Você pode não conhecer Peterson da Cruz, mas ele é o brasileiro que está literalmente vivendo um sonho. À frente do grupo Zurcaroh, o paulista Peterson encantou os jurados da 13ª temporada de American’s Got Talent, programa americano que reúne diferentes talentos em uma competição por um milhão de dólares, ao apresentar uma coreografia cheia de movimentos acrobáticos no mês passado. O sucesso foi tanto que o grupo conquistou o Golden Buzzer, maior pontuação da disputa, garantindo um pulo direto para as apresentações ao vivo e, consequentemente, o tão esperado reconhecimento ao redor do mundo. ‘’Nossa participação no programa está sendo um divisor de águas, um reconhecimento através deste holofote. Depois de 22 anos nessa estrada, a sensação é de que Deus chamou a minha senha do reconhecimento. Naquele palco, eu estava em êxtase, um sentimento inexplicável. Eu estava desorientado nas gravações, mas consciente e maravilhado pelo feedback dos jurados’’, conta o coreógrafo que viajou mais de 28 horas para gravar a participação da equipe em frente a um júri composto por Simon Cowell (descobridor de nomes como One Direction e Fifth Harmony), Heidi Klum e Mel B.
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No entanto, nem tudo são flores. Por trás das câmeras, o grupo teve que enfrentar alguns problemas antes de subir ao palco. Além do pouco tempo para se preparem, visto que o convite para participar do programa foi feito em janeiro – após a produção ter visto um curta-metragem feito pelo grupo de dança – e as audições serem em março, Peterson precisou conciliar a vida pessoal de cada integrante e lidar com o desfalque de uma das suas melhores performers. ‘’Foi exaustivo e estressante principalmente para os adultos que lidam com suas profissões paralelas aos treinos. Além disso, tivemos muitos shows pela Europa antes de ir para a competição, onde minha melhor ginasta de oito anos teve crises psicológicas por conta de excesso de estresse. Os médicos disseram que ela não poderia embarcar conosco e tivemos que substitui-la por uma sem muita experiência’’, diz. Mesmo assim, Zurcaroh arrasou e agora precisa enfrentar um desafio ainda mais difícil: se superar. ‘’O que mais pesou na nossa preparação foi o fato de que eu queria impactar com o primeiro show, e para isso selecionei meus exercícios mais fortes. Consegui o que eu queria, porém tenho que arcar com as consequências que é o desafio de suprir as enormes expectativas lançadas sobre nós para manter o nível nos próximos shows.’’
Mesmo com tanta correria, a equipe, que ficou menos de um dia nos Estados Unidos, retornando imediatamente para Áustria, conseguiu desfrutar da experiência com ninguém mais ninguém menos do que – PASMEM – a modelo Heidi Klum, uma das juradas do programa. ‘’Não tivemos muito tempo com os jurados, estávamos cansados e tínhamos que voltar para o hotel. Mas antes de deixarmos o teatro tombamos com a Heidi, que fez questão de conversar com a gente em alemão, língua que falamos no nosso país’’, conta Peterson, que também teve o prazer de conviver com outra ex-modelo e agora apresentadora Tyra Banks, que assumiu o papel de anfitriã. Quando o assunto é bastidores de programa de televisão, sempre se espera várias polêmicas. No entanto, Peterson também é só elogios para os produtores da competição. ‘’Os produtores me deram muito suporte, o tempo todo foram profissionais e atenciosos, aceitaram todas as minhas exigências e isso favoreceu o bom relacionamento. Eles viram que eu estava preocupado com a minha ginasta e eles diziam para eu não me preocupar porque nunca tiveram um grupo tão espetacular quanto o nosso e que estavam felizes por estarmos ali. Isso é muito gratificante’’, completa.
Agora que a euforia já passou, Zurcaroh está focado em apenas uma coisa: na preparação para as duas apresentações ao vivo, que irão ser realizadas após o período de audição. A fim de contar uma história por meio da performance, Peterson promete um espetáculo distinto e interessante, repleto de acrobacias e coreografia acoplada. Segundo o coreógrafo, a decisão de focar somente nessas duas apresentações foi uma forma dele manter o pé no chão e não correr o risco de se decepcionar com futuros resultados. Afinal, o grupo estará competindo com candidatos que já são famosos nos Estados Unidos e alguns ao redor do mundo. ‘’Eu estou trabalhando apenas nas apresentações para as quartas de finais e semifinal. Tenho meus pés no chão. Se formos para a grande final, então terei motivação extra para isso. Se não fomos, não terei motivos para indignação por investir um tempo sem retorno’’, afirma Peterson que já se diz grato pela oportunidade de ter feito parte da competição.
