*Por Brunna Condini
Nego do Borel viveu de perto todas as dificuldades que um morador de comunidade enfrenta e, por isso mesmo, nunca perdeu a ligação com o Morro do Borel, onde nasceu e foi criado, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Lá, o cantor promove periodicamente ações dentro e fora de datas festivas, como Natal, Páscoa e Dia das Crianças. E, agora, neste período de pandemia por conta do novo coronavírus tem realizado distribuições de cestas básicas, ação ampliada para sua primeira live solidária, realizada quarta-feira, dia 3, às 16h, em seu canal oficial no Youtube, sem público, do alto do Ciep Doutor Antoine Magarinos Torres Filho, posicionado na entrada principal do Morro do Borel.
“Vai ser lá para que todo o meu Borel possa me assistir, mas cada um dentro da sua casa e em segurança. Cada um na sua janelinha, cada um no seu quarto, olhando para o Brizolão, a escola que eu estudei. Em casa e dançando comigo. A intenção é arrecadar alimentos e outras doações para a comunidade, porque por mais que eu não more mais lá, ainda é como a minha casa. E também para algumas comunidades da Grande Tijuca, como Morro da Formiga, Salgueiro, Turano, Catrambi, Casa Branca, Chácara do Céu e outras”, afirma.
O cantor diz que a apresentação seguirá todos os protocolos de saúde pública estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a estrutura será montada com uma equipe reduzida. Nego revela ainda que a ocasião também será uma forma de homenagear seu tio João Viana, que faleceu no final de abril, em decorrência da Covid-19. “O meu tio sempre foi uma pessoa muito querida por nós da família e por todo o Morro do Borel, que fez uma homenagem linda para ele. Na hora do enterro, o pessoal da comunidade saiu nas varandas, janelas e até nas calçadas e aplaudiu. Isso é uma coisa vai ficar gravada para sempre no meu coração”, recorda, emocionado. “Tenho muito orgulho de ser sobrinho desse homem de Deus. Ele também sempre foi um profissional muito dedicado, era responsável por todos os garis do Borel, e a comunidade toda tinha esse carinho com ele. Sempre que eu via o meu tio João, gostava de abraçar, brincar e conversar com ele. Passava e tomava à bênção. Tinha muito carinho e principalmente respeito por ele, que me apoiou na minha carreira, assim como toda a minha família. Sou grato à Deus por tudo o que vivemos juntos. Ele está fazendo muita falta. Muita mesmo”.
Pensando nas doações que o web show vai arrecadar, e também desejando levar um pouco de alegria para a comunidade, ele garante que no repertório estarão alguns dos seus principais sucessos, tudo muito bem misturado com clássicos do funk que marcaram a história do movimento no Brasil. Além de contar com participações especiais de outros artistas como DJ Gabriel do Borel, Willian e Duda, a cantora gospel Sarah Beatriz, entre outros. “Diante de tudo o que estamos vivendo no Brasil e no mundo, o desejo é estar perto da melhor forma possível. Estaremos todos juntos, mas desta vez minha comunidade estará toda dentro de suas casas, seguros, que é o que importa”.
História e Empatia
O cenário da live é um lugar muito familiar para Leno Maycon Viana Gomes, o Nego do Borel. “Tenho lembranças muito felizes daquela escola, marcou muito a minha infância. Eu era aquele que sempre cantava dentro da sala de aula, se tivesse instrumentos eu também arriscava e tentava tocar”, lembra. “E nessa mesma época, eu já curtia muito o funk, então saia escondido de casa para ir para o baile, e quando chegava lá ficava pedindo para cantar. Com isso, fui conhecendo algumas pessoas influentes no meio do funk, inclusive da minha idade, o que me fazia acreditar ainda mais que era possível. Não tinha lugar mais perfeito para a minha live acontecer. Me sinto muito feliz e honrado por poder fazer alguma coisa para ajudar o meu Borel e a escola onde estudei. Porque por conta da live também estamos recebendo doações em tintas para poder pintar o Ciep e trazer muito mais cor e felicidade para a volta às aulas das crianças”, detalha, orgulhoso.
