Daniela Mercury sabe: é “íntima do público”. No estrelato desde 1992, quando lançou o álbum “O Canto da Cidade”, responsável por levar o axé music à evidência, ela é colecionadora de prêmios: já venceu um Grammy Latino, seis “Prêmios da Música Brasileira”, um pela APCA, três do Multishow e dois do VMB. Além disso, vendeu mais de 20 milhões de discos ao redor do mundo e chegou a ser apelidada por uma rede de TV americana de “Carmen Miranda dos novos tempos”. Ela, que sempre abraçou a pluralidade ética e cultural do Brasil, luta por suas causas com garra de mulher forte. Em 2013, Daniela resolveu casar-se oficialmente com a então namorada Malu Verçosa e levantou mais uma bandeira: a luta pela causa LGBT. Antes de apresentar seu show “A Voz e o Violão” na Área de Eventos do Shopping Vila Velha (ES) no dia 18 de março, ela conversou com exclusividade com HT sobre feminismo, política, homofobia e música, convidando o público a refletir ao seu lado. Desde 1995 ela é embaixadora nacional da Boa Vontade do UNICEF e, nos últimos 21 anos, estudou tudo relacionado à constituição. É por isso que ela sabe o que diz. Cheia de embasamento e atitude, Daniela arrasta legiões de seguidores e fãs e não precisa de apresentações. Deixamos que ela fale por si.
“As músicas, quando tocadas apenas com voz e violão, ficam despidas. As pessoas escutam de outra maneira”
“O show, apesar de ser ‘A voz e o violão’ não é nada intimista, é vibrante. Eu sou muito solar, comunicativa, enfim… me acostumei a fazer shows gigantescos. Lido com teatro com muita espontaneidade. Vira meu stand up em vários momentos, porque o teatro traz essa possibilidade. Tudo soa mais engraçado e é escutado por todos, tem um padrão de atenção diferente. O teatro italiano dá essa possibilidade, o teatro baiano é trio elétrico. É como se eu recuperasse a expressão mais delicada do teatro, com corpo, textos, falas. As canções já tem um roteiro, então eu vou contando histórias e cantando as canções. Falo do Brasil, da minha vida, dos anos 80 e 90. O ‘voz e violão’ também surgiu em comemoração aos 30 anos do axé. O nascimento do ritmo aconteceu em 1985, no auge do rock em Brasília, então, ao mesmo tempo que eu vou cantando, falo da ditadura, canto “Cálice” (de Chico Buarque), falo de histórias de quando eu era pequena, da ditadura. É um voz e violão sem banquinho, nada disso. Fico em pé, danço também, tem roupas super cênicas. É uma performance. Eu uso o palco todo, com bailarina, quebro a quarta parede, desço do palco, circulo pela plateia, faço momentos interativos em que o público tem espaço de recitar poesias, dançar, cantar. Eu os provoco a interagir comigo e faço como se fosse um flashmob. Já teve até pedido de casamento! É um show inteiro sem formalidades. Eu acho que, tanto quando fiz orquestra e agora, com voz e violão, tem uma tranquilidade no comunicar, olhar no olho, ouvir as pessoas, fazê-las participar. No bis eles fazem a percussão com a mão, me ajudam. Eu brinco dizendo que é a maldição da rainha má. São todos quietos me escutando. Mas a intimidade com o artista que já conhecem há anos faz com que tenha uma leveza. As pessoas são muito íntimas minhas. Falo coisas que penso que as vezes as pessoas não escutam em outros momentos. É tudo espontâneo. As músicas, quando tocadas apenas com voz e violão, ficam despidas. As pessoas escutam de outra maneira”.
