* Por Carlos Lima Costa
Uma das mais importantes bandas de rock do Brasil, liderada por Evandro Mesquita, a Blitz está comemorando 40 anos. Traçando um paralelo entre as épocas, Evandro assegura que o tempo não retirou dele o frescor da juventude nem o encaretou: “Continuo muito louco, porque a normalidade não cabe na arte. Eu vivo da arte, respiro arte 24 horas por dia. Se estou em um restaurante e a toalha é de papel, peço uma caneta para escrever uma letra ou fazer um desenho, uma caricatura. Arte salva e tenho um grande prazer em ter duas bandas”.
Hoje, sábado, 5 de fevereiro, ele promove a celebração das quatro décadas no palco do Circo Voador, meio que retornando às origens onde tudo começou, em 1982, quando a lona foi montada na praia do Arpoador, indo para a Lapa somente depois. “Quando lancei Você Não Soube Me Amar, achei que estava fazendo um disco e uma música para agradar meus 25 amigos da praia, meu grupo de teatro, o Asdrúbal Trouxe o Trombone, e fui muito além do que imaginava. O bacana é que conseguimos levar esse astral da Blitz e do Rio de Janeiro para todo canto do Brasil”, enfatiza ele em entrevista exclusiva.
O grupo chegou ao mercado fonográfico com a mesma irreverência e sucesso. O compacto com uma única música, Você Não Soube Me Amar, vendeu mais de um milhão de cópias. “A gente sempre fez críticas bem-humoradas, não tão óbvias, nem tão panfletárias, mas falando de tudo, de política, de vida, de curtição, de amor e profissão”, reforça.
“Grupo de teatro não tenho mais, mas tenho uma identificação total com as pessoas que foram do Asdrúbal (Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães e Perfeito Fortuna, entre outros). Temos uma visão parecida sobre vida e arte. Elas são referências fortes de um passado brilhante no meio de ditadura, de censura, mas a gente plantou várias sementes no humor, na música, na atuação teatral, na televisão. Olho essa trajetória com orgulho e tranquilidade”, pondera ele, que além da Blitz, integra também a The Fabulous Tropical Acoustic Band, com os integrantes tocando canções de Bob Dylan, Rolling Stones, Led Zeppelin, Beatles. “São músicas que inspiraram a gente na vida e musicalmente. Não fazemos cover, mas sim versões personalizadas, meio acústico, bem legal”, diz.
Sua apresentação no Circo Voador, mistura de rock, samba, blues, funk e reggae, vai contar com a participação de Fernanda Abreu, que fez parte da primeira formação da banda. “Vai ser um show maneiríssimo. Vamos revisitar várias épocas da banda. Então, as pessoas vão ver o que a gente fez desde o underground e o que a gente anda fazendo também”, comenta. Além de Evandro, integram a banda Billy Forghieri (teclados), Juba (bateria), Rogério Meanda (guitarra), Cláudia Niemeyer (baixo), além de Andréa Coutinho (mulher de Evandro) e Nicole Cyrne, as backing vocals.
No momento, a Blitz prepara quatro álbuns. “Um é o Blitz hits. Estamos regravando todos os hits com uma qualidade de som bem melhor. Outro chama Lado B, que é o Lado Blitz, com músicas que gostamos muito, mas que não tiveram tanta exposição. Tem um álbum de inéditas, que está muito legal, com umas parcerias chocantes, e o outro, cujo apelido é Blitz No dos Outros, que é a Blitz interpretando Roberto (Carlos) e Erasmo (Carlos), Gil, Belchior (1946-2017), Paulo Diniz, Zé Kéti (1921-1999). Essas versões estão dando o maior prazer”, revela. Pelo menos dois devem ser lançados esse ano. Um é o de inéditas.
