*por Vítor Antunes
Rita Lee morreu em maio deste ano, 2023. De lá pra cá não são poucas as homenagens feitas para exaltar a Rainha do Rock. Dona de inúmeros hits que compõem o repertório popular, Rita será mais uma vez exaltada. Hoje, dia 13, a Orquestra Imperial fará mais uma homenagem à musa dos cabelos vermelhos no Festival Doce Maravilha, na Marina da Glória, Rio, com o show “Orquestra Imperial: No chão, no mar, na lua, na melodia de Rita Lee“. Com curadoria de Nelson Motta, os sucessos de Rita Lee serão revisitados pelos músicos e a voz será a de Emanuelle Araújo. “Fui me tornando mulher e tendo consciência feminina através da Rita, que trouxe uma irreverência natural, um jeito de ser mulher no Brasil mesmo durante a ditadura, e defendendo o rock e com atitudes comuns e cotidianas. Percebo essa importância e sua contribuição na sociedade. Não tem como ser cantora e não ter algo de Rita”, disse Emanuelle, que atua também no longa “O Barulho da Noite” da diretora Eva Pereira, como protagonista ao lado de Marcos Palmeira e um dos assuntos principais do filme é o abuso sexual infantil. O filme é o único dirigido por uma mulher e a representar o estado do Tocantins no Festival de Gramado (RS), iniciado na última sexta-feira. Integra também o elenco de “O Meu Sangue Ferve por Você“, filme sobre a história de amor entre Sidney Magal e a mulher, Magali West.
Recentemente, Emanuelle esteve em “Olhar Indiscreto“, série da Netflix, que foi tida por alguns veículos como um soft-porn. A artista traz o feminismo como causa fundamental. Emanuelle vê na série de filmes soft-porn homônima da década de 1970 um posicionamento rico e potente da mulher. “A Emmanuelle do filme é uma mulher dona do seu corpo e busca se livrar dos padrões ancestrais preconceituosos. Este posicionamento será sempre um potencializador do feminino. Interessa-me no filme esse olhar livre”, disse a artista a O Globo. A nós, complementou que, além desta referência, seu nome homenageia seu pai, Manoel.
MANU: DE EVA À EVA
“Emanuelle Araújo, 22, baiana de Salvador, curso superior de Biologia não concluído, filha de comerciante e professora universitária, base financeira “bacana, mas sem luxos”, soprano, feições delicadas, pés impecáveis“. Quando Emanuelle Araújo surgiu na cena artística nacional foi assim que a Folha de São Paulo a apresentou. Com um perfil bem crítico que se acentua nos parágrafos seguintes dizendo-a elitizada para a Banda Eva. O artigo é encerrado estabelecendo uma rivalidade entre ela e Ivete Sangalo, a antecessora, e vaticina seu equívoco: “Emanuelle percebeu que acabou por sepultar seus planos de um ano atrás, quando tentou se lançar como cantora”. Emanuelle saiu do Eva em 2002. Ganhou prêmios como cantora e atriz, lançou discos solo e integra duas bandas, a Moinho e a Orquestra Imperial. Concedeu-nos essa entrevista após o ensaio do Moinho enquanto estava presa num engarrafamento. Mesmo assim, esbanjava sua brejeirice baiana – “Pode me chamar de Manu”, pediu. Manu, portanto, apresentou-se com a banda de Lan-Lahn no dia 11 e estará, no dia 13, com a Orquestra Imperial homenageando Rita Lee (1947-2023) e o feminismo. “Rita sempre foi transgressora. É suave e põe o pé na porta. Trouxe o feminismo à pauta do dia e sem ser panfletária”.
Para Emanuelle, falar de Rita é emocionar-se. “Eu sou muito fã dela. Em 1980, quando ela gravou ‘Lança Perfume,‘ eu ouvia mesmo com muito pouca idade e era minha música favorita. Esse show é um tributo a ela. A Orquestra é composta por músicos consagrados e nós só nos encontramos para cantar sambas antigos, gafieiras, cancioneiro brasileiro, grandes bailes. Mas, para o Festival Doce Maravilha, cuja curadoria foi realizada pelo Nelson Motta revelou-se nos um deleite. Como rever aquelas músicas maravilhosas, aqueles arranjos incríveis do Lincoln Olivetti (1954-2015). Rita se cercava de excelentes músicos e não tem uma musica que não seja hit. Tudo que é cantado e conhecido”.
