“Inadmissível que em pleno século 21 existam pessoas racistas. Só mostra o quanto precisam evoluir”, diz Jessica Ayo


A cantora que passou pelo X-Factor Brasil foi elogiada por Vanessa da Mata e conversou com o site Heloisa Tolipan e falou sobre racismo, inspirações, redes sociais e o novo trabalho que foi adiado por conta da quarentena. “A Vanessa da Mata não sabe, mas ela é uma inspiração enorme para mim. No dia em que ela compartilhou minha canção em sua rede social quase tive um treco”, se emociona

“Ayo em nigeriano significa alegria e felicidade”, conta a cantora e compositora Jessica Ayo

*Por Rafael Moura

A cantora Jessica Ayo, de Campos dos Goytacazes, começou a desenvolver seu interesse pela música aos cinco anos por influencia de seus pais. “Costumava ir ao bar de minha tia. No local, havia um violão desafinado, que fazia parte das minhas brincadeiras, e passava o dia também ouvindo Tim Maia, Noel Rosa, Cartola, Zeca Pagodinho e Elis Regina. Anos depois, ao realizar um trabalho para aulas de português e, a partir desse exercício escolar, passei a compor. Minha timidez jamais me permitiu mostrar esses materiais, mas posso dizer que escrevia todos os dias. É por aí que tudo começou para mim”, revela. A palavra nigeriana ‘Ayo’ significa felicidade, alegria e faz parte do nome artístico da cantora, compositora e produtora cultural.

Com um EP pronto, a artista conta que teve que adiar o lançamento desse trabalho por conta da emergência sanitária causada pelo novo Coronavírus. “Ser artista independente é um desafio. Nem sempre temos os recursos necessários para andar com nossos projetos como gostaríamos, mas estou certa que toda revolução começa por dentro. Foi uma revolução interna, um mergulho em mim. Neste EP trago recortes de experiências pessoais. É um projeto que vai do samba canção à bossa nova e perpassa, inclusive, pelo jazz”, enfatiza.

A cantora Jessica Ayo está com um EP pronto que teve seu lançamento adiado por conta da Covid-19

A compositora conta que neste novo trabalho, utiliza diferentes metáforas para abordar uma mudança que começa em seu íntimo e passeia pelo o universo de outros corpos. “Em ‘Não Vou Mais Chorar’, por exemplo, ousei trazer o desabafo de uma mulher determinada a superar a frustração de uma relação abusiva. Essa mulher poderia ser eu. Afinal, eu mesma vivi uma relação assim. É uma música que fala muito sobre a dificuldade do desapego, ao mesmo tempo que é uma canção que diz muito sobre a força feminina. É engraçado perceber como as minhas vivências foram fundamentais neste processo de composição”, comenta.

E acrescenta: “A canção ‘Pro Nosso Samba Fortalecer’ foi escrita depois de minha passagem pelo programa X-Factor Brasil, um reality show popular no mundo inteiro, ela fala também sobre minha tia que havia falecido por câncer. Já em ‘Capoeira’ traz uma espécie de desabafo, pois falo da minha trajetória e em como é difícil sobreviver de arte no nosso país. Foi uma música que escrevi no Rio. Estar lá, literalmente, de ‘malas e cuias’ como diz a expressão popular, nem sempre é confortável, em muitos momentos foram desafiadores. É sobre essas idas e vindas, sobre tirar força de mulheres como minha mãe, minhas tias e Dandara dos Palmares, mulher negra, minha ancestral, heroína brasileira e ícone de resistência. É sobre tentar se equilibrar fazendo milhares de atividades ao mesmo tempo”.

Indo na contramão de outros cantores, a artista preferiu esperar a quarentena passar para ‘botar esse bloco’ na rua. “No início da quarentena fiquei muito apreensiva. Queria colocar meu trabalho mundo depois de cinco anos trabalhando nisso, mas com o passar dos dias fui aprimorando a minha paciência. Agora estou dedicada estudando estratégias para o lançamento, me conectando com a minha ancestralidade através de leituras diárias, lives com amigos e exercícios físicos. Outra coisa que tenho feito é me reaproximado dos familiares mais distantes”, conta. Ayo ainda fala sobre a importância da saúde mental do povo negro para manter o equilíbrio nesse isolamento. “Tenho feito meditação todos os dias, adoro plantar flores no jardim de casa e evito ler ou ver o que se passa nos noticiários diariamente”.