Política e censura
Quando a Blitz surgiu, o Brasil vivia o último governo da ditadura militar instaurada em 1964. O presidente do país era João Baptista Figueiredo (1918-1999). A censura ainda existia e deixou sua marca na história do grupo. Duas músicas (Cruel, Cruel Esquizofrenético Blues e Ela Quer Morar Comigo na Lua) do primeiro LP, As Aventuras da Blitz 1, foram censuradas. Assim, o disco foi lançado com duas faixas arranhadas. “Foi uma surpresa. A gente achava que isso só acontecia com o Chico (Buarque), com o Caetano (Veloso), com o (Gilberto) Gil. Então, riscar a máster do disco para que todas as cópias saíssem riscadas foi uma forma de devolver a pressão que a gente estava sofrendo. E para os fãs verem que tinha mais coisas que a gente queria falar também”, recorda. As canções não tinham a menor conotação política. “Era uma besteira total,” afirma.
Ele levanta a voz para criticar o retrocesso que toma conta do Brasil nesse momento. “Eu acho horroroso. Para nós que passamos por essa etapa de ditadura ter um governo negacionista e tão autoritário, falando em arma e rejeitando a ciência é triste demais. Acho que a arte tem o papel de lutar por um mundo melhor sempre”, pontua. E critica a forma como a classe artística vem sendo tratada, com inúmeros comentários sobre o uso da Lei Rouanet. “Eu nunca passei perto disso, trabalho desde os 19 anos, nunca tive ajuda do governo. Fico triste. A nossa cultura sempre foi tão forte, solar, apresentando tantos gênios e pérolas que ajudaram a fazer a identidade do nosso povo e agora sendo marginalizada. Mas vamos virar esse jogo, porque a verdade é que para se viver bem tem que se viver com arte e a arte sempre vai sobreviver”, frisa.
Isolamento e Covid
Paralelo à carreira musical, onde fez sucesso com músicas como Weekend, A Dois Passos do Paraíso e Betty Frígida, Evandro continuou trabalhando como ator. Na televisão, participou de novelas como Top Model, Vamp, Mulheres de Areia, do seriado A Grande Família e do humorístico Escolinha do Professor Raimundo. Para 2022, não tem nada previsto para a TV. Vai priorizar os shows da Blitz. Mas poderá ser visto no cinema em produções rodadas durante a pandemia: O Palestrante, dirigido por Marcelo Antunez, além de Carga Máxima, produzido pela Netflix, com Thiago Martins, Sheron Menezzes e Paulinho Vilhena.
Apesar dos trabalhos, o período da pandemia da Covid-19 não foi nada tranquilo para Evandro, que teve a doença duas vezes. “Fiquei com bastante medo, porque peguei Covid logo no comecinho. Por isso fui para Friburgo, fiquei 19 dias sozinho lá. Não tive que me hospitalizar, mas na primeira vez, foi mais forte, terrível. Faço muita natação para melhorar o fôlego. Depois das vacinas, já tinha tomado três doses, a gente relaxou um pouco, aí peguei essa Ômicron, mas veio de forma leve”, conta.
Em relação à idade, surpreende muita gente, talvez porque ele mesmo não vive a alardeá-la. “Acho que atraímos um peso a mais pra gente falando disso. A Fernanda Montenegro (92 anos) diz que ela sem olhar no espelho está com uns 40 e pouco. Eu também fico achando assim. Mas é isso, vamos levando a vida com irreverência, humor. Esse espírito é o que salva a gente. Faz parte da receita de viver legal”, aponta.
E conta que a essa altura da vida, se pudesse mudar algo nele seria o joelho, que o impede de jogar futebol como sempre gostou. Ele operou o joelho direito, extraiu os meniscos em cirurgia realizada por Lídio Toledo (1933-2011), que foi médico da seleção brasileira de futebol em seis copas do mundo. “Eu joguei muito futebol na praia, fiz educação física, ganhava meia bolsa jogando futebol pela faculdade. Aí depois fui parando porque o joelho inchava, fazia show mancando. Comecei a praticar só futevôlei que era demais, uma cachaça, mas era com ex-jogadores e era apostado, então, não queria deixar barato, aí começava a sair da quadra sentindo o joelho. Então, aposentei também o futevôlei. Hoje em dia eu nado e estou começando a praticar beach tennis”, relata.
Em termos de rock, um dos orgulhos dele é a Blitz ter participado da primeira edição do Rock In Rio, em 1985. Com a atual formação do grupo, destaca a indicação ao Grammy Latino com o álbum de inéditas, Aventuras II, em 2017. “Foi nosso grande prêmio. Quer dizer, temos os nossos clássicos, mas estamos produzindo ainda muito música nova, boa e estamos na estrada recebendo o carinho das pessoas”, diz.
