* Por Carlos Lima Costa
Relações tóxicas dão a tônica de Toma Essa, novo single de Duda Brack, que representa também o segundo clipe da trilogia Uma Saga de Duda Brack, no qual a cantora mescla música e dramaturgia para abordar o tema. O trabalho conta com a luxuosa participação de Ney Matogrosso. A faixa não é autoral, foi composta por Bruna Caram, mas a estrela desta produção assegura que fala com propriedade sobre histórias vividas por mulheres que se libertam de relações abusivas através da força do poder feminino.
“Acho que toda mulher já viveu algo assim em alguma circunstância. Algumas atingem níveis mais profundos. Ali, no caso, a minha personagem sofreu um abuso psicológico de uma chantagem emocional por parte do rapaz interpretado pelo Gabriel Leone. Isso vai ficando mais nítido ao longo da saga. Ela não é inspirada em uma situação que eu vivi do início ao fim, não é para um homem que um dia eu me relacionei e sim nas várias situações pelas quais me vi passando e como digeri tudo”, explica ela. A música integra Caco de Vidro, segundo álbum da artista, previsto para ser lançado em 2021, e que terá também a canção Man, que vai fechar a atual trilogia, iniciada com Pedalada.
Duda prossegue apontando que este trabalho acaba sendo uma conclusão do discurso apresentado desde o primeiro disco, É, lançado em 2015. “Cada vez fica mais evidente. É a reivindicação do poder pessoal e da mulher. Mais do que levantar a bandeira do feminismo é falar que nós somos, podemos e merecemos. Eu roteirizei a série, que como eu disse é claramente inspirada em situações que eu vivi, mas não uma específica do início ao fim, com nome, sobrenome e endereço. Mostro ali também partes de histórias de outras mulheres, de como vemos o mundo, assimilamos e queremos traduzi-lo para poder contestar, mexer nesses lugares e provocar reflexões”, acrescenta ela, que idealizou, escreveu e dirigiu a saga em parceria com o coletivo de criação Pink e o Cérebro. E espera que Toma Essa sirva de hino para as mulheres.
Ela, então, relembra, uma relação tóxica que viveu, mas em campos mais sutis. “Meu primeiro namorado ficou completamente enciumado quando decidi que ia ser cantora e comecei a me apresentar. Tinha ciúme dos músicos que tocavam comigo, ficava fazendo chantagem para eu não ir aos ensaios. Eu tinha 15, 16 anos e ali eu já entendi que uma relação tóxica não tem espaço na minha vida. Fiquei um ano com ele e terminei a relação, mas tem muita mulher que permanece anos nesse jogo de dependência emocional ou de se sentir subjugada, de precisar de ter um homem ao lado para se afirmar. São camadas profundas que a gente nem tem tanta consciência, eu acho. Eu nunca abri mão de qualquer sonho, sempre lido com certo desconforto com essas situações. Não acho que é qualquer boy que banca, sabe, mas é esse o meu caminho”, explica a cantora de 27 anos, natural de Porto Alegre, que mora no Rio de Janeiro desde os 18 anos.
No clipe de Toma Essa, sua personagem é uma performer. “Aquilo para ela está além de um trabalho. É a auto expressão enquanto mulher e ser humano. Incomoda muito a sociedade ver a mulher se expressar nesse lugar com liberdade”, assegura a cantora, que convidou Ney Matogrosso para uma participação especial. “A Duda é uma artista do agora e com um futuro brilhante. Acho interessante a estética e a narração da história no clipe. Esses temas precisam ser abordados, pois não podemos retroceder nossos pensamentos. Precisamos trabalhar com liberdade. Parece tão pouco, mas isso é de uma importância imensa”, aponta Ney, que no clipe interpreta o dono da boate e coreógrafo que ajuda a expulsar o rapaz da vida da performer. Ney surge em cena com figurinos de seu acervo pessoal , como o que usou em seu show no primeiro Rock in Rio, de 1985.