“O brasileiro fala muito mal de si, não gosta de ser indígena, preto, pobre”
Essa personagem (criada em suas performances) tem sido interessante porque o lúdico e a ficção são uma forma de as pessoas me verem de outro lugar. Ela é uma rainha má, cria a subversão da ordem, estimula as pessoas a verem as coisas pelo avesso. A personagem é para questionar o mundo: o que chamam de bem e mal? Estamos vivendo um momento que ninguém discute nada, todo mundo quer conciliar tudo. Ao mesmo tempo, estamos voltando a falar de feminismo, questões sociais. Acho isso legal. Resolvi brincar com isso para trazer pra sátira, o lado da paródia. Essa rainha má na verdade é uma grande brincadeira para falar de coisa séria, que é o jeito mais forte e consistente de fazer as coisas. As pessoas não aguentam discursos. Essa personagem fala sem papas na língua, briga, se indispõe pelo bem do todo. Nunca gratuitamente. Essa rainha má sou eu. Eu ponho as minhas maldições para as pessoas. As crianças e adultos adoram. Essa personagem nasceu quando eu estava tentando, em casa, explicar para as nossas filhas que elas não deviam aceitar o lugar que a sociedade as coloca. Esse negócio de Cinderella, Bela Adormecida, mulher que espera, que anda no trilho, não existe. A rainha má é uma mulher forte, contestadora, mas eu vou falando para o lado social. Falo que o brasileiro se amaldiçoa, que a rainha má não tem o que fazer se o próprio povo se paralisa, não valoriza o conhecimento. Quem não valoriza o conhecimento já não anda. Digo que a rainha má não tem serviço porque o brasileiro fala muito mal de si: não gosta de ser indígena, preto, pobre. Para que preciso amaldiçoar vocês? Ela vem instigando isso”
“Meu axé é de preto”
“Sempre fui uma mulher muito questionadora, meu axé é de preto, tenho espírito rock ‘n roll, falo das coisas mais duras, tem protesto, é denso, profundo. No meu show eu canto canções do lado afro, que é o mais importante do meu trabalho como um todo. É meu DNA. Eu sou a séria, a que contesta, que fala direto, a vida toda fui assim”.
“Desde menina eu vejo gente sem separar sexo”
“Eu tenho chegado a conclusão de que quanto mais as mães são fortes, mais machistas são os filhos, para contrapor essas mães. Porque as mulheres são muito poderosas. Temos que ter muito cuidado, porque tem a coisa do psicanalítico. Mas as mulheres precisam estar atuantes na vida politica do país. Tenho a postura de, desde menina, que eu vejo gente sem separar sexo. Penso em pessoas. Sempre valorizei o ser humano. Mas temos que voltar a falar dessa separação homem e mulher. É uma questão muito complexa: ser mulher aqui é diferente de ser na China, no Japão, nos Estados Unidos. Cada sociedade cria a mulher dentro de um contexto. Em casa lugar ser mulher é diferente e isso é construído a partir do social. Temos que entender o ser mulher dentro do contexto cultural brasileiro, as representações na sociedade”.
“Se não quisermos nos indispor com a luta, nada muda”
“Eu fiz um manifesto feminista antes de começar tudo isso de (Eduardo) Cunha (presidente da Câmara dos Deputados, filiado ao PMBD-RJ), dessas convenções que criam um atraso gigantesco para as leis e para o país. Acho importantíssimo afirmar nossos espaços, as jovens se posicionando, dizendo que não aceitam a violência, que não aceitam que tirem nossos direitos. A gente que tem que sair desse lugar da escuridão social, preconceito. Não devemos aceitar! Esse também é meu discurso em relação ao racismo. Não dá para achar que as coisas já estão no lugar, tem que ter luta. Se não gastarmos energia, não quisermos nos indispor com a luta, nada muda. O que começou com a queima dos sutiãs foi importantes, mas não ficou tão profundo no mundo”.
“Cada mulher que se impõe nos liberta”
“O ser mulher na maioria do país é estar dentro do contexto de subordinação. A maioria das mulheres sustenta a casa, mas não são consideradas pessoas com o poder dos homens, com a autoridade, a inteligência, o poder de liderança. A mulher, fisicamente, é mais frágil mesmo, mas isso é usado contra nós. Aí está o preconceito. Uma mulher para conseguir fazer algo que um homem faz tem que fazer muito mais esforço. Impor autoridade conquistada por mérito é, para nós, muito mais difícil, temos que provar tudo o tempo todo. Isso é muito desgastante. Perdemos tempo e saúde. As mulheres acham que não podem mandar porque lugar de mulher não é esse. Difícil mudar quando as vítimas do sistema não se impõe. Eu canto ‘cada mulher que se impõe nos liberta’ (na música “Rainha do Axé”) e é isso: é mais fácil quando alguém vai atrás. As pessoas têm medo de fazer o que ninguém nunca fez também. Eu não. Eu adoro que ninguém tenha feito antes o que eu faço, mas a grande maioria é medrosa, não quer sair na frente fazendo o que ninguém fez. É preciso coragem. Vou citar Renato Russo que diz que “compaixão é fortaleza, ter bondade é ter coragem”. Precisamos ser mais generosos com o mundo e fazer o que tem que ser feito. Se não nos dão lugar, a gente corre atrás”.
“Se as pessoas não falam com tranquilidade e naturalidade das relações homoafetivas parece que é algo errado”
“Se todos nós estivermos vivendo uma vida familiar clara, transparente, nos fizermos ver, se dermos visibilidade às nossas famílias, às relações amorosas, dermos beijos nas ruas, falarmos claramente, todo mundo vai naturalizar a questão. Se as pessoas não falam com tranquilidade e naturalidade das relações homoafetivas tudo fica complicado, porque parece que é algo errado”
“Estou aqui de corpo aberto, tenho orgulho do meu amor e ai de quem tentar me cobrir. (…) Temos que lembrar a sociedade o tempo todo. Não tem nada de feio, errado ou chocante”.
