*Por João Ker
Dois grandes representantes do rock, nacional e internacional, se uniram na noite desta segunda-feira (17/11) para uma apresentação memorável no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon: Andy Summers, ex-guitarrista e compositor do The Police e Rodrigo Santos, baixista do Barão Vermelho que já trabalhou com Léo Jaime, Lobão e outros grandes nomes da cena brasileira que dispensam apresentação. Fazendo a ponte Brasil-Inglaterra, o show batizado “The Police x Barão Vermelho” lotou o espaço com solos de guitarra capazes de conquistar até Paula Toller.
É Rodrigo quem começa a agitar os ânimos da noite, tocando clássicos do Barão Vermelho como “Exagerado” e “Bete Balanço”. No meio do set, ele convida Andy Summers para subir ao palco, o que leva ao delírio a plateia – em uma mistura de idades e gêneros mais saidinha que o habitual. Juntos, eles alternam números entre clássicos do Police e standards do rock internacional. “Every Breath You Take” dá a largada para um espetáculo que ainda traz “Message In A Bottle”, “Walking On The Moon”, “Wrapped Around Your Finger” e, claro, “Roxanne”. Se os vocais de Rodrigo Santos aparecem um pouco esvaecidos, o público perdoa e vibra quando o show termina com um bis de “Everything She Does Is Magic”, que ainda contou com a participação de Frejat, Kadu Meneses (bateria) e Fernando Magalhães (guitarrista do Barão Vermelho) .
Essa não é a primeira vez que Andy Summers colabora com um artista nacional. O guitarrista britânico já se apresentou com Gilberto Gil, fez uma turnê com Roberto Menescal e gravou um disco com Fernanda Takai antes de cair nas graças do Barão Vermelho. Poucos minutos antes de ele e Rodrigo subirem ao palco, HT se sentou com os dois para uma entrevista sincera, daquelas que não inclui nenhum tipo de assessoria controlando as falas. Andy comenta sobre o atual cenário do rock, sua recém-descoberta paixão pela música eletrônica, como a Bossa Nova serviu de influência para um dos maiores hits do Police e muito mais. Aqui, você lê os melhores momentos desse bate-papo e, abaixo, ouve na íntegra os mais de 20 minutos dessa conversa.
HT: Andy, você já toca há cerca de 35 anos mundo afora. O que te inspira e motiva a continuar nessa carreira?
AS: Eu não sei como fazer mais nada. Eu amo música, gosto de subir no palco, amo tocar e ainda me divirto fazendo isso. Talvez eu seja estúpido. Mas ao mesmo tempo eu consigo muito dinheiro.
HT: Isso faz valer a pena, então.
AS: Muito.
HT: Alguns artistas encaram a música como negócio, não uma forma de expressão. Esse não parece ser o seu caso.
AS: Não, não, não. Então eles não deveriam ser músicos. Se você acha que é um negócio, não deveria fazer. É clichê, mas é verdade. Qualquer forma de arte, se você for se envolver com ela, deve ser porque você ama. Tocar música é a verdadeira recompensa, dinheiro é um extra. Se você sente a necessidade e tem o dom de ser um músico, você é um cara sortudo.
HT: Rodrigo, você também já tem mais ou menos uns 30 anos de carreira. Você se relaciona com isso que o Andy disse?
RS: São 22 anos com o Barão Vermelho, cinco com o Lobão e dois com o Léo Jaime. Eu estou nessa desde 1981. Gosto de tocar, de ensaiar, de levar o som na hora, sair no 1, 2 3, 4 e de todo o improviso que acontece. “Vamos, muda essa parte, mexe naquilo etc.” Eu amo isso.
AS: Sabe, é interessante porque, de uma certa forma, nós amamos tocar rock. Eu venho com uma bagagem do Reino Unido, Inglaterra e Estados Unidos, agora que estou conhecendo o cenário do Brasil. E há uma diferença. Quanto mais você toca, mais você se vê confortável com isso. Eu me acostumei a tocar jazz por muitos anos, então tenho um fundo de tons mais baixos e improvisação. Não sei se isso é um costume por aqui, mas nós temos o hábito de fazer muitas “jams” [sessões improvisadas]. A maioria das músicas é criada assim. “Ah, lembra daquela vez que a gente estava tocando e saiu aquele som…”. É isso que torna tudo interessante quando dois artistas se juntam.
RS: O legal é aceitar os desafios e ir embora. A “jam session” é interessante porque é quando você sai do programado e começa a tocar junto. E é isso que importa, quando tudo pode acontecer.
HT: Aproveitando que estamos falando de referências, o que você acha da atual cena do rock, Andy? Eu estou perguntando isso porque assisti a uma premiação e uma banda ganhou, se eu não me engano, o prêmio de “Melhor Grupo de Rock”…
AS: Pff…
HT: …e, no discurso de aceitação, o vocalista declarou que “o rock ainda não morreu”. Depois ele jogou o microfone no chão e saiu andando. O que você acha disso?
