* Por Junior de Paula, de Nova York
A primeira cena de The Realistic Joneses, texto do vencedor do Pulitzer Will Eno, em cartaz na Broadway, diz muito sobre do que ela se trata. Sentados em uma mesa no quintal de uma casa bucólica estão Bob and Jennifer Jones (Tracy Letts e Toni Collette), enquanto a sonoplastia solta sons da natureza viva em volta deles, a iluminação é baixa, como a noite, e os dois estão em silêncio.
– Parece que a gente não conversa muito mais…
– O que a gente está fazendo agora? Exercício de Matemática?
– Não. A gente está – sei lá – jogando palavras um para o outro.
Os dois são interrompidos pelo barulho de uma lixeira sendo derrubada, que é quando entra em cena John e Pony Jones (Michael C. Hall e Marisa Tomei) que, apesar do mesmo sobrenome, não se conheciam já que eles tinham acabado de se mudar para a casa ao lado. Os novos Joneses se apresentam, entregam uma garrafa de vinho de presente e, assim, começa a história dos Joneses, que se aproximarão e se distanciarão de acordo com os acontecimentos cotidianos que envolvem as duas famílias.
Bob sofre de uma doença degenerativa que é o que, no fim das contas, vai unir os dois casais e sobre a qual vai girar grande parte do enredo. É a partir da doença que a gente percebe as fragilidades de um durão Bob, a fortaleza sensível em que se transforma Jennifer, a alienação escolhida de Pony e as dúvidas do inseguro John. Eno, como se sabe, é um mestre em retratar a solidão e a falta de comunicação das relações contemporâneas, faz isso de forma ainda mais efetiva com The Realistic Joneses.
Os quatro personagens são estranhos, quase esquisitos, mas de uma estranheza familiar, que faz a gente se identificar a partir de sua humanidade e o humor fino, quase irônico. Eno mergulha fundo na alma dos personagens e oferece um material de primeira para os atores deitarem e rolarem. Destaque especial para as mulheres, Toni Collette e Marisa Tomei, que, como em quase toda relação, é o que delimita as características dos seus parceiros.
O cenário, apesar de simples, é um deslumbre, com direito até a uma floresta por onde os personagens caminham em alguns momentos, uma luz branca no teto que transforma o palco em um supermercado em determinado momento de uma cenas mais importantes do espetáculo e as duas casas posicionadas cada uma em um canto do palco. É bonito ver no coração da Broadway uma peça tão, digamos, singela e tão existencialista no mundo de efemeridades que se descortinam quando a gente deixa o Lyceeum Theatre.
É, na verdade, mais do que bonito, é surpreendente que se tenha uma obra tão simples e ao mesmo tempo tão sofisticada oferecida em uma bandeja de prata. Se o seu inglês está afiado, vale a ponte aérea!
* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.
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