*Por João Ker, de Guarapari – ES
O verão, seus corpos esculturais e suas praias apinhadas têm um lugar especial no Espírito Santo, mais especificamente no balneário de Guarapari, onde turistas lotam as areias e rodovias todos os anos em busca de diversão. À noite, toda essa energia concentrada e acumulada encontra um local já tradicional para ser extravasada: o Multiplace Mais, complexo de entretenimento que fica no distrito de Meaípe, palco para um dos maiores Festivais de Verão do país. Sempre com uma agenda de shows variados que contempla artistas de Lulu Santos e O Rappa a Thiaguinho e Luan Santana, neste sábado (03/01) foi a vez de Claudia Leitte, uma das rainhas do axé, lotar o espaço com seus fãs e admiradores que ainda puderam fechar a noite com um show de MC Marcinho, ensinando a falar de amor com seus mais de 20 anos de funk melody.
O leitor já deve imaginar que Claudia está no ápice de sua carreira, em um momento no qual a maioria dos artistas brasileiros só pode sonhar em chegar um dia. No ano passado, ela voltou a invadir as televisões de todo o país com mais uma temporada do The Voice. Foi a primeira brasileira a se apresentar na premiação da Billboard, lado a lado com Jennifer Lopez e Pitbull, cantando o tema oficial da Copa do Mundo FIFA, “We Are One (Ola Ola)”. Semanas depois, estava se apresentando com a mesma canção na cerimônia de abertura do torneio, para um Maracanã lotado que foi visto por grande parte do mundo inteiro. Apesar do problema técnico, ela segurou o rebolado e mostrou jogo de cintura, não perdendo em nada para outra popstar que estava ao seu lado e que tem lá seus 20 anos de carreira. No mês passado, a cantora ainda conseguiu tempo para lançar mais um disco em sua carreira: “Sette”, uma analogia ao seu número da sorte e à sua turnê preferida que precisou ser interrompida graças a uma gravidez. Entre músicas inéditas, regravações de outros artistas (“Te Ensinei Certin”, Ludmilla) e outras faixas que já haviam sido apresentadas ao público no DVD de sua última turnê, é fácil dizer que Claudia Leitte está mais uma vez proporcionando uma trilha sonora para festas e para o verão de muita gente, que desde o tempo do Babado Novo vem ganhando hit atrás de hit.
Claudia Leitte se apresenta no Billboard Music Awards com Pitbull e Jennifer Lopez
Responsável por abrir a noite deste sábado no Multiplace Mais (no qual a própria já se apresentou algumas vezes e se diz sempre animada em retornar), Claudia sentou com HT para um bate-papo exclusivo e comentou sobre o novo rumo de sua carreira, a nova gravadora da qual faz parte, Roc Naton (comandada por Jay-Z e responsável por nomes como Rita Ora e Rihanna) e, claro, contou um pouco sobre o que se passou na sua cabeça enquanto o mundo inteiro a ouvia, via e grande parte a conhecia ali, cantando “Ola Ola” no Maraca. No camarim, ela vestia um tule colorido e estampado com tons quentes, maquiagem combinando e exalava uma doçura que vai além das palavras e chega até seu perfume, que traz consigo algumas notas de laranja como se fosse uma bala ou um chiclete. Ela sentou com as pernas cruzadas sobre um sofá de couro e, enquanto ouvia as perguntas. Batia os cílios longos de forma amigável, mirando os grandes olhos negros na direção do repórter, isso tudo enquanto seu marido, Márcio Pedreira, observava do outro lado da sala com o olhar atento. Ela desejou um Feliz Ano Novo logo que entrou e se preparou para a entrevista.
“Não foi uma responsabilidade enorme, porque eu tive uma oportunidade de diluir isso ao longo dos compromissos agendados antes da Copa do Mundo”, comentou a cantora sobre a cerimônia de abertura. Nós gravamos um clipe juntos, nos apresentamos no palco do Billboard Music Awards e isso me ajudou um pouco a aliviar a tensão. Como nós fizemos um ensaio geral dois dias antes, exatamente como nós faríamos no dia – menos o público em volta e o figurino -, deu para nós nos sentirmos mais tranquilos. Estávamos todos um pouco nervosos com a situação. É muita emoção estar ali representando um monte de gente que está com o coração na mão, torcendo naquele palco. Foi emocionante mesmo, mas a minha voz ficou trêmula. Até hoje eu escuto o começo de ‘Aquarela do Brasil’ (aqui ela começa a cantar os primeiros versos de uma das músicas mais tradicionais e consagradas do repertório nacional, sem desafinar). E continou: “Eu conheço a minha voz e sei o tanto que eu posso dar. Não tenho muito controle quando a emoção toma conta. O que me ajudou foram os ensaios. Mas, sim, foi nervosismo puro”.