AS: Qual era a banda?
HT: Alex Turner, do Arctic Monkeys. Aconteceu durante a entrega do BritAwards neste ano.
AS: Eles são bons, a banda é boa. É curioso você ter perguntado isso porque, de algumas formas distintas, o rock está morto. Eu odeio dizer isso, mas ah… É deprimente, mas ele realmente soa um pouco antigo agora, se comparado com essa leva de sons modernos. Há tanta coisa acontecendo. Claro que ele ainda é popular, mas não está no mesmo lugar que costumava estar em 1980 ou no final dos anos 1990. A última leva de ótimas bandas a desabrochar aconteceu provavelmente em Seattle, com o nascimento do Nirvana. Há algumas bandas ótimas por aí, mas elas não chegam à superfície. Claro, a maioria das minhas referências são dos Estados Unidos, como The Strokes, que apresentam um incrível arranjo de guitarras.
Alex Turner aceita o prêmio de “Melhor Disco de 2014” no BritAwards
RS: The Hives é incrível!
AS: The Hives!
RS: The Fratellis…
AS: Eles são terríveis! Horríveis, mesmo. Nós fizemos um show e eu não conseguia acreditar naquilo.
HT: Jack White é legal.
AS: Ele é legal, consegue escrever ótimas músicas, mas não consegue cantar muito. A maioria das coisas que eu escuto dele parecem como uma cópia do Led Zeppelin. Há grupos mais interessantes surgindo em Nova York, pelo Brooklyn, como The Grizzly Bears. Bandas mais underground. E, acredite, eu não escuto mais tanta coisa nova assim. As pessoas sempre me perguntam o que eu tenho ouvido, como se eu precisasse ouvir bandas de rock o tempo todo. Eu gosto de tocar, não de escutar. Alguns grupos chamam a sua atenção, como The Strokes, mas eles já existem há algum tempo. De uma maneira geral, eu não acho que o rock esteja em um bom lugar. É tudo uma m**da e tudo já foi feito antes.
HT: O rock costumava ser o grande movimento que transcendia roupas, som e comportamento. E, de repente, parece que ele foi substituído pelo hip hop. Você concorda com isso?
AS: Eu acho que é verdade. Começou nos anos 1980 e agora esse é o maior movimento musical de todos. Eu não posso dizer muita coisa porque esse não é o tipo de música para mim. Eu estou finalmente, talvez, começando a me envolver um pouco com a música eletrônica. É esse tipo de bateria que começa a me intrigar, e esse é o som mais novo que tem despertado a minha atenção.
HT: Giorgio Moroder, por sinal, anunciou que vai lançar seu primeiro álbum depois de 30 anos.
AS: Ah sim, porque ele teve aquela coisa com o…
HT: Daft Punk.
AS: Sim. Aquilo foi horroroso. Terrível.
HT: Mas ele está lançando seu próprio álbum.
AS: Sim, isso é louco. Ele conseguiu um pouco de atenção agora, mas na verdade foi ele quem começou tudo.
HT: Sim, com “I Feel Love”…
AS: Donna Summer, sim. Foi onde tudo começou. Mas há outras coisas interessantes nesse cenário, sabe. Depende do que você gosta. Eu gosto das coisas mais calmas, como a old disco.
Donna Summer – “I Feel Love”
HT: Rodrigo, e o que você acha disso? O Barão Vermelho também foi um dos grandes representantes do rock nacional quando começou.
RS: Nessa coisa que ele falou do underground, por exemplo, existe o Autoramas, uma banda da qual eu gosto bastante. Eu gosto de Móveis Coloniais de Acaju, acho um grande grupo também. Costumo me interessar por grupos variados e assuntos diferentes. O Canastro é uma boa banda. Eu gosto muito do Cachorro Grande, por exemplo, estive com eles na Festa da Música. Eles não são tão novos, mas há uma cena independente acontecendo agora. O Silva eu também gosto bastante. Existe muita coisa rolando, mas é preciso dar uma pesquisada geral.
HT: Pois é, a percepção geral parece ser a de que o rock voltou à sua origem como um movimento underground e se afastou um pouco do mainstream.
RS: Muito por causa da internet e porque parou de vender, né? O Brasil foi assaltado pelos sertanejos. E não pelo bom sertanejo.
AS: Não importa em que período estejamos, sempre haverá música boa e ruim. Por exemplo, você não pode dizer que toda música eletrônica é uma m**da, porque isso não é verdade. Alguns artistas são realmente inteligentes, brilhantes.
RS: Sim, The Prodigy também é bom.
AS: Arram. E Aphax Twin.
HT: Andy, essa não é a primeira vez que você colabora com um artista brasileiro. Você já trabalhou com Fernanda Takai recentemente. Como isso aconteceu e como você chegou a essa noite hoje?
