“Bilac vê estrelas” é o novo ótimo musical com a assinatura de João Fonseca. Escrito a partir do livro homônimo de Ruy Castro, publicado no ano 2000, o texto é uma bem sucedida adaptação de Heloisa Seixas e de Julia Romeu. Na história, personagens reais como Olavo Bilac e José do Patrocínio são vítimas das tramoias planejadas pelos fictícios Padre Maximiliano e pela espiã portuguesa Eduarda Bandeira. Os vilões tentam roubar os projetos de construção do primeiro balão dirigível a ser produzido no Brasil na narrativa situada no início do século XX. É da trilha sonora originalmente composta por Nei Lopes o maior mérito dessa produção. É vibrante perceber o quanto a plateia acolhe as canções totalmente desconhecidas, garantindo reflexões essenciais sobre a importância das produções de teatro musical que invistam em novas histórias, novas músicas além do talento das interpretações e das partes técnicas. Eis aqui uma ótima sugestão na programação de teatro carioca.
A peça se passa em 1903 no Rio de Janeiro, em plena Belle Époque brasileira. Entre os personagens, as diversas figuras ficcionais convivem com personalidades importantes da história do Brasil em que se destaca o poeta Olavo Bilac (1865-1918), o mais famoso poeta daquele momento, cujos sonetos eram celebremente decorados e lidos, além de seus artigos nos jornais serem bastante respeitados. Nos breves quadros de apresentação, o caráter de Bilac surge tratado a partir de sua fidelidade aos amigos, dentre eles, o jornalista e político José do Patrocínio (1853-1905). Desde os últimos anos do século XIX, esteve Patrocínio envolvido na construção de um balão dirigível. Na ficção de Ruy Castro, o projeto chamou a atenção da espiã portuguesa Eduarda Bandeira, enviada ao Brasil pelos irmãos Wilbur e Orville Wright, que, na vida real, ainda disputam com Santos Dumont acerca da criação do primeiro avião. Unida ao Padre Maximiliano, outro personagem fictício, grande inimigo de Bilac, Eduarda chega ao hangar no bairro Santa Cruz, onde Patrocínio mora e projeta seu balão. O ponto alto da peça se dá no dia da chegada ao Brasil de Santos Dumont, que vem da França especialmente para conhecer o projeto. Mocinhos contra bandidos, “Bilac vê estrelas”, partindo de uma narrativa com fundo lírico, fixa-se soberbamente na ótima comédia, envolvendo o público de todas as idades e de diferentes repertórios culturais.
Dirigida por João Fonseca, essa comédia tem excelente ritmo na medida em que articula bastante bem a estruturação e modificação dos quadros. Uma cena resulta na outra de forma que, nem a entrada das canções faz o texto parecer um trampolim para as músicas, nem a economia nos cenários revele uma limitação da ordem da produção. São os personagens que dizem as rubricas, situando o público nos locais onde a narrativa se dá. A quebra da “quarta parede”, nesse sentido, é causa e consequência da ótima conversa entre palco e audiência. Além disso, todos os trabalhos de interpretação são positivos, apesar de haver alguns melhores destaques, o que deixa ver que houve um ótimo trabalho de João Fonseca.
“Bilac vê estrelas” tem um ótimo conjunto de interpretações como as de Izabella Bicalho (Eduarda), Reiner Tenente (Guimarães Passos), Gustavo Klein (Coelho Neto), Saulo Segreto (Santos Dumont) e de Sérgio Menezes (José do Patrocínio). No entanto, merecem destaque os trabalhos de Tadeu Aguiar (Padre Maximiliano) e o de Alice Borges (Madame Labiche) pela forma como os excelentes usos de suas experiências, técnica e talento geram resultados positivos ao espetáculo. Suas construções são carismáticas, vivas e a falta de complexidade que o gênero dramatúrgico poderia impor resulta em méritos incontáveis para a apresentação da comédia planejada. Por fim, o melhor trabalho da montagem é o de André Dias na interpretação de Olavo Bilac. Nos quadros em que a difícil poesia parnasiana ganha voz (por exemplo, o duelo de sonetos), nas cenas em que a comédia tem lugar (Eduarda invadindo seu quarto na calada da noite) ou nos momentos de ápice da narrativa, sempre a excelente dicção, as intenções bem dispostas e a movimentação bem expressa são possíveis de ser encontradas. Um trabalho de primeira grandeza!
A peça precisa ainda ter valorizada sua parte visual. O cenário com poucos elementos de Nello Marrese, as coreografias menos rebuscadas de Sueli Guerra e o desenho de luz menos expressivo de Dani Sanches abrem espaço para o ritmo rápido da narrativa dramatúrgica e para as belas interpretações, para o figurino vistoso Carol Lobato em Mme. Labiche e principalmente para os lundus, valsas, xotes, maxixes e outros ritmos que se espalham pela vibrante composição musical de Nei Lopes. A falta de um leitmotiv, que geralmente se impõe como grande desafio para a coesão do espetáculo musical, aqui faz a peça parecer uma grande festa para um personagem brasileiro que não ficou famoso por romances, mas por suas poesias em versos alexandrinos. Excelente!
O advento do Modernismo tentou expulsar a obra de Olavo Bilac do interesse intelectual ao longo do último século. Ruy Castro, João Fonseca e Nei Lopes, com esse elenco e ficha técnica, enfim reconduzem o “Príncipe dos Poetas” para o seu lugar de destaque. As estrelas que ele viu e fez ver ainda brilham. Aplausos.
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FICHA TÉCNICA
Baseado no livro ‘Bilac Vê Estrelas’, de Ruy Castro
Autoras: Heloisa Seixas e Julia Romeu
Música e letras de Nei Lopes
Diretor: João Fonseca
Diretor musical: Luís Filipe de Lima
Elenco: André Dias, Izabella Bicalho, Tadeu Aguiar, Alice Borges (atriz convidada), Sergio Menezes, Reiner Tenente, Jefferson Almeida, Saulo Segreto e Gustavo Klein
Músicos: Daniel Sanches, Oscar Bolão
Cenógrafo: Nello Marrese
Figurinista: Carol Lobato
Coreógrafa: Sueli Guerra
Iluminadora: Daniela Sanchez
Sound Designer: Carlos Esteves
Projeto Gráfico: Radiográfico
Assistentes de produção: Luiza Toré e Isabela Reis
Produtora Executiva: Juliana Cabral
Diretora de produção: Amanda Menezes
Coordenação geral: Maria Angela Menezes
Produção: Tema Eventos Culturais
SERVIÇO:
ONDE:Teatro Espaço Promon/Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, 1830 – Vila Nova Conceição – São Paulo – SP
QUANDO: A temporada será nas sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 18h, até 26 de julho
QUANTO: R$60,00
* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
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