* Por Carlos Lima Costa
Artista e homem consciente, o cantor Criolo não ficou imune à pandemia e ao isolamento que começaram em março do ano passado. Foi impactado da pior forma. “Perdi amigos, perdi parentes, isso não tem volta. Isolamento o Brasil já oferece quando trata de modo diferente seus filhos. A pandemia apresenta um tanto desse abismo social que faz só criar dor a todos”, ressalta. Como lidar, então, com o emocional entre altos e baixos nesse período tão difícil? É complicado manter o equilíbrio? Criolo dispara: “Em um território que enfrente tudo sem um mínimo de apoio a reverter uma construção desigual de acessos, impossibilitando um caminho rumo à dignidade de todos sem exceção”, observa Criolo.
Não é a toa que repete trecho de uma resposta ao ser questionado se, hoje, ele é um artista e homem diferente daquele que existia antes de ser decretada a pandemia da Covid-19. “Perdi familiares, perdi amigos. Isso não tem volta”. O artista segue dando sua visão sobre a solidariedade das pessoas diante dessa tragédia social. “As pessoas que são solidárias, são desde sempre as que se sentem tocadas por algum motivo e se tornam. Vão carregar este querer solidário para sempre em sua alma”, aponta.
O rap, estilo desde sempre marcante na carreira de Criolo, retrata muito a desigualdade. Com a pandemia, a diferença de classes sociais ficou ainda mais acentuada no Brasil. “Quando se vive tanto tempo com fome e medo do futuro isso não é inspiração, é instinto de sobrevivência. A arte então com sua grandiosidade nos ajuda a transformar a energia consumida pela dor em energia para algo construtivo”, explica ele, cujo repertório transita também entre o soul, a MPB e o samba. Desde sempre Criolo usou a sua voz para reafirmar o compromisso que as vertentes artísticas possuem com a sociedade e a força que elas têm para impulsionar transformações. Durante uma entrevista aqui, no site Heloisa Tolipan, ele frisou que o resultado obtido é essencial para a construção de uma identidade coletiva: “A arte é sublime. Nós nos percebemos capazes de gerar algo bom, algo positivo. Isso muda vidas, agrega valores humanitários. A arte provoca uma transformação muito positiva e vibrante, essencial nos dias de hoje”.
Criolo é um homem do presente e do futuro. E, claro, atento. Unir tecnologia à música, por exemplo, sempre resultou em efeitos fantásticos que incendeiam a imaginação da plateia nos megashows das grandes estrelas da música internacional. Aqui, no Brasil, em janeiro, o cantor e compositor, que gosta de estar de olho nas novidades, foi o primeiro artista a realizar, por exemplo, uma apresentação com realidade estendida, uma ferramenta já adotada na Europa e nos Estados Unidos. “Vou absorvendo tudo que chega ao meu conhecimento e um tanto do que pesquiso, mas tenho a sorte de ter próximo a mim tantas pessoas que me inspiram nessa busca. Essa experiência no início do ano foi um passo de muita coragem iniciado por Tito Sabatini , Denis Cisma e Beatriz Berjeuat. Nada até aquele momento havia sido feito e não sabíamos se daria certo. Tudo muito novo, muito estudo e pesquisa. E sim eles conseguiram! Muito orgulho de uma equipe brasileira escrever mais uma vez seu nome na história da arte e tecnologia”, pontua.
A novidade já esteve presente em um clipe do artista: Sistema Obtuso em parceria com o Tropkillaz. “Foi uma apresentação nos moldes de como seria a live e foi mesmo um trabalho primoroso. O que se renderiza pós-gravação para um clipe você teria que renderizar em tempo real para a live. Fica o meu agradecimento para essa equipe maravilhosa”, frisa.
Criolo é um dos convidados especiais do festival m-v-f-reloaded, a ser realizado de forma online e gratuita, entre os dias 27 e 29. Além de conferir estreia de clipes, com bate-papo dos realizadores, este encontro digital entre brasileiros e estrangeiros vai discutir aspectos criativos do audiovisual, a linguagem dos videoclipes. A participação de Criolo na programação do m-v-f- realizado pelo Music Video Festival, criado em 2013, vai acontecer, às 19h15, no primeiro dia do evento e a tônica é sobre o recente projeto de realidade aumentada.
