Em show no Rio, Miley Cyrus mostra muito mais daquilo que ninguém esperava. E não é o corpitcho de sereia ex-Disney!


Surpresa! Cantora apresenta sucessos pop de seu último álbum, mas brilha de verdade com covers de Bob Marley, Led Zeppelin, Etta James e The Beatles

*Por João Ker

Com a estrutura do palco reduzida – nada de cachorros, pênis, línguas ou salsichas infláveis e gigantes – e um pouco de atraso, Miley Cyrus subiu ao palco da Apoteose, no Rio, na noite deste domingo (28/9) e apresentou sua última turnê, Bangerz Tour, que marca sua efetiva transformação de uma estrela Disney para uma popstar 100% produzida na terra do Tio Sam. Mas, mesmo acompanhada de ursos de pelúcia gigantes, dançarinas quebradeiras e drag queens vestidas de palhaço, a ex-Hannah Montana surpreende pela maturidade e autoconsciência com que se posiciona no espetáculo, provando que, apesar das línguas, do twerk e da declarada adoração à maconha, é mais do que uma garota de 21 anos.

Hoje em dia, já se tornou de praxe que os fãs mais desesperados – ou mais novos e desocupados – passem dias na fila do Sambódromo carioca, apenas para garantir uns centímetros a mais de proximidade com seu ídolo. Com Miley não foi diferente. Três dias antes, vários jovens já estavam acampados por ali. E são os próprios, em sua maioria pré-adolescentes ou com recém-completos 21 anos – assim como a diva teen -, que compareceram ao espetáculo, caracterizados dos pés à cabeça ou com uma imitação da camiseta que a menina usa no vídeo de 23″, parceria com Mike Will Made-It, Wiz Khalifa e Juicy J (R$40 na porta, antes do show). Ou ainda, com a já famosa t-shirt de “R.I.P. Hannah Montana”, mostrando que dão total apoio à nova fase da artista. Por sinal, crianças que chegaram à Miley através do seriado também marcaram presença acompanhadas pelos pais.

Era o caso de Marina Rosa (10) que, ao lado da mãe Marcela, estava indo pela terceira vez ao show da cantora. “Ela já foi ao outro que teve aqui no Rio e a um dessa mesma turnê em Denver, nos Estados Unidos. Isso que é dedicação! E eu acompanho em tudo”, conta a empresária de 46 anos, orgulhosa da rebenta. Preocupações a respeito do jeito hiper sexualizado e a apologia às drogas? “Ah, não, né? Tem que deixar curtir…”, responde.

Quem também estava curtindo o show? Gays. E havia muitos deles entre o público de 18.000 pessoas, seguindo a natural demanda para apresentações de divas pop no país. Por sinal, uma audiência muito mais animada – bastava ver pela empolgação durante o show de abertura do grupo A Liga – do que, digamos, a que estava de corpo presente na turnê “Femme Fatale”, de Britney Spears, realizada no mesmo local em 2013. Mas, brainstorm à parte, eis que surge um passarinho que conta que Miley já acabou de tirar suas fotos com Naldo Benny, Bruna Marquezine e Fiuk, e está pronta para começar o show. Chegou a hora!

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E é usando a parceria com Britney e faixa homônima ao álbum e à turnê que Miley põe a língua pela primeira vez no palco. O público delira, ela retribui com empolgação e começa então uma sessão de reboladas das drag queens, tapinhas na bunda, mão na virilha e caras e bocas que fazem tanto a plateia quanto a artista pularem pelas três próximas músicas.  Por sinal, uma observação: ao contrário do que seria de se esperar – e diferente do que costuma se dar em outras músicas da setlist como “My Darling”, parceria com Future, e “23” – a cantora não utiliza nenhuma base pré-gravada com a voz de Brit, nem cita seu nome da cantora durante “Party In The USA”, preferindo repetir o nome de Jay-Z nos versos “And the Britney song was on”. Suspeito.

No repertório, por sinal, é reforçada a ideia de que a cantora quer se desvincular de seu passado. Apenas duas músicas não estão presentes no último álbum Bangerz” (2013) – a própria “Party In The USA” e “Can’t Be Tamed”, lançada em 2010, mas que se encaixa no lema atual de “liberdade” e “quebra dos padrões esperados” -, além dos covers (que merecem um espaço a mais).

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Fotos: Vinícius Pereira

Como era de se esperar, Miley Cyrus tem uma relação bastante fiel e dedicada aos seus fãs. Ela faz questão de interagir com tudo o que é jogado no palco, vestindo camisetas engraçadinhas com montagens do tipo “Hanna Anaconda” (referência ao recente single de Nicki Minaj), uma peruca loura de camelô ou até mesmo cuspindo água nos mais próximos, que não estavam nem perto de reclamar. Durante “Adore You”, a cantora convida o público inteiro a se beijar – principalmente a turma alegre – para aparecer no telão de fundo, enquanto ela dedica a serenata a uma drag gigante vestida de borboleta. Hum, e não para por aí. Ao mesmo tempo ainda tira selfies com uma fã que foi convidada pela própria a subir no palco, e  avisa que está de ressaca porque a noite foi louca (o Sushi Leblon ainda está inteiro, confere?), mas que é para todo mundo “aumentar o volume”.

