Depois de lançar Bluesman, disco essencial de 2018, Baco Exú do Blues revela ambições para 2019: “Nada menos do que conquistar o mundo!”


Depois do sucesso em “Esú” e “Bluesman”, o rapper revela as consequências de tanta exposição e sinceridade em suas letras: “Eu cheguei num ponto que tinha uma música que eu não conseguia cantar no palco”

Sinceridade: é com essa palavra aparentemente inofensiva que Diogo Alvaro, mais conhecido como Baco Exú do Blues, tomou as rédeas da sua carreira e vida. O músico premiado lançou recentemente o seu segundo disco, chamado Bluesman e por meio dele, foi responsável por trazer uma profunda reflexão acerca de temas ainda desconfortáveis. Com letras que atingem de forma certeira os nossos preconceitos, Baco vem em uma escala crescente de sucesso e compromissos desde o lançamento, mas conseguiu um tempinho para conversar com o site HT sobre as mudanças em sua vida, inspirações e militância.

Depois do sucesso explosivo, Baco comentou sobre as suas inspirações (Foto: Reprodução)

Sempre bem objetivo em suas respostas, cada frase de Baco se assemelha a uma possível composição. Dessa forma, sem delongas, o rapper iniciou a conversa contando em que momento ele e a arte se uniram. “Quando eu era criança, uma pessoa da minha família morreu e eu comecei a lidar com isso de uma forma diferente. Eu tinha medo de ser esquecido, então busquei por algo que marcasse o mundo e que não deixaria as pessoas me esquecerem e encontrei a arte. Eu queria ser eterno”, admitiu, relembrando a ‘imortalidade’ dos grandes artistas pelo mundo. A conexão com a música veio só depois, a partir de uma dificuldade que aparentemente o impediria de cantar. “Eu tenho problema de dicção e antigamente, era bem pior. Por isso, eu evitava falar ou cantar e tinha o hábito de escrever. Comecei a anotar algumas coisas em um caderno e elas se transformaram em poemas e depois letras de rap. Foi inevitável”, afirmou.

Nascido e criado na Bahia, mais precisamente em Salvador, o menino se viu fazendo música e quando notou não tinha mais como voltar. Aceitando esse amor e se esforçando para passar a sua verdade no que escrevia, o jovem começou a ganhar popularidade em 2016, após o lançamento da faixa “Sulicídio”, que representa uma crítica ao cenário do rap nacional. Na música, feita em parceria com o rapper Diomedes Chinaski, a reivindicação de mais visibilidade para a produção musical de outros estados brasileiros, além do eixo São Paulo – Rio de Janeiro, é escancarada. Sem esconder o amor pelo seu estado natal, Baco explicou a relação entre o lugar e a arte como um todo: “Qualquer músico que vem da Bahia é diferente, porque a Bahia não é um lugar igual. A cidade pulsa cultura de uma forma inigualável, as cores são diferentes, a energia é diferente. Todo músico e todo artista de Salvador é influenciado pela musicalidade desse lugar. Não tem para onde fugir”.

Assim como na música que o impulsionou primeiramente ao sucesso, em nossa conversa, ele destacou a dificuldade de ser artista em um local esquecido. Enxergando a Bahia como um berço, sem pai nem mãe, o cantor lamentou: “Falta uma pessoa para nos conduzir, sabe? É um lugar repleto de gente muito talentosa, mas existe alguma coisa aqui que nos prende. Eu não sei explicar muito bem, mas eu sinto. Foi o que me prendeu por muito tempo e prende muitos outros até hoje. Eu olho para o lado e vejo irmãos com muito talento, mas cadê as oportunidades? E quando elas aparecem, onde estão as pessoas para nos conduzir?”. Apesar da triste e confusa realidade, aos olhos do brasileiro, a situação está melhorando: “Eu acho que as portas já estão bem mais abertas, comparando com alguns anos atrás, e agora é preciso focar mais”.

Com esse pensamento, Baco lançou em 2017, o seu primeiro álbum solo. “Esú”, aclamado pela crítica e pelo público, trouxe referências de Jorge Amado, Machado de Assis, Mário de Andrade, Pedro Almódovar e Mario Cravo Jr. O projeto, que foi eleito como o melhor disco de 2017, teve uma produção repleta de dificuldades e obstáculos. “Eu era um garoto em um home estúdio, que apesar de ótimo, como o nome já diz, era dentro de uma casa. Éramos eu e a equipe, dando mil giros para resolver todos os problemas que apareciam. Foi feito com muita vontade e com recurso quase zero”, informou. Para ele, produzir “Esú” dessa forma foi uma mensagem para além de suas letras: “Era necessário fazer daquela forma para mostrar que tinha um valor naquele trabalho, no rap que vem de dentro da Bahia. Foi gravado, mixado, e editado dentro da Bahia, por um cantor baiano. Percebe a potência disso?”.

O rapper tem orgulho de produzir suas músicas na Bahia (Foto: Divulgação)

Depois desse primeiro momento de grande sucesso, o público e a mídia ávidos por mais, começaram a pressioná-lo, no que diz respeito a qualidade do segundo álbum. Muito concentrado e autocrítico, Baco comentou esse momento: “Eu estava numa guerra comigo mesmo para admitir coisas que eu havia colocado em Esú e por isso, acabei não prestando atenção na pressão exterior. Eu estava apenas focado em mim, nada de pensar que eu precisaria fazer algo de sucesso”. E continuou desabafando sobre a repercussão do primeiro álbum e possíveis cuidados com o segundo: “Eu estava preocupado em expor os meus pensamentos e as minhas dores de forma certa, porque em Esú eu saí falando tantas coisas, sem nem pensar nas consequências direito. Essas letras ajudaram muitas pessoas, mas prejudicaram outras e até a mim mesmo. Então, em Bluesman, eu tive um cuidado com a saúde mental buscando falar de forma mais indireta, porque o direto demais pode ser prejudicial para quem está ouvindo e para mim também”. Ele, que demonstra tanta força e sensibilidade em suas músicas, revelou mais uma vez o seu lado humano, ao dar continuidade ao relato: “Eu cheguei num ponto que tinha uma música que eu não conseguia cantar no palco, que é a En Tu Mira. Então foi um processo muito delicado, de priorizar um cuidado comigo e com todo o público”.

