“Alma de artista, um gênio sonhador e romântico”. Guilherme Arantes pode muito bem ser descrito pelo próprio verso da canção “Lindo balão azul”: um artista com 40 anos de carreira agraciando o repertório da música nacional, com composições que foram gravadas pelas maiores vozes do nosso país. E, quanto ao sonhador e romântico, ele parece manter essas duas facetas com veemência, como você pode ler na entrevista exclusiva que HT fez com o mestre.
A trajetória de Guilherme anda lado a lado com momentos históricos da cultura popular brasileira, desde que nasceu junto com o movimento do rock progressista nos anos 1970. Suas músicas em trilhas de novelas fizeram tanto sucesso quanto as composições que cedeu para artistas como Elis Regina, Maria Bethânia, Roberto Carlos, Fafá de Belém, Caetano Veloso e muitos outros, isso sem contar em hinos como “Planeta Água”, “Êxtase” e por aí vai.
O artista sobe ao palco do Vivo Rio no sábado (30/05) para apresentar um show com repertório que percorre essas quatro décadas de sucesso. Abaixo, você lê um bate-papo com o cantor e compositor, no qual ele fala sobre o romantismo dos dias de hoje, a evolução (ou não) do rock, a polaridade do Brasil atual e qual o momento que foi decisivo em sua carreira. Ao final, HT ensina como você, fã do artista, pode ganhar um par de ingressos para assistir ao espetáculo e, de quebra, conhecer o ídolo no camarim. Vem com a gente:
HT: Guilherme, são 40 anos de carreira. Você consegue olhar para essa trajetória e ver um ponto que foi decisivo para o seu sucesso, um marco especial?
GA: O grande marco foi a Elis Regina ter gravado uma música minha. Em 1980, eu fiz um grande sucesso na voz dela, com “Aprendendo a Jogar”. O fato de eu trazer o diferencial para a minha carreira com uma cantora como a Elis interpretando uma canção minha foi estupendo. A partir dali, outras portas se abriram. Houve o estourou com “Planeta Água”, por exemplo, outro marco como intérprete, com um conteúdo duradouro, que serviu para eu me tornar conhecido em grau nacional. Foi esse o período mais marcante, mas a Elis Regina foi o principal.
Elis Regina canta “Aprendendo a jogar” no Fantástico, em 1980
HT: Você acabou de falar sobre “Planeta Água” ter um conteúdo duradouro. É impossível não comentar: você poderia imaginar, quando compôs a música, que o Brasil passaria por uma crise hídrica como a que houve este ano?
GA: Na época, eu não fiz pensando na escassez, mas muito mais na abundância. Então, isso é engraçado, porque a música era uma ode ao elemento água, que é a chave de todo o planeta. E, agora, ela ganha esse conteúdo mais crítico, mas é uma grande coincidência.
HT: Um traço forte das suas composições é o romantismo. Você acha que o ser humano ainda consegue ser romântico em tempos onde as relações interpessoais têm se voltado tanto para o virtual e menos para a troca do corpo a corpo?
GA: Acho que sim. Na essência, o ser humano continua o mesmo. Os fundamentos do lado emocional das pessoas permanecem com as mesmas qualidades e defeitos. Para mim, não muda nada. Inclusive, as pessoas estão mais carentes emocionalmente. As redes não aliviam a essência do sentimental das pessoas, são linguagens. É um mundo muito louco, mas o ser humano continua com o mesmo.
HT: Como você avalia que a nova distribuição gratuita de músicas online impactou a indústria da música? Acha algo positivo ou negativo?
GA: Acho muito positivo. É uma emoção muito grande para uma pessoa que tem um acervo tão considerável poder reunir o seu repertório e disponibilizá-lo para que as pessoas possam contemplar o tamanho da sua produção ao longo dos anos. Nós vivemos o melhor de dois mundos. Aquele do vinil e das grandes gravadoras, onde fui um super sortudo e muito feliz nessa estrutura, especialmente com as novelas, os estivais e os especiais infantis. Pegamos uma era muito boa dos programas de auditório, como o do Chacrinha. E, hoje, poder se debruçar através de uma rede e publicar suas músicas para um público através das novas mídias, poder gravar do seu jeito, ter os computadores etc., é um grande privilégio. Mas acho que a nova geração também sente falta dessa estrutura antiga.
