Pelo amor da deusa: Xênia França, atualmente, é a cantora que se transformou em uma referência de empoderamento e comportamento feminino, principalmente para as mulheres negras. Como uma verdadeira força da natureza. A baiana radicada em São Paulo, que vem arrebatando público e crítica em terras brasileiras e também lá fora, pensa em sua musicalidade como a miscigenação do nosso país cheia de temperos: adicionando colheradas de pop e pitadas de música eletrônica, com os sabores do jazz, samba-reggae, rock e um toque de R&B. Uma receita que sai do forno repleta de afro-futurismo e ancestralidade.
“Eu sou uma mulher negra, de uma vivência na Bahia, bastante comum, o meu ímpeto e a minha atenção estavam voltados para uma musicalidade de autoconhecimento. Quando eu me mudei para São Paulo e comecei a trabalhar como cantora foi natural que essas raízes me expressassem e me projetassem na forma que eu me coloco para o mundo. Na Bahia, a gente como vatapá, caruru, dendê, veste branco na sexta-feira, toma banho de folhas, existe uma cultura e um processo de vidas que partem da diáspora africana. Vindas de pessoas negras e que deixaram um legado. Estamos vivemos um momento de uma confusão política, mas, ao mesmo tempo, eu sinto uma necessidade muito forte de me expressar pelo o que eu realmente sou”, declara Xênia França logo no início do nosso papo no camarim do Circo Voador.
A cantora que recentemente fez um show meteórico cheio de luz e poesia na lona mais querida da Lapa, conta que o local é de extrema importância para a cultura brasileira. “É um palco emblemático pela passagem de tantos artistas históricos nacionais e internacionais. Esse momento de poder olhar em volta e ver pessoas como eu lotando esse espaço é muito gratificante”, ressalta.
E aproveita para falar dos cenários das políticas brasileiras. “Sinceramente nos governos temos um hiato. Em um momento específico da nossa história tivemos muitos avanços, mas antes e depois nós apenas fomos esmagados. A população negra no Brasil tem um desafio complexo. A gente pertence a um país em que 54 % da população é preta e que, ainda, têm muita dificuldade de tomar para si um posicionamento, uma luta que de fato abra caminhos para que não estejamos mais a mercê de tantos governos e desgovernos. Independente de quem esteja no poder, o povo está sempre aos caprichos de mandos e desmandos”, diz Xênia que acredita muito na potência da população brasileira e afirma que essa força é um grande ato de resistência.
“Faço votos que a população, as pessoas pretas, os artistas, os intelectuais, os ativistas consigam criar e organizar uma unidade de pensamentos que ponha o povo no centro dos debates e que a gente discuta e parta para ação. A voz vem do povo e não dos governos”, enfatiza.
Xênia se tornou um símbolo da luta do povo negro e isso é percebido em toda a sua arte. “Eu não tenho vergonha da cor da minha pele, de ser preta, de mostrar os toques da minha musicalidade, de mostrar que eu sou de candomblé… Tudo isso é o que sou! Essa tecnologia existe e é por isso que eu ainda estou aqui, por causa dessas outras ancestralidades, que lutaram que resistiram, que abriram os caminhos e criaram impérios, sabedorias, tecnologias, para eu estar aqui. Para eu e você estarmos aqui. Por isso me sinto na obrigação de divulgar a minha cultura, de ser uma grande servidora da minha ancestralidade. E isso é muito lindo”, conta emocionada.
Não foi por acaso que em 2018, a deusa foi convidada pela Fundação Bill Gates para integrar o time de cantores que emprestou a voz para o projeto We Are Family, com o intuito de falar sobre países e povos que estão em situação de risco. “Foi no ano passado, eles me convidaram para fazer parte de um time artistas que eles escolheram por algumas partes do mundo que que iriam cantar esse hino. É um projeto fomentado pela Fundação Bill Gates. Não sei como eles me acharam, só que eu fui lá e cantei uma trilha que é para ajudar famílias em situação de risco, mas especificamente, neste ano, em Ruanda, um país que foi atacado por uma guerra civil (1 de out de 1990 – 18 de jul de 1994). E como sabemos o Brasil passa por esse tipo de situação, eu me sensibilizei, fui lá e cantei. Todos os artistas não cobraram cachê. Foi lindo, eu estou feliz de poder ampliar os meus horizontes, nesse lugar de artista e poder contribuir de outras formas com a minha imagem e com a minha energia ajudando pessoas a saírem de situações complexas”, disse a cantora meio tímida, mas muito ciente de que tem um papel importante na sociedade.
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