Aos 27 anos, o funkeiro tem orgulho da trajetória artística que vem construindo, e faz questão que ela caminhe lado a lado ao seu engajamento. Ele lamenta pela “guerra urbana” e o racismo, que faz vítimas como o menino João Pedro, morto aos 14 anos, em São Gonçalo, no último mês, e também, o americano George Floyd, morto por um policial branco, nos Estados Unidos, na semana passada. Estes dias, você pediu paz, falou em nome das vidas negras e das comunidades. Acha possível que essa paz seja conquistada no tipo de sociedade em que estamos organizados? “Eu não sei se isso seria possível hoje, já. Temos algumas feridas na nossa história e na nossa cultura que ainda precisam de um certo tempo para serem entendidas, e transformadas. Mas tenho muita esperança de que isso seja uma realidade em um futuro em que os meus filhos vão viver. Ficaria muito feliz em vê-los vivendo em um mundo, tendo o privilégio de saber que nenhuma dificuldade que vão passar na vida, tenha a ver com a cor da sua pele”, reflete Nego, que vai dedicar músicas na live para o movimento “Vidas negras importam”.
Chegou a sofrer violência ou preconceito antes de ser famoso? “Eu sou preto, vim de comunidade e canto funk. Infelizmente no Brasil, isso tudo é sempre motivo de muito preconceito. As pessoas estão sempre querendo julgar umas às outras, mas eu não deixo que o preconceito me defina. Sou preto, sou cantor, e tenho muito orgulho da minha origem, da minha música e da história do meu povo”.
O cantor afirma que apesar das dificuldades e pobreza que enfrentou na infância, na sua casa nunca faltou amor e incentivo. “Por isso sou tão grato a tudo que conquistei hoje. E por isso, também, tento ajudar no que eu posso para pelo menos aliviar o sofrimento dessas pessoas. Cresci vendo a luta da minha mãe, e mesmo com tantas dificuldades, lembro de todas as lições que me deu. Se tínhamos um pão, esse pão seria dividido por igual para todos que estivessem com a gente. E é justamente isso que tento levar comigo sempre. Eu conheço a fome, e a fome dói. Sou muito grato a Deus e me alegro muito por não ter me perdido no caminho, como vi acontecer com muitos amigos meus. E hoje poder devolver todo o carinho e dedicação que a minha família me deu”.
O que gostaria de dizer para todos que desejam um país anti-racista? “Não se calem. A alma não tem cor. Não deixe que a luta contra o racismo seja mais um peso que a gente carrega sozinho. As vidas negras importam sim”.
Amor e Quarentena
Em isolamento social desde março, Nego do Borel revela que está passando o período ao lado da namorada, Duda Reis. “Estamos juntos desde o início. Além de ser uma mulher incrível, ela é também uma ótima companhia. Nós nos divertimos muito e estamos aproveitando cada momento juntos. É muito bom poder estar ao lado de quem a gente ama num momento tão triste para o mundo inteiro, quanto esse que estamos vivendo”.
Ele surpreendeu Duda na última segunda-feira, data do seu aniversário de 19 anos, com uma comemoração surpresa e privada, por conta da quarentena. “Apesar das pessoas conhecerem mais o meu lado engraçado eu também sou um cara que gosto muito de agradar as pessoas que eu amo. E apesar de não poder fazer a comemoração que a gente gostaria e que ela merece, por conta do momento, eu não podia deixar passar em branco. Contei com a ajuda de alguns amigos fornecedores, que também tomaram todos os cuidados necessários, para fazer uma coisa bem simples, mas lindo, como ela é”. Você já declarou que Duda é a mulher da sua vida. Planejam casamento? “A Duda é a mulher da minha vida. Nós nos amamos muito e conversamos muito sobre isso. Não sabemos quando, mas é um desejo do nosso coração sim”, revela.
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