Tal como um dos mais importantes arranjadores brasileiros, Lincoln Olivetti ser nascido em Nilópolis é algo pouco falado, a potência discursiva de Rita Lee ainda precisa ser mais debatida. A cantora e compositora cantava sua “doce transgressão”, como definiu Emanuelle, em plena ditadura, quando esses conceitos eram proibitivos. “Rita traz uma importante assinatura feminina sobre a mulher artista e nos influenciou socialmente e não só artisticamente. Colocou-se assim até o fim e o todo tempo”.
Há uma observação geral que aponta uma maciça presença feminina no sertanejo em detrimento de outros gêneros musicais, o que Emanuelle discorda. “Não vejo assim. Acho-as maravilhosas, sinto que Marília Mendonça (1995-2021), por exemplo, faz falta. Mas em outros segmentos temos Céu, Marina Sena, Iza, Anitta, Ludmilla… O Brasil é bem plural”
Temos muitas cantoras boas, mas é preciso abrir o mercado para ter espaço para todo mundo. O mercado às vezes fica restrito aos Top 10 e não abre para a música alternativa – termo que nunca entendi, já que cada um ouve o que curte. Tudo me interessa quando é de verdade. O que não me interessa é a repetição, essa cópia da cópia, esse mais do mesmo, mas tudo que é original e de verdade eu curto – Emanuelle Araujo
Além desta apresentação, Emanuelle estará em outros projetos. Um de seus filmes “O Barulho da Noite” estará na mostra competitiva do Festival de Gramado. “É um filme legal, importante e fala sobre abusos sexuais infantis, mas com poesia, ainda que seja um tema difícil. Trata-se de um filme produzido no Tocantins e do qual me orgulho muito que seja ele o único representante do estado, assim como o único a ser dirigido por uma mulher. Eu faço uma pessoa com uma vida duríssima. A Eva Pereira tem esse roteiro há anos e uma pesquisa nesse universo, ou seja, ela tem propriedade para contar essa história”. Além deste longa, estará em “O Meu Sangue Ferve por Você“, filme sobre a história de amor entre Sidney Magal e a mulher, Magali West.
MULHERIDADE
“Emanuelle” é o nome de um tradicional filme soft-porn dos Anos 1970. Próxima de seu nascimento, sua mãe estava em Paris, quando viu esse nome e resolveu batizar a filha tal como a personagem de Sylvia Krystel (1952-2012), que conforme já relatado, a baiana considera ser um símbolo da liberdade e independência sexual feminina. Recentemente, Manu esteve em “Olhar Indiscreto“, série da Netflix, que foi tida por alguns veículos como um soft-porn. A ser ver, os conceitos não dialogam. “‘Olhar’ zero se classifica como pornô soft. Vejo como um thriller psicológico ainda que a sensualidade/sexualidade se faça presente. A minha personagem, que teoricamente é uma profissional do sexo lança deste subterfúgio para chegar onde quer. Todas as cenas da trama foram bem cuidadas, ensaiadas, pois além do desejo, Cléo, minha personagem margeava com a psicopatia”.
A última novela de Manu foi em 2019, “Órfãos da terra“. A contrário dos seus pares, ela não nega um retorno às novelas com o argumento de que este é um trabalho longo, difícil, extenuante. Não. Ela diz que espera “um bom personagem. E não restrinjo isso à novela não. Um bom personagem em qualquer plataforma. Gosto de boas histórias”. No caso dela, em que a emoção é instrumento de trabalho, perguntamos o que a emociona e ela foi sintética: “A vida. Viver me emociona. Temos nos deparado com a finitude diversas vezes e especialmente nesta última semana, como diante de partida de Aracy Balabanian (1942-2023) ou do Aderbal Freire Filho (1941-2023). O que nos resta é viver. Isso é o que me emociona. Tanto que a maturidade não me assusta, acho a coisa mais linda no mundo, amadurecer e evoluir. Não consigo entender quem não gosta disso. Eu só vejo beleza”, pontua.
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