Abertura da Copa do Mundo FIFA
Claudia vem passando por uma internacionalização de sua carreira já há alguns anos, algo que tem sido acompanhado pela mídia à medida que ela firma parcerias com nomes como Ricky Martin, Pitbull, Jennifer Lopez e até Big Sean. Mas ela não vê isso como algo de se afastar de suas origens – nem o deveria -, acreditando que é apenas o próximo passo em uma carreira que já deslanchou e viu tantas mudanças ao longo dos anos, desde que começou como uma dançarina de palco. “O engraçado é que desde o início do Babado Novo eu gravava músicas em outros idiomas. Já cantei em espanhol e em inglês e acho que fui influenciada por isso em função da minha criação e da minha geração, que já veio muito globalizada nessa era da internet. Eu acabei ouvindo muita música gringa e isso de alguma forma influencia, sim, o meu trabalho. Já no primeiro disco do Babado Novo, eu gravei músicas em inglês. Nunca foi um bicho de sete cabeças cantar em outra língua. Eu não vejo como uma internacionalização do meu trabalho. Mais exposição dele”.
“Samba” – Claudia Leitte feat. Ricky Martin
Sem sombra de dúvidas, essa exposição da carreira a que Claudia Leitte se refere deve sofrer uma ampliada astronômica com seu recente contrato assinado com a Roc Nation. “São eles que gerenciam a minha carreira e a produzem agora. Isso vai se tornar mais evidente agora, em 2015. No final do ano passado, eu lancei uma música no The Voice, “Matimba”, que foi dirigida por um cara que é sensacional. Já dirigiu Beyoncé, Madonna, Rihanna, Shakira…”. Durante a Copa do Mundo, o contrato com a Roc Nation já estava mais do que divulgado pela mídia e uma foto no Instagram levantou a curiosidade do público: Claudia Leitte com Rihanna, a queridinha da gravadora, ambas completamente à vontade em uma churrascaria carioca. Será que existe uma colaboração a caminho? “Não sei. Quando a gente se encontra há uma expectativa que vem dos fãs, das pessoas que nos vêem juntas. Temos contato. Então, quando rolar alguma coisa de a gente sentir, sim. Com o maior prazer do mundo!”. Será que o mundo estaria pronto para uma colaboração entre as duas? Já é possível até imaginar Rihanna e Claudia Leitte cantando juntas um reggae poderoso que seria fiel tanto à identidade de ambas, quanto ao tipo de público que elas contemplam. Até lá, HT aguarda ansiosamente essa produção.
No palco do Festival de Verão, Claudia Leitte apareceu poderosa, usando um mini-shortinho preto combinado com um top estampado, deixando a barriga tonificada à mostra e apresentando um físico espantoso para uma mãe de dois filhos. As pernas bem torneadas se equilibravam sobre um par de salto dourados, que em nada a impediu de pular, dançar e rebolar por quase duas horas de espetáculo, nos quais ela apresentou sucessos desde a época do Babado Novo (“Eu saí do Babado, mas o Babado não saiu de mim!”) e fez graça com a plateia, sabendo muito bem como trabalhar o carisma e ganhar mais uma parcela de afeto do público: “Eu não posso vir ao Espírito Santo sem comer minha moqueca capixaba!”, disse, fazendo referência ao prato mais tradicional (e delicioso, diga-se de passagem) do estado. Espera-se que seu novo single (e provável sucesso nas rádios) seja a música “Cartório”, a qual ela cantou duas vezes e usou para encerrar o show, ensinando ao Multiplace Mais a coreografia. Com um quê romântico de sertanejo, mas uma batida que não nega a sua raiz no axé, o refrão diz: “Meu coração é seu, tome! / Ele é todo seu, tome! / Vamos lá no cartório passar ele pro seu nome”. De acordo com a Cláudia, Guarapari pode se orgulhar de ter sido o berço do passo ensinado, que, provavelmente, será repetido à exaustão de agora em diante durante os shows da nega-loura.
