Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa a peça em que Paulo Betti refaz sua trajetória. “Monólogo que merece efusivos aplausos”


Em cerca de duas horas, Paulo conta sua história – em texto escrito por ele – dirigido por Rafael Ponzi. A peça está em cartaz até o dia 10 de maio no Centro Cultural Correios

* Por Rodrigo Monteiro

O altíssimo êxito de “Autobiografia Autorizada” pode ser medido por sua duração. Um bom monólogo pode durar 60 minutos e precisa ser ótimo para se apresentar ao longo de uma hora e meia. Esse monólogo de Paulo Betti dura duas horas e deixa “gostinho de quero mais”. Além de extremo bom gosto na articulação dos vários elementos, o espetáculo dirigido Rafael Ponzi e pelo próprio Betti tem ainda muitos méritos no desenvolvimento da dramaturgia e principalmente no modo como a encenação se dá. É bonito ver como o ator consegue levar o público aos momentos mais dramáticos e também aos mais cômicos da história que ele narra enquanto embala a atenção da plateia por suas próprias histórias individuais. Eis aqui uma pérola na programação do teatro carioca!

Paulo Betti em cena de "Autobiografia Autorizada" (Foto: Mauro Kury(

Paulo Betti em cena de “Autobiografia Autorizada” (Foto: Mauro Kury(

Memórias de sua própria infância foram inspiração para o texto de “Autobiografia Autorizada”, mas a essa análise interessa principalmente o modo como essas imagens resultaram em tão boa dramaturgia. No palco, a exposição dos fatos não acontece de forma linear. Em cada trecho, o início às vezes é o fim, a opinião presente molda a narrativa do passado, os assuntos evoluem em vários momentos de forma surpreendente. O resultado é que, em cena, o tom do texto permanece muito próximo de uma conversa real, desprovida de poética, enquanto o espetáculo, do qual esse mesmo texto faz parte, é repleto de lirismo em todos os cantos. Assim, o público permanece de coração aberto para ouvir a história que lhe é narrada, mas também plenamente suscetível para a toda a carga de poesia que a peça oferece. Sem dúvida, construir esse tipo de ambiente para a fruição é mérito pelo qual Paulo Betti merece os aplausos iniciais.

A história percorre as lembranças de Betti antes dele se dedicar ao teatro e obter fama nacional por isso. O personagem de “Autobiografia Autorizada”, nesse sentido, pode ter o mesmo nome do grande ator conhecido Brasil a fora, mas é, naquela ficção, muito próximo de vários nós. A infância pobre, os primeiros contatos com o rádio, com o cinema e com a televisão, as aventuras na escola, no ambiente religioso, na vida urbana, o passado da família e com os amigos são relatos que aproximam palco e plateia apesar das diferenças de época e de cultura que possam haver entre um e outro. No seio da relação, está o homem, altar diante do qual a boa dramaturgia se curvou dos gregos até aqui. Ainda no que diz respeito ao texto, o valor desse espetáculo está também na importância à situação de homem contando para outros homens sobre a sua existência.

(Foto: Mauro Kury)

(Foto: Mauro Kury)

Sobre a interpretação, Paulo Betti exibe diferentes níveis dos usos de sua potência vocal, movimentando-se pelo palco e pela narrativa com riqueza de cores, de tons e de tempos. “Autobiografia Autorizada” diverte e emociona pelo modo como o ator dá vida aos vários personagens que juntos dão a ver uma parcela de sua trajetória, mas tem ainda maior mérito pelo modo como essas figuras se mostram como base para um todo bem estruturado, em que o conjunto se apoia em cada parte e cada um se expressa a partir de sua relação com o todo. Quanto à direção de Ponzi e de Betti, o ritmo diminui em alguns trechos, mas recupera-se surpreendentemente também com o auxílio da trilha sonora Pedro Bernardes. Excelente!

O cenário de Mana Bernardes empacota o palco com papel branco amassado, sendo metáfora para as anotações acumuladas pelo autor ao longo da vida. Espalhados pelo espaço cênico, alguns objetos são utilizados com vistas à viabilização de uma simbologia que tem tudo a ver com a narrativa. O ponto alto é a casa feita por folhas de papel justapostas, criando profundidade, mas também corroborando com a construção do sentido mais poético. Há ainda grandes contribuições dos figurinos de Letícia Ponzi e do desenho de iluminação de Dani Sanchez e de Luiz Paulo Neném, que confirmam a concepção do cenário e o apresentam em ótimo contexto.

Ao valorizar a própria vida a ponto de se utilizar do teatro para apresentá-la em tamanha potência artística, Paulo Betti faz claro convite a cada um de olhar para si e para outro sob um ponto de vista mais profundo, mais delicado e complexo, mais humano. Pelas nobres intenções, mas também pela alta qualidade do resultado, “Autobiografia Autorizada” merece efusivos aplausos.

Ficha técnica:

Texto e Interpretação: Paulo Betti
Direção: Paulo Betti e Rafael Ponzi
Cenário: Mana Bernardes
Figurino: Letícia Ponzi
Iluminação: Dani Sanchez e Luiz Paulo Neném
Direção de Movimento: Miriam Weitzman
Programação Visual: Mana Bernardes
Trilha Sonora: Pedro Bernardes
Assistente de Direção: Juliana Betti
Assessoria de Imprensa: Daniela Cavalcanti
Direção de Produção: José Luiz Coutinho e Wagner Pacheco

Serviço:

Quando: até 10 de maio de 2015. De quinta a domingo, às 19h.
Onde: Centro Cultural Correios – Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro.
Quanto: R$20 (inteira). A bilheteria funciona de terça a domingo, das 15h às 19h.
Mais informações: (21) 2253-1580.

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.