Com mediação de Duda Leite, Criolo, Denis Cisma, Tino Monetti, Tito Sabatini e Rodrigo de Carvalho vão estar no talk Realidades Alternativas: Inovação na Criação de Conteúdo. Em pauta: como será a produção audiovisual focada em música no futuro? Durante os últimos 12 meses, o mundo teve que se reinventar e buscar novas alternativas e formas de lidar com a realidade. Um talk sobre inovações criativas e tecnológicas que diretores, produtores e artistas tiveram que buscar para driblar as dificuldades de se produzir shows, lives e clipes com as restrições impostas pela pandemia. “É um prazer imenso, uma alegria ser convidado para algo tão grandioso. Este festival vem remando solitariamente em uma saga de valorização das artes em nosso país. É uma oportunidade única poder ouvir o jovem artista Rodrigo de Carvalho, assim como o talentoso Tino Monetti, da Codex Uqbar, que tem em sua alma o DNA da criação provocativa”, ressalta o artista, que em Fellini, seu novo single, fala de censura, massacre cultural. Alguma referência ao Brasil de hoje que enfrenta a pandemia? “Vivemos dias terríveis”, resume.
Como cidadão, Criolo explica que olhar tem sobre o Brasil, hoje, e se sente perspectivas de mudanças positivas. “Estou sempre desejando. De alguma forma todos tentam contribuir para uma construção mais positiva de destino. A diferença está onde cada um se enxerga nisso tudo e se o todo é nada, para uns isso fica cada vez mais difícil de se alcançar”, ressalta.
A mãe do músico, Maria Vilani Gomes, professora, filósofa, poeta, com vários livros publicados nos inspira a perguntar ao filho como ele faz uma análise da educação no Brasil. “As pessoas dedicadas à educação no nosso país precisam ter mais apoio, mais reconhecimento, carinho e respeito e também melhores salários. O Brasil tem as mentes mais brilhantes do mundo e com o apoio necessário a transformação viria de modo tão rápido e eficiente, mas tem quem não queira”, realça.
A pandemia trouxe como novidade uma incontável quantidade de lives musicais na internet. “Acredito que elas vão continuar mesmo depois disso tudo”, diz ele, que pouco antes do isolamento pela Covid-19, lançou em parceria com Milton Nascimento, o EP Existe Amor, partindo de um projeto para ajudar a população de maior vulnerabilidade social no país. “Tivemos a oportunidade de fortalecer coletivos que desenvolvem há muito tempo trabalhos com a população de rua em São Paulo. Obrigado, Milton Nascimento e Amaro Freitas pela generosidade e genialidade”, agradece ele, que tem uma conexão direta com seu público através da Criolo TV. “Temos alguns momentos de leitura de poesias, recitação e escuta de textos, músicas e crônicas, encontros com pessoas que desenvolvem trabalhos incríveis e dividimos com quem está na sintonia, criando um ambiente de construção de conhecimento e afetividade”, avisa.
No Brasil, não faltam exemplos de preconceitos racistas, homofóbicos e tantos outros. Como transformar isso, que cada pessoa tenha direito a liberdade de ser o que quiser como você cantou em Etérea, cujo clipe contou com representantes da comunidade LGBTQIA+, por exemplo? “A educação e o fortalecimento das pessoas que vivem e respeitam esse dom são o caminho mais rápido para termos uma sociedade que dialoga com todos. A violência dos preconceitos é tão extrema em nosso território que normalizou os óbitos promovidos por esses crimes de preconceito e intolerância”, reflete.
Em sua infância, Criolo conviveu de perto com a pobreza, o preconceito e o racismo. “Ainda não acabou. Racismo é racismo, essa praga tem que ser erradicada do planeta. Aqui parece que tem um pacto para não ver um jovem de favela sorrir, mas vamos sorrir e vamos conquistar tudo. O rap dá força à alma, ao coração e todas as artes genuinamente de periferia tem uma energia única que não se explica. Nossos jovens estão cada vez mais dando exemplos de caminhos positivos mesmo sendo caçados e exterminados, eles acreditam no amor”, assegura.
E ele explica que diferenças artísticas existem no Criolo hoje em um paralelo com aquele que lançou Ainda Há Tempo, seu álbum de estreia, em 2006. “Quanto mais vivo música mais tenho gratidão pelas pessoas ao meu lado no dia a dia do trabalho. Elas são as responsáveis pela continuidade. Aqui fica meu agradecimento”, pontua.
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