Mas a noite estava longe de acabar. O público ainda precisou recolher as migalhas de energia que sobraram após a apresentação de Claudia Leitte, porque, em seguida, chegou MC Marcinho, cantando tanto os seus sucessos quanto o de outros funkeiros, indo de “Glamurosa” a “Dom Dom Dom” (MC Pedrinho) e “Fala mal de mim” (Ludmilla, ex-MC Beyoncé). Antes da apresentação, ele conversou exclusivamente com HT, contou que para o Réveillon (no qual se apresentou no Royal Tulip como você viu aqui) só agradeceu a Deus pela família e mais um ano de trabalho, além de comentar o atual estado do gênero musical. “O funk se renova com o tempo, vão aparecendo novos jeitos de cantar e eu acho que tudo é válido. Cada um tem seu estilo”, declarou sobre o fenômeno do funk ostentação. Já sobre o fato de artistas que começam cantando como MC’s e mais tarde migram para o lado pop da indústria, abandonando suas origens, Marcinho já se mostrou mais cauteloso na hora de escolher as palavras: “Cara, eu estava conversado com o [MC] Leozinho hoje sobre isso. Falando por mim, eu não tiraria o MC do nome. Eu já tenho mais de 20 anos de carreira e já passei tanto tempo tentando conseguir respeito para o funk, que não conseguiria abandonar isso depois. Acho que o artista precisa se impor e pensar: “eles têm de comprar a minha ideia”. Porque, caso contrário, acaba ficando tudo muito igual e repetitivo. Não adianta assinar com uma gravadora grande e achar que ela vai te promover, porque não é assim. Eu prefiro ficar com a Furacão 2000, porque eu sei que ela vai me dar a devida atenção”, disse o artista que consegue lotar shows com duas décadas de um repertório calcado no funk.
MC Marcinho – “Glamurosa”
Contrariando completamente o clima que sempre reinou no Multiplace Mais, um lugar que apresenta diversas opções de restaurantes, boates e um espaço amplo para a casa de shows, o público teve que lidar com um tiroteio durante o show de MC Marcinho. Foram alguns momentos de pânico, nos quais a casa soube agir com eficiência e agilidade. Um policial que, graças a uma absurda lei federal tem o poder de entrar em casas noturnas e se embriagar portando armas de fogo (mesmo fora do serviço), disparou quatro tiros contra o chão e os estilhaços feriram duas pessoas. Em comunicado oficial, a Mais se pronunciou sobre o caso: “A permissão ou liberação de entrada de policial armado em qualquer estabelecimento é amparada por lei, não podendo a casa reter a arma do mesmo. A lei garante aos policiais a prerrogativa de portarem arma de fogo 24 horas por dia, e os estabelecimentos comerciais não podem fazer nada para impedí-los de entrarem armados em suas dependências. […] O Multiplace Mais está ciente dos transtornos causados pela imprudência e irresponsabilidade do policial, a quem cabe proteger a sociedade e não colocá-la em risco, lamentando extremamente o ocorrido. […] A família Multiplace Mais está extremamente entristecida com o fato, acontecido após uma noite que estava sendo maravilhosa”.
Mais cedo, HT conversou com Bruno Lawall, empresário brasiliense dono do complexo de entretenimento, que abriu a casa há 15 anos graças à sua relação afetiva com a cidade, algo que mantém desde criança quando vinha passar as férias por aqui. É indiscutível a importância tanto econômica quanto turística da casa para a cidade e seus arredores, sempre fornecendo uma opção de lazer que foge às outras alternativas do entorno e que sempre prestou serviços de qualidade ao público. Ele conta que a restrição de público para a Mais tem sido mais dura do que para outros eventos temporários, citando exemplos claros desse tratamento diferenciado. “Foi estabelecido que não podemos receber menores de 18 anos para shows de funk ou música eletrônica. Entretanto, o show da Ivete Sangalo com a Ludmilla [que aconteceu no mesmo dia, horas antes], o David Guetta na Pedreira [neste domingo, 04/01] e o Baile da Favorita [sexta, 02/01] tiveram limite para 16 anos”. É fácil ver como Bruno se envolve e faz questão de acompanhar todos os detalhes dos procedimentos na casa. Ao lado de sua família, com mãe e esposa aproveitando a noite com ele no camarote, o empresário ficou sempre atento ao movimento dos convidados e clientes, confessando que só trabalha naquilo porque gosta. Após o ocorrido com o policial, era possível ver o empresário aflito, se dirigindo à porta de entrada enquanto o público esvaziava a casa.
Ainda não se sabe quais serão as consequências do tiroteio e da questão judicial para o Multiplace Mais. O que se sabe e deve-se frisar é que, caso o estabelecimento enfrente problemas judiciais com o policial civil, os mais prejudicados serão os próprios moradores e turistas de Guarapari, que perderão uma opção de lazer inestimável para a região. Isso, combinado às loucuras características do próprio município, o qual não apresenta qualquer tipo de regulamentação para taxistas que cobram o preço que lhes é conveniente para as corridas (imagine você, leitor carioca, pagar R$50, sem taxímetro, para percorrer uma distância como Botafogo-Ipanema), além da questão do atual prefeito, Orly Gomes (DEM), que diz preferir um turista “qualificado“; o que significa alguém que gaste R$200 por dia na cidade. Talvez a fama de destino turístico da cidade esteja prestes a sofrer um baque com esses fatores, talvez não. E, como ficou provado durante a noite, que estava repleta de energia positiva até o ocorrido, verão sem Mais não é verão em Guarapari.
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