AS: Bem, aquilo aconteceu porque eu estava trabalhando com Roberto Menescal. Nós fizemos um DVD e entramos em turnê. Enquanto gravávamos o material, ele disse “ah, existe essa garota que deveria cantar em ‘Insensatez’, do Tom Jobim. Então eu a conheci no meu estúdio na Barra da Tijuca. A luz era um pouco estranha e as paredes horrivelmente brancas – nós iríamos filmar lá. Não havia nenhuma atmosfera. E, do lado de fora, havia o lago, a noite, as árvores, a água e eu pensei: “Por que nós não vamos lá fora com as estrelas enquanto cantamos” e ficou bem melhor. Mais cinemático. Eles arranjara as luzes, com metade do espaço nas sombras. E ela cantou com bastante sensibilidade. Daí começou a chover, um cachorro começou a latir, mas foi pura mágica! Muito fantástico. Então eu pensei que poderia fazer algo com a sua voz e começamos a trabalhar via e-mail. Eu mandava algumas músicas, íamos ajustando os tons e assim foi feito o álbum.
Fernanda Takai e Andy Summers – “Fundamental”
HT: E essa é a sua primeira vez trabalhando com o Rodrigo?
AS: Sim. Nós fizemos uma jam no Rio Scenarium uma noite, há uns dois anos. Foi fantástico de tão bom, e algumas pessoas ficaram um pouco loucas do lado de fora. [Risos]
HT: E como você se sente com esse projeto, Rodrigo?
RS: Eu sou um fã. [Vira-se para Andy] Você é um ídolo para mim. Eu sou muito fã do The Police e você, cara, é um sujeito bom e muito divertido. Gente boa, toca muito bem! A jam no Rio Scenarium foi muito legal. O Luiz Paulo Assunção…
AS: É, foi ele quem nos juntou. Ele é muito bom com isso, de conectar pessoas. Então veio essa oportunidade.
RS: Nós já havíamos composto uma música, para o disco “Motel Maravilha”.Ele me mandou algumas coisas, então eu escrevi uma parte. E veio agora essa mini-turnê em 2014.
HT: Como vocês encontram um terreno comum entre os dois sons? É algo automático ou pré-estabelecido?
AS: Você tem que tocar. Está tudo na hora. Há certos instintos musicais que você precisa ter, sabe? O ritmo, o tempo, a entoação. Você meio que sente e não precisa ter uma conversa formal. Na verdade, assim seria impossível tocar com alguém, se você tiver que discutir muito. Não dá certo. Você só tem que deixar acontecer e as coisas fluem. Às vezes, você discute coisas como a estrutura. Mas o mais importante é que o feeling esteja certo.
HT: Qual a sua relação com a música brasileira?
AS: Bem, você sabe, há muito ainda o que aprender. Eu me interesso no som desde criança, quando vi “Orfeu Negro” (Marcel Camus, 1953) aos 16 anos e saí do cinema extasiado. Eu nem sabia em que país eu estava. Depois eu descobri a Bossa Nova e comecei a imergir nesse som. Fui para a faculdade em Los Angeles e estudei com um ótimo professor de guitarra que me ensinou um monte de música brasileira. Eu sempre me interessei por Tom Jobim. Acho que a primeira vez que estive aqui foi com o The Police em 1982. Depois eu vim por conta própria porque estava em turnê com outro guitarrista e Luiz Paulo nos trouxe para o Brasil. Foi quando eu o conheci e começamos a fazer vários projetos. Com o tempo, eu fui conhecendo mais músicos, pessoas, ritmos, sempre tentando aprender mais coisas. E tocar com o Menescal foi fantástico, porque ele é um dos originais.
“Samba do Orfeu” – Orfeu Negro
HT: Rodrigo, e o que você já teve de influência tanto do The Police quanto do rock internacional?
RS: Eu tive bastante influência do Police na minha primeira banda, Front, antes de tocar com Léo Jaime, Lobão e tal. O Kadu [Meneses] era o baterista. Então nós estarmos aqui hoje significa muito, equivale a estar tocando e apresentando coisas que você nunca imaginaria. Então, sim, eu tive muita influência do Police, mas também muito de chorinho, de samba, Jacó do Bandolim…
AS: Bandolim é fantástico!
RS: …Bossa Nova e outras coisas também. A Cor do Som resumia um pouco esse tipo de vertente do Armandinho com o bandolim e tal. O rock ‘n roll sempre foi uma maneira de viver, para mim. Quando eu descobri o Police, eu falei ‘caraca!, melhor que Bossa Nova”!
AS: Mas foi uma influência, sabia? Quando eu conheci o Sting, ele também gostava muito da música daqui. Eu tocava muito rock clássico na guitarra, além de músicas brasileiras. Então, quando nos reunimos e começamos a nos conhecer como músicos, eu toquei um pouco de Bossa Nova e ele ficou impressionado. “O que é isso? Eu gosto disso, eu amo isso”. Houve uma conexão. Em “Roxanne”, por exemplo, o início começa como uma bossa nova em uma guitarra de nove cordas.
“Roxanne”, The Police
RS: Engraçado que existe esse respeito mútuo.
AS: Sim, a única diferença é o idioma.
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