplo do que imaginamos. “Quando a gente fala de arrecadação, não falamos só de serviço. A fiscalização, como tudo no nosso país, é muito falha. Na música, desde que a gente ingressou, sempre foi assim e ate agora não houve mudança. Tinha que ter uma lei mais rígida que beneficiasse o artista, a cultura. Mas olha, não vai mudar nossa vida”, disse. Como o assunto estava quente e HT está sempre de olho em tudo que acontece, aproveitamos para voltar um pouco no tempo e resgatar o episódio polêmico entre os sertanejos e o jornalista de música Zeca Camargo. Lembramos: quando Cristiano Araújo morreu vítima de um acidente de carro, Zeca escreveu uma crônica questionando o clamor nacional em torno da morte. Bastou para alguns sertanejos se revoltarem. “O Zeca pecou quando ele começou a fazer comparação expressando um gosto pessoal. A gente ficou um pouco chateado pelo fato de que a gente vive a vida que o Cristiano vive. O único pecado que vejo nisso tudo é que não foi pensando nos familiares dele e da namorada. Ele não pensou em quem estava sofrendo com aquilo tudo”, falou Vinicius. Para João Bosco, Zeca “expressou uma vontade, um desejo”. “A gente sabe que ele é do rock. Não sei baseado em que ele falou aquilo”.
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