Criado em 2009, Zurcaroh já havia se destacado em outras competições pela Europa, como na França, não só pelas coreografias bem elaboradas como também pela diferença de idade entre os integrantes, que varia entre sete até 40 anos e em sua maioria não são profissionais. De acordo com Peterson, essa mistura não prejudica em nada no desempenho da equipe. Muito pelo contrário: ela é essencial para o sucesso deles e entre eles. ‘’O fato de termos idades diferentes faz com que o grupo se assemelhe mais ainda à uma família, onde os mais fracos encontram forças nos mais fortes e os mais velhos cuidam dos mais novos. Isso resulta em uma união que é vivenciada nos treinos e transpassada por meio das nossas apresentações. Durante uma apresentação, as crianças têm as responsabilidades de um adulto e os adultos entram na magia da dança como uma criança, por exemplo’’, explica. Além da relação entre gerações, Zurcaroh também é reconhecido por unir diferentes culturas. Para o dançarino, essa mistura reflete não só o seu lado brasileiro como também a realidade cultural do país austríaco. ‘’Como a Áustria é conhecida como o coração da Europa por se localizar no meio dela, tornando-se um corredor de passagens de varias nações. Muitas delas ao passarem por aqui acabam ficando, e parti daí se torna um pouco multicultural semelhante ao Brasil, e o Zurcaroh é uma pequena amostra disso’’, diz.
O desejo de ser artista começou, no entanto, muito antes de surgir o Zurcaroh na vida de Peterson da Cruz. Oriundo da periferia de São Paulo, o coreógrafo sempre soube do seu dom para a arte e de que seu lugar não era em uma sala conquistando um diploma. ‘’É a única coisa que eu sei fazer! Sempre fui ruim na escola, nunca consegui fazer uma faculdade. Tinha medo de frequentar e não acompanhar o raciocínio dos outros’’, desabafa. A ideia de construir uma carreira no outro lado do mundo veio, portanto, a partir de desejos pessoais e da falta de incentivo à arte no Brasil. ‘’Vim para a Áustria com o intuito de construir uma família matrimonial. Após decepções no meu casamento, voltei para o Brasil, mas percebi depois que o sonho de construir uma família tinha se concretizado de alguma forma em um ginásio com mais de 30 crianças. Não quis abandoná-las. Uma vez aqui, eu poderia continuar fazendo a diferença e não me intimidar pelo histórico do Brasil, onde me submetia aos limites estabelecidos por uma nação cujo os líderes eram corruptos e seus feitos tiravam oportunidades de jovens e adolescentes em conhecer a arte’’, reflete.
Diferentemente de muitos jovens que tentam construir a vida no exterior, o artista não pensou duas vezes antes de ir embora do país e se despedir dos familiares foi a parte mais fácil desse processo. Para ele, essa mudança representa a oportunidade dele se descobrir após anos convivendo com os pais em um ambiente que não lhe satisfazia. ”Nunca me senti bem vindo no meu seio familiar. Não por minha família ser má, mas pelo fato de serem incapazes de suprir o vazio do meu coração. Amo demais meus pais, só que eles eram muito jovens quando vim ao mundo. Minha infância e adolescência foram marcadas por crise de identidade e nunca descobri minha posição dentro do âmbito familiar”, conta. Hoje, com a criação do grupo acrobático, Peterson encontrou não só o seu lugar no mundo como também na própria família. ”Com a minha equipe, meu projeto e meu círculo de amizade, não tenho mais esse sentimento. Hoje, eu me sinto importante para eles”, completa.
Apesar de não ter planos de morar em terras tropicais novamente, ano passado, Peterson da Cruz retornou ao Brasil duas vezes para tentar realizar um projeto social ligado à arte com famílias carentes no Rio de Janeiro e São Paulo, no qual seriam oferecidos workshops e um show. No entanto, sua proposta não foi bem recebida devido à ausência de retorno financeiro para os órgãos responsáveis. Para Peterson, essa situação, infelizmente, limita o desenvolvimento dos talentos que existem no país e mostra a necessidade de ir atrás de mudanças. ‘’Não canso de expor que o Brasil é um grande celeiro de talentos, o povo brasileiro já nasce com isso. Mas precisamos de espaço físico, apoio de profissionais e incentivo financeiro. Sabemos que isso não está disponível na próxima esquina, só que se não lutarmos e focarmos somente nas barreiras a nossa volta não chegaremos a lugar nenhum. Temos que criar asas para não nos submetermos a esse sistema corrupto e fracassado que tentam nos parar’’, desabafa.
Artista há mais de 20 anos, Peterson da Cruz, que se sente realizado com tudo o que tem conquistado, não tem hora de parar e encara o desafio de fazer arte em qualquer lugar com ritmo preciso. Mesmo estando em preparação para a competição no America’s Got Talent, o coreógrafo já tem novas cartas na manga. ‘’Tenho dois grandes projetos. Um social para resgatar jovens brasileiros por meio da arte e do esporte e o meu show em Las Vegas’’, conta. E pode ter certeza de que quando Peterson coloca algo na cabeça, ele vai atrás. Afinal, ele é brasileiro. ‘’Sou do Brasil, então sou favorecido no título de perseverar.’’ Continue arrasando, Peterson!
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