Mesmo com esse dilema interno, Baco lançou Bluesman e a repercussão positiva veio como nunca. Junto com os sentimentos de amor, perda, dor e conquista cavados por Baco, há um amadurecimento visível, quando comparamos com o primeiro álbum. “O Bluesman vem do ponto onde eu amadureci, não apenas como músico e artista, mas como pessoa. É um disco de texturas e sentimentos, que materializa o meu amadurecimento musical. Sou eu tomando as rédeas da minha vida e do meu trabalho”, explicou ele. O projeto, muito mais sentimental, também em seu objetivo demonstra a sensibilidade do compositor: “Eu queria criar um movimento de defesa, onde as pessoas são livres para serem pessoas, sem considerar os estereótipos que a sociedade deposita nelas”.


Em meio às letras que tratam de incompreensão e cobrança, como “Minotauro de Borges” e “Me Desculpa Jay Z”, o cantor não esconde o favoritismo pela faixa “Kanye West da Bahia”. Tratando do desejo de ser maior do que a música e maior do que a indústria que a comanda, a letra fala do rapper como alguém que consegue esses feitos. Sem esconder que o enxerga como uma referência, apesar das polêmicas, Baco deu detalhes sobre a relação: “O Kanye West pode ser uma boa referência sempre, porque por mais merda que ele tenha na vida pessoal dele, continua sendo um cara que produz os discos mais revolucionários da cena”. Apesar de não concordar com a separação entre a pessoa e o artista, ele acredita que nesse caso, essa divisão é necessária. “Uma coisa é uma pessoa consciente fazendo merda, outra coisa é uma pessoa que ficou internada por meses, saiu maluca da cabeça e psicologicamente abalada. Ele mostra isso desde o começo. As pessoas se preocupam mais em julgar o cara do que em ajudar. Eu não me identifico com as falas deles, mas eu entendo que ele teve muitos problemas mentais e agora está atirando para todos os lados para chamar atenção. Dá para separar a pessoa do artista quando você sabe que ela perdeu a estribeira da vida, sabe?”, pontuou.

Relembrando as polêmicas de Kanye, o cantor aproveitou para introduzir a questão do machismo na indústria da música, principalmente no rap. “Onde tem homem, tem machismo. É algo muito simples, o cara pode ser o mais descontruído possível, mas você homem continua sendo machista, porque só a sua existência oprime várias pessoas que você nem conhece”, admitiu. Com essa mesma sinceridade que lhe é peculiar, Baco destrinchou um pouco do tema que aparece na maioria dos seus trabalhos: o racismo. “Essa história que a meritocracia prega de que basta correr atrás é falha. Você, negro e negra, tem que entender que correrá três vês mais do que qualquer pessoa branca. Você vai lutar três vezes mais para conquistar o seu espaço. Se você não for uma pessoa que confirma o personagem negro que a sociedade quer ver, fica mais complicado ainda. As pessoas não estão acostumadas a ver um negro fora do personagem, que saia do quadradinho que foi desenhado para ele permanecer, e quando veem, isso incomoda. Essa realidade é dar murro em ponta de faca todos os dias. E por mais que você consiga alcançar o sucesso, as pessoas sempre serão racistas”, reforçou.

Misturando sentimentos de dor, conquista, perda e amor, Baco lançou recentemente o álbum Bluesman (Foto: Divulgação)

Quando questionado sobre esse personagem citado, Baco traz a discussão para si, enquanto rapper negro e militante. “Eles esperam que eu faça cara feia e que eu fale só de gueto e de como existe felicidade nas periferias. É um blá-blá-blá sem fim. Como se eu fosse só uma bandeira de luta, mas e os meus direitos de respirar e sentir sem ser essa bandeira? Não sou um bonequinho militante que fala sobre isso 24h por dia. Eu milito sim por várias coisas, por meio da música e pelo o que eu sou, mas as pessoas precisam entender que eu respiro, eu como, eu vou ao banheiro. Sou um ser humano normal”, indignou-se. Apesar do lamento, ele consegue enxergar claramente o papel político e social da arte em sua militância: “A arte é a nossa única salvação, ela está em mim, em você e está no ar que a gente respira. E nessa geração de pessoas que vão atrás de tudo, a arte é a forma mais básica e mais natural de educação”.

Ainda sem conseguir digerir tudo o que vem acontecendo, como a conversa pelo Instagram com Beyoncé, uma de suas maiores referências, o rapper explicou que não enxergar o sucesso de forma vislumbrada é o melhor: “É uma parada muito brutal e apesar da grande e positiva repercussão na mídia, ainda não senti isso. Minha ficha não caiu, sabe? Ainda não parei para pensar que esse projeto superou todas as minhas expectativas. Eu acho isso bom no fim das contas, porque às vezes a gente para pra pensar no sucesso e ficamos com a cabeça meio maluca. Prefiro me ocupar do trabalho”. E assim, com projetos e mais projetos e já desenvolvendo o novo álbum ainda sem data de lançamento, Baco revelou com muita ousadia e determinação os planos para 2019: “Nada menos do que conquistar o mundo”. A gente não tem dúvidas de a conquista já começou.