* Por Tatiana Magalhães
Zizi Possi surge deslumbrante em um vestido longo preto, clássico, perfeito para seu biótipo de prima-dona cool. Elegantíssima, assim como sua voz. E, claro, que vozeirão. A artista conhece bem aquilo que Deus lhe deu e, assim como uma ave de rapina que usa perfeitamente o dom que a natureza lhe concedeu, sobrevoando meticulosamente sobre seu alvo, ela é capaz de traçar milimetricamente uma linha reta para seduzir quem quer que esteja na plateia, pronta a desferir-lhe golpes sonoros. Ou estocadas. Mas, no seu caso, esse ataque, óbvio, nada tem de maléfico, consistindo apenas em puro exercício de domínio sobre o coração alheio. O público, embevecido, se entrega ao seu canto de hárpia, como se um indefeso rouxinol fosse hipnoticamente ao encontro de uma poderosa águia, por simples vontade, mas incapaz de resistir. Assim como um pássaro que plana sem nenhum esforço, Zizi alça vôo sem esforço, plena de si e sem dó alguma de suas presas que, indefesas, só podem sucumbir de felicidade ao seu canto mágico.
No palco do Theatro Net Rio, nesta noite de terça feira (25/3), mais uma vez a estrela soltou seu gogó, com aqueles agudos que doem até a espinha da alma e que lhe renderam a fama. E, com um bom Romanée Conti, envelhece com o tempo sem perder nem o aroma, nem as características que tornaram notável sua degustação A platéia bem que tenta se conter, é carioca e naturalmente blasé ao estrelato, mas, basta entoar standards como “Asa Morena”, que tudo bem abaixo. O canto da sereia não permite indiferença e não resta outra opção a não ser cair de alma.
Nada, em nenhuma circunstância, é capaz de estragar sua música, que soa tão perfeita na voz, ou melhor, nas diferentes vozes de Zizi. Ela flutua por entre diferentes tons vocais, se diverte com timbres como uma criança que explora massinhas de modelar e ainda brinca com nossa cara: “Esse ar condicionado deixa minha voz sei lá com que tom”, solta de uma hora para outra em dado momento do espetáculo. Aham, Claudia, ou melhor, tá bom, meu bem. Então tá. No repertório deste show, intitulado “Tudo se transformou”, ela dá as cartas em um baralho que vai de Chico Buarque a Dominguinhos, passando por Gil, Gonzaguinha e até canta “Cacos de Amor”, uma sensível composição de Luiza, sua filha, em parceria com Dudu Falcão. Mãe coruja.
Fotos: Vinícius Pereira
A noite fecha lindamente com uma versão de “O que é o que é”, sempre emocionante, de Gonzaguinha. Ela manda ver, muito bem acompanhada no palco pelo maestro Jether Garotti Jr no piano e clarineta; Rogério Delayon no violão e cordas e com Guello na percussão. A impressão que se tem, quando se assiste a um espetáculo desse nível vocal, é de que é possível estar em qualquer lugar do mundo, em qualquer teatro do globo que sempre a voz dela seria nefelibaticamente uma experiência divina, digna do Olimpo. O show de Zizi vai além do repertório e, se ela ficasse somente no do-ré-mi, ainda assim cativaria a plateia, colada na cadeira e impassível de se levantar, mesmo que um tsunami varresse o emblemático Shopping dos Antiquários, em Copacabana, onde se encontra o teatro. Tudo é de se admirar, de se ficar olhando, babando e pensando: como alguém neste sistema solar pode ter uma voz tão doce e forte ao mesmo tempo? Maria Callas, Yma Sumac e Sarah Brigthman podem co-existir em um mesmo corpo? Mas a maneira como ela se entrega e se diverte com aquilo tudo é encantador.
A resposta à tal dedicação só pode ser encontrada entre as testemunhas dessa performance. O trio de mulheres que não quis se identificar, mas que demonstrava estar na casa dos quarenta e pouquinhos anos, balbuciava em uníssono, como se fosse um coro de teatro grego: “Sua voz é daquelas por quem você se apaixonaria sem nem ao menos saber de quem se trata”. Já o casal Henrique Santos, engenheiro de 58, e Vera Freitas, psicóloga, 55, são contundentes: “Ela já embalava nossa trilha quando começamos a namorar, há muito tempo”. Mais adiante, a aposentada Nora Veiga, 65 anos de estrada, confessou: “Sei todas as músicas de cor e salteado. Canto sempre enquanto ouço essa melodia incrível no palco. Acho irresistível.” Sim, Zizi é isso tudo: águia que hipnotiza a presa, sereia que entoa cânticos que derrubam marujo emperdenido, ninfa da floresta que ascendeu à divindade e até um certo tipo de flautista de Hamelin, daquele que não precisa de nenhum instrumento além da voz.
Artigos relacionados