“Sou uma artista pop, uma mulher conhecida que sempre falou sobre tudo. Eu tenho sido combativa, afirmativa e explícita a vida toda, mas em lugares onde as pessoas nem sempre viam. No momento que vejo que tenho risco de ficar no lugar que a sociedade quer me colocar eu quero sair da caixa. Não sou subserviente à sociedade. Sempre me respeitei e a respeitei a diversidade humana. Uma situação dessa (posar nua ao lado da companheira para a capa de seu novo disco) só faz as pessoas verem e reiterarem quem eu sou. Foi uma reiteração artista, porque é um espaço meu. Se eu fosse artista plástica, estaria trazendo essa questão em uma obra. Isso não é campanha, é expressão da alma. Eu usei a capa do disco “Vinil Virtual” para dizer: ‘Estou aqui de corpo aberto, tenho orgulho do meu amor e ai de quem tentar me cobrir’. Estou aqui para escancarar esse amor porque é preciso fazer isso. A gente pensa que as nossas causas já estão estabelecidas no inconsciente coletivo, mas nem sempre estão. Se fosse, seria mais simples. É uma capa linda esteticamente, que traz a questão dos anos 70 de volta, da luta contra a violência com uma mensagem de paz. Desde pequena eu sempre quis encontrar novas formas de dizer que estou aqui. Essa capa é tudo flor, é tudo amor. Lindamente. Por que não? Tenho 50 anos e achei que estava tudo dito, mas volta a ser necessário dizer as mesmas coisas, só que de outra forma. Temos que lembrar a sociedade o tempo todo. Não tem nada de feio, errado ou chocante”.
“Vivemos uma vigilância do autoritarismo religioso, impondo o certo e o errado. A arte é a minha religião”
“O disco ‘Vinil Virtual’ também é de expressão do pensamento em vários sentidos. Tem vários assuntos. Tem o lado da artista madura que está se expondo dentro do trabalho, mas o principal é o lado do quanto a arte é libertadora, é uma conexão com o divino, um instrumento legítimo de conexão com o universo. Falamos muito de espiritualidade, mas a arte é a minha religião. Vivemos uma vigilância do autoritarismo religioso, impondo o certo e errado dentro de uma religião. Eu fui criada em um lugar sem dogmas. Existe luz além da luz religiosa, espiritualidade, amor, relação humana. Muita coisa além das religiões”.
“Devemos exigir núcleos de trabalho e reflexão e campanha contínuas contra qualquer tipo de violência”
“Todas as politicas públicas são importantíssimas e dão dimensão para campanhas. Trabalho com a Unicef há mais de 20 anos e vi que as campanhas contra trabalho infantil, direitos da criança e do adolescente e outras só tomaram proporções devidas quando o governo tomou a causa para si. Isso é dever para o governo. Tudo que é nocivo para a população deve ser combatido. O governo representa a população e tem que fazer isso. As iniciativas são importantes, sim, mas a questão é que tudo é moda também. Eles rapidamente tentam contemplar grupos ou histórias que estão aparecendo mais. Acho que todas as iniciativas são válidas e qualquer tipo de articulação nesse sentido é bem-vinda. Devemos exigir núcleos de trabalho e reflexão e campanha contínuas contra qualquer tipo de violência. Quanto mais frágeis, mais o governo tem obrigação de cuidar dessa população. Quando a gente se manifesta eles rapidamente fazem. O Rio de Janeiro, por exemplo, é um núcleo importantíssimo de luta. Tem grupos fortes, centros culturais importantes, exemplos para o resto do Brasil. Eu me manifesto sobre tudo na vida. Não tenho medo de polêmica, para o bem, ela tem que ser feita. É positivo quando as lutas são legitimas”.