Mas apesar do que parece, a mensagem principal do show não é “ficar louco” ou “curtir a vida adoidado”, como muitos poderiam assumir. O que Miley tenta repercutir repetidamente é a autoaceitação, com frases como “Somos todos estranhos” e “F*@d#-se” o que pensam de você, não deixe ninguém entrar na sua cabeça”. E, o mais surpreendente, é descobrir que, por baixo da fantasia de periquita e das danças esquizofrênicas, Miley é uma artista de verdade, com um potencial (desperdiçado, talvez) para se tornar algo muito além de uma simples popstar que faz música de balada e sucesso de rádio.

E é aqui que entra a importância dos covers apresentados para se entender um pouco dessa figura que acaba sendo mais emblemática quando mostra essa faceta real. “Eu ia fazer isso no show de São Paulo, porque alguns fãs esperaram por dias embaixo da chuva. Mas eu sou uma louca paranoica – ou talvez ou só tenha fumado muita maconha –, achei que ninguém estava gostando de mim por lá e acabei não fazendo nada. Então resolvi fazer isso aqui, Rio. Vou cantar alguns covers de músicas antigas que eu amo e que, se vocês não conhecem, deveriam. Se ninguém gostar, é só ficar quietinho que eu paro”, anuncia após ter cantado o número oficial da setlist “Lucy In The Sky With Diamonds”dos Beatles.

Só que a menina vai mais longe ainda. Mesmo usando uma peruca chinfrim,  Miley emenda logo uma Etta James (“I’ll Take Care Of You”) de responsa, solta um Led Zeppelin (“Baby, I’m Gonna Leave You”), Bob Marley (“Could You Be Loved”) e até Dolly Parton (“Jolene”, exigida pelo público). Nessa parte, sua voz parece mais real e sincera do que quando canta as próprias gravações, como “Wrecking Ball”. Ela atinge todas as notas exigidas e, por mais que poucas pessoas possam acreditar, faz justiça a cada uma das versões, o que mostra sua versatilidade e um dos prováveis motivos para ser a maior cria da Disney de sua geração.

Este foi o momento em que sua independência e amadurecimento musical realmente surtiram algum efeito e, dessa vez, positivo. Afinal, qual cantora pop, com público-alvo formado basicamente por menores de idade, tem coragem de apresentar músicas lançadas décadas antes do nascimentos deles, simplesmente porque gosta? Katy Perry? Pffffff. A partir daí, fica óbvio também que Miley deve investir em outros ritmos além do hip hop em seu próximo álbum, com algo dizendo, no íntimo, que a artista poderá surgir com uma pegada rock semelhante à assumida recentemente por Lana Del Rey.

E, mesmo executando os números com competência, a própria sabe que isso não é o que a plateia espera dela: “Essas músicas são muito importantes e não só para mim, mas vocês não estão nem aí, né? Vocês me amam e é isso que importa. Obrigada, eu vou voltar a rebolar minha bunda agora”, avisa antes de sair do palco e voltar com uma prótese de plástico nos quadris para mais uma sessão de twerk nervoso. Mais tarde, ela reforça a ideia: “Eu posso ser uma vadia louca que dança e faz todas as maluquices que vocês já viram, mas eu também sou meio que verdadeira”.

O lampejo de originalidade acaba ali. Na sequência, a cantora volta para cantar as preferidinhas do público, arrancando um coro em uníssono da plateia com “Someone Else”, a infame “We Can’t Stop”, seu maior sucesso até a data presente, “Wrecking Ball”, e o hino de festas, “Party In The USA”. Meninas choraram, meninos gritaram, audiência pulou e, com um biquíni da bandeira norte-americana, luvas de cowgirl, chuvas de confete e baseados gigantes, Miley terminou sua “Bangerz Tour” no Rio. Da parte crescida de sua fan base, fica o pedido de investimento nessa faceta recém-descoberta de uma menina que tem capacidade para uma voz própria na indústria. E, se ela quiser investir no rock, que o faça. Afinal, dinheiro, coragem e time de marketing para mudanças drásticas ela já provou que tem. E o público já demonstrou que, mesmo com o estranhamento inicial, irá aceitar o que vier. Afinal, como a própria Miley Cyrus diz: “É a nossa festa e podemos fazer o que quisermos”. É, pode sim. Principalmente ela.

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Fotos: Vinícius Pereira