O momento é de ressignificação para Criolo. Nome expressivo da música contemporânea nacional, o cantor paulistano está no hall de artistas que lutam para romper as barreiras do preconceito contra um dos gêneros que mais representam a cultura black das periferias de São Paulo, o rap. Criador da Rinha dos MC’s, movimento que estimula jovens a se envolverem com a cultura hip-hop, o cantor decidiu embarcar em uma espécie de viagem no tempo para dar uma nova roupagem ao seu primeiro disco, “Ainda Há Tempo”, lançado em 2006. De certo que ao longo do tempo, Criolo foi apurando sua percepção artística e incorporando novos elementos na batida de seus singles, mas isso de fato não significou uma perda de identidade musical e muito menos uma negação de suas origens. Mas, sim, uma verdadeira reflexão sobre o passar do tempo e um olhar voltado para a coletividade.
Durtante o desfile da LAB, marca do rapper Emicida em conjunto com o irmão Evandro Fióti, no segundo dia de SPFWTRANSN42, Criolo falou sobre como chegou ao produto final do novo projeto. “Eu acho que esse trabalho traduz muito da energia que me trouxe até aqui. Se não fosse o rap na minha vida, acho que não teria conseguido conversar direta ou indiretamente com tantas pessoas ao redor do mundo. O rap me trouxe a grande oportunidade da minha vida. Essa revisitação foi como uma espécie de um ‘muito obrigado'”, ressaltou ele, que ainda comentou a importância da cultura e das artes como movimentos políticos. “Só de fazer parte do rap acho que já faço parte de um movimento social muito grande. Eu cresci junto da minha mãe, que sempre reunia pessoas dentro de casa para valorizar a arte, a cultura, a educação, tudo no nosso bairro. Eu cresci vendo ela fazer as coisas e ajudando a fazer outras”, disse.
Batizado como Kleber Cavalcante Gomes, ele prepara shows de comemoração de dez anos de seu primeiro álbum, período em que ainda era conhecido como “Criolo Doido”. Faixas do disco que aparecem no repertório do show parecem reforçar a mensagem do cantor sobre os tempo de cólera. “As leis estão sendo testadas. De onde venho, essa mensagem é urgente todos os dias para quem não enxerga que tem gente vivendo nas bordas”, disse. No entanto, ainda que as letras sejam tão atuais, outras estrofes tiveram que ser modificadas por um olhar mais apurado do cantor para com o próximo. Na letra de “Vasilhame”, versos com termos transfóbicos foram substituídos. “Eu mudei algumas frases porque eu aprendi muito sobre a gente não alimentar os preconceitos e não por ser uma tendência. Lutar contra os preconceitos deveria ser tendência a vida toda. Mas a gente vai vivendo e aprendendo o valor de cada palavra. Às vezes a gente não tem tempo para parar e entender o peso das palavra, mas temos força pra ressignificar. Todo dia é o momento ideal para melhorar. Todo dia é um bom dia para recomeçar. Não tenho problema em dizer que errei”, revelou.
Sobre o projeto da Rinha de MC’s, o artista se disse orgulhoso por poder dar espaço para que uma nova geração de rappers tenha um local para exercitar seu talento através das palavras. “É especial. Permite a todos os jovens que queiram viver, experimentar, ousar, serem livres na construção, criação do pensamento e da fala. Isto é ousado e libertador. Cada lugar é um tanto do que você deposita nele. Juntos um aquece o outro, é a palavra, é a voz, é a ousadia, é a liberdade que o rap oferece a todos”, contatou ele, que ainda falou sobre os tempo de intolerância. “Foi criado um ambiente de ódio e rancor tão absurda que as pessoas passam por cima e parece que não estão vendo uma construção de homofobia, xenofobia, racismo e achar normal esse abismo social que a gente vive”, sintetizou.
Muito consciente, o compositor, que foi descrito por Caetano Veloso como “possivelmente a figura mais importante cena pop brasileira”, não entrou em detalhes sobre a crise política e econômica do país, mas contatou que os problemas do país vêm desde seu descobrimento. “O Brasil passa por uma crise desde as caravelas. Ainda há muito para ser melhorado. Falar desse momento vai minimizar muito o quadro, o que acontece hoje é reflexo do que se pensou há 50 anos, e quem sofre somos nós, mas temos muita força para reverter essa situação”, completou.
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