Exclusivo! Exaltando a cultura afro brasileira e o movimento LGBT, Bruno Capinan lança o terceiro disco “Divina Graça”: “É um protesto de amor”


O disco que será lançado dia 11, pela Joia Moderna, traz o cantor de volta para suas raízes baianas: “É o disco mais gay da MPB (risos). Quis falar do amor de uma maneira totalmente plena e nada discreta, misturando a isso minha aversão ao conservadorismo”

“Eu vim da Bahia, mas algum dia eu volto pra lá”. Parafraseando o trecho de uma famosa música composta por Gilberto Gil, na efervescência tropicalista dos anos 70, chegamos bem perto de explicar aquilo que pode definir o atual momento do cantor baiano (mas do mundo) Bruno Capinan, em seu terceiro disco de inéditas batizado de “Divina Graça”, que chega ao mercado no dia 11 de outubro via gravadora Joia Moderna. Cheio de nuances que flertam diretamente com o samba e a cena contemporânea na nova safra da MPB, o álbum ganha corpo como uma forma de protesto. Mas calma! O trabalho de Bruno está longe de falar sobre coisas do Planalto Central. Imerso nas questões sociais, o artista baiano, radicado há 15 anos em Toronto, no Canadá, surpreende não só pela qualidade musical, mas também pela temática abordada nas letras. De acordo com o cantor, o disco reafirma sua constante ligação com suas raízes nordestinas, o candomblé, a negritude e o universo LGBT.

Bruno Capinan (Foto: Daryan Dornelles)

Bruno Capinan (Foto: Daryan Dornelles)

“É o disco mais gay da MPB (risos). Quis falar do amor de uma maneira totalmente plena e nada discreta, misturando a isso minha aversão ao atual momento político e ao conservadorismo no Brasil. A temática surgiu muito naturalmente, já que esse é o universo mais honesto que eu poderia externar. Eu busquei umas construções para os meus amores. Não tinha como ser diferente. É um trabalho de protesto, mas com muito amor. Quase uma filosofia budista de não deixar que a negatividade abale a minha plataforma. Eu quero que o jovem negro e homossexual também tenha suas referências” disse ele, em entrevista exclusiva ao HT.

Morando há 15 anos no Canadá e ouvindo um pouco de tudo quando se trata de música, Bruno sentiu uma necessidade maior de olhar um mais para dentro de si. Depois de ter ido de encontro ao samba no antecessor “Tudo Está Dito”, ele agora mergulha de cabeça na cultura baiana. “Tive muito contato com a Bahia e com Caetano Veloso nesses últimos meses, e nessa troca eu visualizei uma coisa que se aproximasse mais da minha terra. Diria que é um resgate das minhas raízes”, explicou ele, que contou com a produção de Domenico Lancellotti. “Ele tem uma fluidez incrível e não tem limitações. Domenico participou do meu segundo disco e de lá para cá viramos amigos. Essa identificação fez todo o sentido para gente produzir. Criar um álbum exige muito amor e dedicação e trabalhar e conviver com pessoas que a gente ama não tem preço”, disse.

O artista faz referências ao universo afro (Foto: Divulgação)

O artista faz referências ao universo afro (Foto: Daryan Dornelles)

Mas as coisas nem sempre foram tão fáceis assim para Bruno Capinan. Desde de sua infância que o cantor de 31 anos vem sentindo na pele a dor e a delícia de ser o que é. Apesar de vivermos em um país com uma visão progressista, o conservadorismo tem se mostrado cada vez mais presente em diferentes proporções na sociedade. Até seu timbre de voz mais agudo já foi motivo de repressão. “Quando eu era garoto, a diretora chamou minha mãe na escola para dizer que minha voz era feminina e eu tinha que tomar hormônio”, recordou Capinan, que cresceu vendo os desfiles de blocos afro levado pela mãe e ouvindo LP’s das coleções de seus pais, de artistas como João Gilberto, Raimundo Sodré, Paulo Diniz, Gil, Ney Matogrosso, Caetano, Bethânia, Gal, antes de começar a comprar os próprios discos. “O primeiro vinil que comprei foi ‘A Fábrica do Poema, de Adriana Calcanhotto“, disse.

Intenso e muito decidido, foi a partir das primeiras experiências com a repressão que Bruno começou a vislumbrar a ideia de morar fora do país. Para ele, é inadmissível que pessoas ainda sejam mortas por conta de crimes de ódio. “Decidi morar sozinho no Canadá por não poder ser quem eu realmente era. Para mim, é 8 ou 80. Ou eu exerço minha liberdade ou não. Claro que não foi tão fácil, viver longe de família e longe de tudo é difícil. Mas foi o preço da felicidade. Eu amanhecia com notícias de que homossexuais eram mortos o tempo inteiro. Eu não tinha maturidade pra entender isso. Me afetava emocionalmente e psicologicamente. Eu nunca vou conseguir aceitar esse tipo de situação”, comentou ele, que ainda reafirmou a importância de as artes também tocarem em pontos tão ignorados pela massa.

Capa do disco "Divina Graça" que a gente mostra em primeira mão (Foto: Divulgação)

Capa do disco “Divina Graça” que a gente mostra em primeira mão (Foto: Daryan Dornelles)

“O mundo lá fora está vendo um Brasil misógino, homofóbico e racista. A casa grande pira quando vê um LGBT na mídia e ganhando destaque. O movimento feminista está com força total e vai ajudar no empoderamento do gay e do movimento negro no Brasil. O nosso país não pode continuar sendo o que não é. Ele quer passar a imagem de liberal, mas no fundo é bastante conservador. Talvez sejamos um dos países mais ricos em diversidade. A nossa riqueza está no nosso povo. E o nosso povo é isso: negro, índio, branco, gay, hétero, evangélico, católico e espírita. Não temos como negar. As pessoas estão perdendo o senso de coletividade. Hoje a gente não vive em um país laico, porque as pessoas surtaram e querem que apenas suas ideologias sejam respeitadas”, contatou ele.

Mesmo com toda repressão assistida, grandes artistas têm usado seus dons para representar uma camada da sociedade ainda marginalizada. Assim como Bruno, cantores como Rico DalasamThiago PethitJohnny Hooker, Liniker, o ator Silvero Pereira e o coletivo Não Recomendados têm levantado a bandeira da igualdade. “É uma tendência a partir do momento que se torna aceitável. Eu sempre achei necessário e continuo achando. Eu faço parte disso e acho importante que a gente fale nisso. Esse movimentos chegaram para ficar e essa voz tem que ser ouvida porque é a voz da nação brasileira. A nação brasileira LGBT é enorme. E além disso, são pessoa super talentosas. A resistência faz de você uma pessoa ainda mais forte. Hoje minha vida tem muito mais sentido, talvez por poder influenciar os pretos LGBT’s verem em mim um aliado”, comemorou.

Agora, voltando a falar sobre o disco de Bruno, o primeiro single “Vicente” já tem dado o que falar. Recém lançado no YouTube, a música, que tem clipe dirigido por Daryan Dornelles, fala sobre um rápido encontro que o artista teve com um homem de mesmo nome da faixa. Já o clipe, faz referências ao mundo afro. Vale conferir! “O vídeo é reproduzido mais para o Candomblé a fé e com referências aos deuses iorubás. É parte da história do lugar em que nasci, em uma história que remonta ao tempo da escravidão. O mais importante para mim com o vídeo e com o álbum é exaltar os negros e as pessoas LGBT de cor”, adiantou.

Em tempo: no dia 18 de outubro Bruno se apresenta no Rio, no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, para lançar no Rio o disco “Divina Graça”. A gente, claro, vai estar lá!