Durante esse período de isolamento social as redes sociais se tornaram grande forma de comunicação e entretenimento e Jessica confessa não ser muito adepta dessas tecnologias. “Olha, sinceramente, nunca fui muito adepta das redes sociais (risos)! Muita gente tem me seguido nas plataformas. É muito legal essa conexão, mas também é intimidador. Com a quarentena tive uma oportunidade de mudar a forma que me relaciono nelas. Hoje já consigo perceber a importância das redes sociais não apenas como plataforma de divulgação do nosso trabalho, mas também, como uma forma de nos aproximarmos do público. Tenho sorte de ter pessoas próximas que me ajudam diariamente a ficar mais presente nestas plataformas”.

‘Zapeando pelo Instagram’, Ayo teve a felicidade de descobrir que uma de suas ídolas, a cantora Vanessa da Mata tinha compartilhado uma de suas músicas e rendido muitos elogios, o que a deixou radiante. “A Vanessa da Mata não sabe, mas ela é uma inspiração enorme para mim. No dia em que ela compartilhou minha canção quase tive um treco. Liguei imediatamente para minha assessora, pedi a ela para agradecer, pois eu mesma não sabia o que fazer, estava muito feliz e muito nervosa. Quando fui gravar minha primeira música aqui, em Campos, fui levada pelo amigo Victor Deser ao estúdio do Júnior Brasil. A música era um rap, pois na época, era muito ligada ao movimento. Ele virou para mim e pediu para que eu cantasse algo voltado para o MPB. Lembro-me que cantei ‘Amado’, de Vanessa. Então, Júnior virou para mim e disse ‘não vou gravar seu rap nem que pague, pois, sua essência não está no rap. Fiquei uma fera, mas hoje vejo que ele tinha razão (risos). Ainda desejo o dia que poderei agradecer pessoalmente a Vanessa por ter compartilhado meu trabalho com o público dela.

Depois da morte de George Floyd e agora os sete tiros de Jacob Blake, o mundo novamente leva seus holofotes para a questão do racismo e leva, mais uma vez, a hastag Black Lives Matter para o trend topics do Twitter. Com isso, anônimos e famosos negros têm se manifestado ao redor de todo o mundo por conta dessas atitudes truculentas e inconstitucionais. “São gritos inevitáveis, compreendo dessa forma. É inadmissível que em pleno século 21 existam pessoas capazes de expressar atitudes racistas. Isso mostra o quanto a nossa sociedade ainda precisa evoluir. Sou uma mulher negra, sonho com o dia em que farei shows para um público maior e desejo que seja plural: de todas as cores. É isso que faz o planeta ser tão especial”, enfatiza.

Jessica acredita que manter os ouvidos abertos é essencial para qualquer profissional que trabalha na área musical. “Eu ouço de tudo, vou desde cantores mais clássicos até a nova geração. Não me prendo muito a ritmos, gosto da diversidade. Os artistas que ouço com mais frequência e que me inspiram são: Márcia Maria, Ângela Maria, Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Djavan, Marisa Monte, Vanessa da Mata, Marcelo Jeneci, Noel Rosa, James Brown, Erykah Badu, Seu Jorge, Chico Buarque, Maria Bethânia, Leny Andrade, Gal Costa, Jurema, Cassiano, Dea Trancoso, Zé Cachaça, Virgínia Rodrigues, Pedro Luís, Dolores Duran, Maíra Freitas, Mateus Aleluia, Os Tincoãs, Luciane Dom, Luedji Luna, Bezerra da Silva, Jorge Aragão, Marcos Vale, Miles Davis, Baden Powell, Robson Santos, Orlando Dias, Anisio Silva, Zezé Mota, Cazuza e Jill Scott”.

No fim desse papo musical, Ayo conta ao site HT, quais são os artistas que nunca saem da sua playlist, que são suas grandes paixões, musicalmente falando. “Tudo que eu mencionei acima faz parte do meu cotidiano, talvez, não tenha mencionado Legião Urbana, Jorge Vercilo, Tim Maia, Ivete Sangalo, Iza, Alcione, Mali Music, Malia, Zeca Pagodinho, Michael Jackson e Prince. É fato que você vai encontrar esses artistas nas minhas playlists. Eu sou apaixonada pela riqueza da nossa música”, conclui.