“Estou lidando mal, mas podia ser pior”, desabafa Chico Chico sobre a complicada situação dos músicos na pandemia


Em entrevista ao site, o cantor, compositor e filho único de Cássia Eller, comenta sua preocupação com os novos rumos da indústria musical frente à quarentena; revela como está usando o confinamento para compor e redescobrir novos sons, além de comentar como foi ter regravado o clássico do exílio “Maria Bethânia”, de Caetano Veloso, para a série “Vale a Pena Gravar de Novo”. E dispara: “Me parece até sádico acreditar que para arte ser influente ou importante é necessário um povo sofrer. A tristeza-solidão-dor deve ser força motriz do criador e só. Não deve vir das condições sociais”

Chicão regravou “Maria Bethânia”, o clássico de Caetano Veloso, para o projeto “Vale a Pena Gravar de Novo”. (Foto: Reprodução/ Youtube)

*Por Malu Porto

“Estou lidando mal, mas podia ser pior”, confessa o jovem de semblante angelical, olhos azuis e voz de trovão como a mãe, Cássia Eller (1962-2001) diante da onipresente pergunta sobre as agruras do confinamento frente à pandemia de Covid-19. “Não vou mentir que me sinto ansioso, quero tocar em lugares novamente.” Entre algumas lives e gravações, que foram ao ar em seu perfil no Instagram e canal do Youtube (lançado durante a pandemia), Chico Chico revela que está aproveitando a vida reclusa para compor e garimpar referências novas, mas que evita o excesso de cobrança de alta produtividade durante o período:

“Tenho começado projetos novos. Já fiz uma canção sobre o momento, mas não é minha preocupação principal. Se acontece, deixo rolar. Se não, não me aperreio tanto. Uma das coisas mais lindas que descobri recentemente foi o cantor cabo-verdiano Mário Lúcio. É sempre um alento conhecer quem nos emocionam”, afirma.   

Damos valor ao sucesso, mas pouco às carreiras.

Diante das abruptas interrupções das casas de shows e espetáculos durante a quarentena, muitos artistas vêm buscando novos métodos para se reinventar e permanecerem ativos em tempos de crise. Para Chico Chico, sua preocupação maior não seria em relação à artistas e nomes já de projeção, mas com aqueles que trabalham nos bastidores e que dependem exclusivamente de apresentações físicas para viver: “A arte precisa de mais reconhecimento. Não se deve só olhar o artista, mas todo um mercado que é constantemente ignorado. Damos valor ao sucesso, mas pouco às carreiras. Me preocupa a situação dos roadies e técnicos de som durante a pandemia, por exemplo, além das novas leis de direitos autorais que estão tentando passar nas sombras”.

“Não vou mentir que me sinto ansioso, quero tocar em lugares novamente”, confessa Chico sobre isolamento. (Foto: Divulgação)

Você considera que a calamidade do momento atual desanima a inspiração para compor ou pode ser um estímulo para criar novas narrativas? “Sempre temos de criar. Nos bons e nos maus momentos. Me parece até sádico acreditar que para arte ser influente ou importante é necessário um povo sofrer. A tristeza-solidão-dor deve ser força motriz do criador e só. Não deve vir das condições sociais”, pondera o cantor. 

Dentre seus últimos trabalhos lançados, Chico fez a participação de estreia do projeto “Vale a Pena Gravar de Novo”, inspirado nas reprises das novelas da Globo, e idealizado pelo produtor musical Leonardo Rivera, em comemoração aos 20 anos do selo Astronauta Discos, parceiro da Universal Music.

O produtor Leonardo Rivera sela parceria com o app Livedub, que promete revolucionar gravações digitais. (Foto: Guilherme Scarpa)

A ideia foi chamar novas vozes para fazer releituras de clássicos, como no caso do Chico Chico com uma música do Caetano que, aliás, foi feita durante o exílio e agora tem tudo a ver com nós todos, também exilados”, conta o produtor, que já havia trabalhado com Cássia Eller no disco “Veneno Antimonotonia” (1997), e, recentemente, acaba de selar uma parceria com o aplicativo Livedub, com a proposta de reinventar a experiência de gravação musical digital e com distanciamento social. “É um novo caminho para a retomada da produção, fazendo uma política de redução de danos nessa pandemia e creio que após dela também”, comenta otimista.

Sobre a experiência de regravar um clássico do exílio, como ‘Maria Bethânia’, que ganha nova luz sob a perspectiva de um país inteiro em isolamento coletivo, Chicão medita: “Acho que uma obra de arte pode ser sempre ressignificada em diferentes contextos. Para mim, esta canção será sempre uma canção de saudade”, conclui ele, que, aliás, evitou qualquer tipo de declaração em relação à icônica mãe durante toda a entrevista.