HT: Recentemente, você disse que o rock tinha perdido o seu poder contestador. O que te levou a dar tal declaração?
GA: O grande fato de o rock não ter mais o seu poder cortante é que ele era eminentemente masculino, e a grande força transformadora do mundo desde os anos 1980 é a visão da mulher e do mundo dela. Como o rock ficou muito masculino, ele ficou anacrônico. Hoje, eu vejo que o mais cortante é a visão feminina.
Guilherme Arantes – “Meu mundo e nada mais”
HT: Mas no Brasil, por exemplo, nós temos grandes mulheres representando o rock, desde Rita Lee à Pitty Leone…
GA: Aí você vê como a visão da mulher é importante. Mesmo nos anos 1960 era fascinante a presença feminina no rock, com The Mamas & The Papas, The Pretenders etc. Mas a predominância é masculina, até mesmo quando vem de uma visão LGBT como a dos The Smiths, por exemplo, que também têm uma estética roqueira. Mesmo para o Brasil, o que fica mais cortante no rock é o Cazuza e o Renato Russo. São os que mais duraram! Ou seja: a visão é diferente, e foge da testosterona óbvia do rock. Você também percebe isso em relação à Cássia Eller. Acho uma grande transformação.
HT: Você se apresentou no The Voice Brasil há pouco tempo. O que acha desse formato de programa e seu papel na música? Acha que realmente ajuda os artistas ou é algo passageiro?
GA: Ajuda artistas como a Robertá Sá e o Thiaguinho, por exemplo, que permaneceram. Acho válido e legal, mas não é o ideal pra construir uma carreira.
HT: A Gal Costa finalmente gravou uma música composta por você, “Vou buscar você pra mim”, para seu último álbum, “Gal Estratosférica”. Como foi essa parceria?
GA: A música vai sair na versão digital do álbum, junta com uma do Arnaldo Antunes, como um bônus. Foi um grande sonho! Tenho uma admiração incrível pela Gal, ela está maravilhosa, o álbum está ótimo. Ela se reposicionou muito bem e está certísssima. A parceria é coisa do Kassin e do Marcus Preto, dois dos produtores que fizeram essa ponte e que foi uma grande alegria para mim. Estou vivendo um momento de muita alegria e de esperança que eu possa contribuir na carreira dela como fiz com a de outras como Vanessa da Mata, Maria Bethânia e Elis Regina. Eu acho que sou pé quente.
Guilherme Arantes – “Brincar de Viver”
HT: A essa altura, existe alguma cantora para quem você gostaria de compor?
GA: Marisa Monte, quem sabe um dia? Mas existe muita gente bacana ainda. A Tulipa [Ruiz], a Céu, que acompanho a carreira e tem voz belíssima. O Brasil, em matéria de cantora, é um país bem servido.
HT: Há pouco tempo você recebeu muitas críticas por ter se apresentado no “Esquenta”...
GA: Foi uma honra, a Regina Casé é um gênio, muito verdadeira, genuína e de verdade. Sempre foi assim! O programa é absolutamente necessário. Foi uma emoção incrível para mim, poder cantar com o Péricles, com o Xande de Pilllares, o Arlindo Cruz e o Aviões do Forró.
HT: …por que você acha que há essa mania de o brasileiro rejeitar o que é popular dentro do próprio país?
GA: É uma reação a essa situação de depauperação da classe média, o que foi um resultado de certa forma proposital. Politicamente, foi ruim porque gerou um país polarizado. Nós fomos redescobrir aquela coligação de classes, mas estamos em uma era muito polarizada e as pessoas estão muito reativas. A Regina é uma pessoa culta, faz um bom trabalho de reaproximação, com um texto também culto e vendendo o produto popular. As pessoas têm que ser mais tolerantes, não podem ser tão reativas. Precisamos redescobrir o prazer, mas para isso é preciso corrigir e punir os erros. O grande problema é a impunidade.
Quer ver o show de Guilherme Arantes no Vivo Rio e conhecer o artista no camarim? Mande um e-mail para colunaheloisatolipan@gmail.com com o assunto “Quero conhecer Guilherme Arantes” e conte como as músicas do cantor marcaram a sua vida. O resultado será divulgado na nossa página do facebook.
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