“A bancada evangélica percebeu que tirar direitos já conquistados incomoda muito a sociedade e que isso consegue notoriedade. Como sempre há conservadores e ignorantes, eles aproveitam isso para ganhar dinheiro e se fortalecer”
“Sou de formação católica, acompanho muitos movimentos políticos da igreja. Não podemos ser ingênuos. A bancada evangélica (no Congresso Nacional) sabe que aquilo é um espaço de poder, e foi tomado por eles. Aquilo é uma ocupação de poder a partir da popularidade conseguida por eles. Infelizmente, apesar de tudo, a constituição e o formato democrático deixam a sociedade livre para lutar com espaços de liderança no congresso nacional. Não há como tirar eles dali, o que há é como ocupar lugares para contrapor aquilo. Precisamos de mais deputados lutando pelos avanços das mulheres, minorias. Isso não tem que ser um assunto de pequeno porte dentro do Congresso. A sociedade tem que dizer na totalidade, não só as minorias, porque as lutas das minorias são as da maioria. Temos que dizer o que não aceitamos dentro do universo legislativo, seja por meio de consultas populares ou manifestações. Se não for desse jeito temos dificuldade de impedir de leis absurdas sejam aprovadas. A bancada evangélica percebeu que tirar direitos já conquistados incomoda muito a sociedade e que isso consegue notoriedade. Eles querem polêmica para serem populares de alguma forma. Como sempre há conservadores e ignorantes, eles aproveitam isso para ganhar dinheiro e se fortalecer. Não é nem questão de ser evangélico. A disseminação da religião não é o motivo principal de eles estarem ali. É pelo poder, seja econômico, político ou individual. Eles não estão em prol de uma igreja, mas deles mesmos. Isso é claro. No país, o que não devia poder acontecer é concessão de meios de comunicação para grupos religiosos. O problema já começa aí: em concessões públicas de rádio, TV. Essas são algumas coisas que a liberdade e a democracia causam, então, já que há liberdade democrática pra ocupar lugares no congresso, TV e rádio, a sociedade livre – independente das crenças – precisa ser atenta e estar ciente pra se manifestar contra qualquer tipo de perda de direitos por conta da imposição de dogmas religiosos dentro da política. Não podemos perder direitos e conquistas da modernidade individuais, das mulheres, crianças e outros por conta de qualquer olhar religioso dentro da politica ou de qualquer área da sociedade”
“Estudei sociologia e isso me fez uma cidadã mais preparada, uma artista que usa o lado de militante social com base”
“Aprendi muito com meu trabalho na Unicef. Fiz um curso paralelo de sociologia nos últimos 20 anos e participei de milhares de fóruns sobre todos os assuntos relacionados ao planeta, questões sociais brasileiras – assuntos que extrapolam o universo da criança e adolescente – para entender a gente, o Brasil. Isso me fez uma cidadã mais preparada, uma artista que usa o lado de militante social com base. Estudei anos, participei de discussões. Fui embaixadora da Unesco na luta contra a Aids, participei de dezenas de encontros. Falo com propriedade sobre tudo das crianças e adolescentes no Brasil porque eu conheço o estatuto. E uso esse conhecimento o tempo todo pra ser a cantora e cidadã brasileira que sou. Participo de campanhas, articulações e mobilizações de todo tipo! Eu e Malu (Verçosa, esposa) cedemos imagens exclusivas do nosso casamento no cívil, realizado na nossa casa, para o videoclipe da música ‘Maria Casaria’ que faz parte da campanha ‘Livres e Iguais’ da ONU em prol da igualdade de direitos para homossexuais. Estive na ONU em Nova York e falamos sobre, de uma vez por todas, criminalizar a homofobia no Brasil. É a primeira campanha de homofobia da ONU, que eu já sou embaixadora e agora sou ícone da luta LGBT. Eu e Malu recebemos o título de “campeãs da igualdade” na Organização. Estamos fazendo confusão, é nosso papel”.
“Somos patrões do governador, dos prefeitos”
“Sempre fiz meu papel. Até no carnaval eu falo, dou broncas nas autoridades. Digo que a polícia é feita para proteger, não bater. Vamos fazer nossa revolução individual! Exigir nossos direitos, dominar, conhecer. Tudo que é do povo, público, é nosso. Somos patrões do governador, dos prefeitos, ainda que eles tenham autoridade inquestionável, mas nós temos direito de falar com respeito e buscar tudo o que precisamos. Gastamos tanto tempo com tudo e não ocupamos nosso lugar social de dever e de direito. Fica meu recado: usem o poder da maneira correta! É uma convocação”.
Serviço:
Data: 18 de março, sexta-feira
Show às 22:00h (abertura dos portões: 20:30h)
Local: Área de Eventos Shopping Vila Velha
Classificação: 16 anos.
(Menores com idade entre 12 e 15 anos terão acesso somente acompanhados dos pais ou um responsável legal. Menores de 12 anos não terão acesso ao evento)
Ingressos:
Cadeira Prata: R$ 40,00 (meia) – R$ 80,00 (inteira)
Cadeira Ouro: R$ 50,00 (meia) – R$ 100,00 (inteira)
Mesa Diamente: R$ 600,00
Mesa Platinum: R$ 700,00
Lounge para 10 pessoas: R$ 2.500,00
Informações:
Telefone: (27) 4062-9010
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