Duda e Ney se aproximaram depois que ela foi a vocalista do projeto Primavera dos Dentes, tributo ao grupo Secos & Molhados, idealizado por Charles Gavin. “Assim como o Brasil inteiro, minha relação com o Ney começa como fã. E também como uma grande referência, porque sempre me identifiquei com a forma como construiu o trabalho dele. É um dos pilares fundamentais da minha formação como artista. Antes deste trabalho, algumas pessoas já mencionavam alguma semelhança no que fazemos. Alguma coisa provocava um lugar parecido. Aí gravamos o disco, o Ney ouviu, gostou muito, foi assistir o show e amou a linguagem do espetáculo, onde eu dançava e cantava o tempo inteiro. Ali teve um intenso trabalho de corpo, um jogo cênico muito forte. Quando soube que eu estava fazendo esse disco novo, me chamou para lançar pelo selo Matogrosso”, lembra. Duda, então, lhe mostrou as músicas deste trabalho, o videoclipe de Pedalada, e lhe explicou todo o projeto. “Quando comecei a engendrar o clipe de Toma Essa, óbvio que eu o convidei para participar como ator, porque ele também tem essa pegada”, recorda.
Mulher de atitude, Duda explica que a estética de seu trabalho acaba, às vezes, provocando certas dificuldades. “Apesar do número de visualizações que tenho com o vídeo de Pedalada, no YouTube, não pude monetizar, não ganhei um real, porque viola as diretrizes da comunidade, por ter uma cena quente minha e do Gabriel, só que estamos de roupa, e por causa dos peitinhos de uma atriz, é muita hipocrisia. Tem uma cena que aparece duas mulheres se beijando. Quer dizer, poderia já ter um certo reconhecimento financeiro. Acho realmente estranho que em pleno século 21 rede social esteja censurando, por exemplo, foto que vaza mamilo. Mas mamilo de homem pode. Acho isso tudo tão démodé. Não sei se sou uma mulher a frente do meu tempo, acho que o meu tempo é que está atrás dele mesmo”, enfatiza.
Ela conta ainda que não fica mais esbravejando. “Estou em uma de tirar sarro. Em um campo mais superficial talvez as pessoas só enxerguem o mamilo da mulher vazando e uma cena quente minha com o Gabriel. Mas em um campo mais profundo, de quem está entendendo o que está sendo dito ali, existem provocações que são extremamente irônicas e ácidas. Nossa sociedade é muito hipócrita e isso é a falta de liberdade que a gente se dá”.
E acrescenta: “A gente é pouco permissivo com os nossos desejos, com nossos impulsos do inconsciente, e aí precisa ficar reprimindo o outro. Então, a minha militância é para que todos os seres sejam livres, felizes e se libertem. O sexo é sim uma energia vital poderosíssima, mas se coloca tanto tabu em cima daquilo que fica algo sombrio, obscuro e esquisito enquanto que poderia potencializar a humanidade para que ela evolua, inclusive, espiritualmente. Todos esses conceitos nos quais acredito é que movem o meu trabalho. Aquilo que você reprime no outro, você está reprimindo em você e aí não se abre para a amplitude de possibilidades do universo, porque o universo é luz e sombra, é dia e noite, a força masculina e a feminina. Todo mundo tem as duas forças em si. E aí quando a gente fica preso em um lado só, a gente não explora o todo, a integridade da grandeza que é a vida”.
Duda explica que seu novo trabalho está mais pop. “No sentido de que ele está com o diálogo mais abrangente. Eu estou flertando com coisas que estão em voga no pop. O próprio Toma Essa tem o lance do pagodão baiano, um pouco do maculelê, do funk, coisas que estão na moda, mas ao mesmo tempo, faço isso sem cair no modismo, no que está dando certo. Até gosto de ouvir artistas que fazem isso, respeito, mas quando vou fazer o meu, preciso achar a minha forma. Então, acho que meu trabalho continua sendo experimental nesse sentido. O primeiro disco tem uma pegada mais rock e este segundo disco está bem heterogêneo, mas para esse lugar pop, dançante, sei lá bloco de Carnaval, uma canção que está mais para o folk, outra que vai flertar com células rítmicas do Flamenco”, pontua.
E analisa que tem uma costura, “um amálgama que me representa, que sou eu e o Gabriel Ventura que está produzindo o disco comigo. Sou um ser humano aberto para viver todas as experiências que eu sentir vontade, sabe, a vida é impermanência. A gente vai acordar um dia sentindo uma coisa e no outro dia a gente não vai pensar exatamente igual. Estamos em constante transformação, evolução. Não gosto muito da ideia de me rotularem ou me enquadrarem em uma caixinha, sabe, essa é uma cantora de rock, de indie, pagode. Eu posso fazer o que eu quiser e vai ser coerente”.
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