Playlist, internet e filhas
Nunca mais se viu surgir um outro movimento roqueiro na música brasileira, dominada nos últimos anos por gêneros como o sertanejo e o funk. Por qual motivo? “Essa é uma fórmula que ninguém tem. No meu tempo era o underground querendo espaço e graças a Você Não Soube Me Amar, que vendeu um milhão e 500 mil compactos com uma música só. Do outro lado eu falava somente ‘nada, nada, nada, nada’. Isso já era uma irreverência. Tudo era propício para um lance assim. Então, a gente espera que as garagens voltem a se manifestar como a gente se manifestou criticando e dando mostras de outras opções de vida. É fundamental o rock ser o berro de uma juventude”, ressalta.
Em termos de rede social e internet, Evandro se atualiza com ajuda das filhas Manuela e Alice. “O Instagram é a única plataforma que eu gosto. Faço uma curadoria de vídeos legais e as pessoas curtem bastante as minhas postagens. Acho positivo ter essas facilidades que temos hoje. Quantas vezes a gente ficava louco por uma ficha de telefone, de orelhão, e, agora, temos inúmeras possibilidades. É impressionante como os jovens dominam essa tecnologia. Eu peço ajuda das minhas filhas, sobre como fazer isso, aquilo, porque elas já vieram com esse chip meio aberto. A Alice, minha caçula, fala ‘pai, você não sabe fazer isso?’, me dá umas broncas’”, diverte-se.
Quando pequena, Alice gostava de subir ao palco com a Blitz. “Ela é muito talentosa, canta demais, toca piano, ukulele. Compôs uma música (Somewhere I Can Be Free) linda em inglês, que eu gravei aqui com ela, toquei os instrumentos todos, ficou bem legal. Alice tem uma voz superdelicada, musical pra caramba”, diz ele, que planeja colocar a música no Spotify.
Manuela, a primogênita, continua investindo no teatro. “Ela quer ser atriz e tem talento, canta, escreve, interpreta bem, mas é uma luta. É uma batalha que não depende só de talento. Não dá para relaxar. Mesmo eu que cheguei em um patamar, tenho que me manter ativo, com produção constante”, diz.
Reminiscências da infância
A arte faz Evandro se sentir realizado. “Acho fundamental e por a gente ter vivido tanto de arte e aprendido tanto com artistas, cineastas, escultores, escritores, é muito bom essa possibilidade da gente continuar trocando e com descobertas, apresentar artistas e escritores”, aponta. Ele lembra que através da mãe conheceu as obras de Monteiro Lobato (1882-1948) a Jorge Amado (1912-2001), Oswald de Andrade (1890-1954) e Guimarães Rosa (1908-1967). “Ler o Guimarães significou achar um (Jimi) Hendrix (1942-1970) da literatura e viajar naquelas histórias. Como professora, minha mãe me deu a oportunidade não só de jogar bola. E também de ouvir os discos dela, como o da peça Opinião, que eu decorava diálogos do Zé Keti, João do Vale (1934-1996), Nara Leão (1942-1989), depois Liberdade, Liberdade, com Paulo Autran (1922-2007). Ouvia também Moreira da Silva (1902-2000) com meu pai. Ary Toledo tinha um disco muito bacana, eram histórias musicadas, engraçadas e poéticas. Isso tudo bateu em mim muito forte, assim como foi ouvir pela primeira vez O Calhambeque, com Roberto Carlos. Sou uma mistura disso tudo jogado no liquidificador”, pontua.
Dos pais recebeu os melhores conselhos. “Posso resumi-los como ‘acredite no seu sonho, vá a luta’. Minha mãe era um doce, uma professora querida, tem até a Praça Samira Mesquita em frente a UFRJ com um mural com o rosto dela. Foi uma das fundadoras do André Maurois, onde eu estudei. Foi o meu melhor colégio. Então, tinha um lado de acolher mesmo meus amigos. Ficou viúva cedo com quatro filhos, mas nunca me jogou um peso do tipo ‘coloca um terno e vai para a cidade trabalhar’. Ela sempre acreditou na minha arte”, finaliza.
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