Falar de Música Popular Brasileira é falar de Jorge Luiz Sant’anna Vercillo, ou como é artisticamente conhecido apenas por Jorge Vercillo. O cantor e compositor começou a se apresentar em bares cariocas no início da idade adulta e desde então marcou gerações com os sucessos como Ela Une Todas as Coisas, Final Feliz, Monalisa e Talismã. E suas canções já foram gravadas por grandes nomes da MPB, como Ana Carolina, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Jorge Aragão. Uma carreira consagrada na história da música e agora do alto dos seus 50 anos bem vividos, o cantor decidiu se reinventar e se aventurar nesse universo que ele tanto conhece. Segundo palavras próprias do artista: “a vida é um conjunto de experiências” e para comemorar as duas décadas de conquistas artísticas, ele empresta a sua primorosa voz para uma nova experiência pessoal e profissional. Em uma conversa exclusiva com o site HT, Vercillo falou sobre a arte como voz do povo, a indústria fonográfica e os novos desafios musicais que se propôs encarar.
O músico lançou recentemente uma composição inédita com a participação para lá de especial do jogador Ronaldinho Gaúcho e durante os próximos meses irá gravar novo álbum com artistas de diferentes gêneros da música brasileira. De sertanejo ao funk, entre os convidados estão Ludmilla, Marília Mendonça, Natiruts e Thiaguinho. Este último com a música Fantasias, que chegou às plataformas digitais no final do ano passado. Parceria na voz e na letra, a música é uma composição de Jorge, Thiaguinho e Prateado, um dos mais conceituados compositores de samba no Brasil.
Com o novo projeto, Jorge propõe uma íntima conversa entre o seu estilo já consagrado e a infinidade de ritmos brasileiros. “A música une as pessoas, apesar da minha personalidade musical estar muito bem definida dentro da MPB contemporânea eu acredito muito nessa igualdade entre os gêneros. O Brasil é um grande celeiro de talentos musicais”, ressaltou Jorge Vercillo. Político desde sempre, Jorge que é formado em jornalismo, mas não chegou a exercer a profissão, vem mais moderno nesse novo álbum que está sendo montado. Como ele mesmo disse, a intenção era se desafiar e sair da zona de conforto. “Quis colocar a minha música para dialogar com universos bem diferentes. Sublinhar essa diversidade musical que existe no Brasil, que devemos enaltecer e fazer uso de toda essa diversidade e não tentar uniformizar”, explica o compositor que pretende lançar as faixas separadamente mês a mês nas plataformas digitais e só depois compilar algumas dessas músicas em um álbum.
Esta é mais uma aventura do cantor na carreira musical que já coleciona um disco de diamante, três discos de Platina, além de três indicações para o Grammy Latino. E durante todos os trabalhos, Vercillo uniu arte e reflexão, pois para ele música não é só entretenimento, mas também sustento e aprendizado para quem faz e para quem ouve. Na entrevista o cantor explicou sobre algumas frases famosas de seus trabalhos para exemplificar o tom questionador em suas produções. “Eu continuo contra a maré quando eu canto Avesso que fala de um casal homossexual e sobre a liberdade de opção de cada um, eu estou trazendo uma reflexão. Quando falo ‘pode encostar sua mão na minha’, ‘pode me abraçar sem medo’ eu estou querendo dizer sobre a liberdade de podermos expressar de quem gostamos”, ressaltou Vercillo que acrescentou: “Eu sempre fui transgressor e contestador apesar das minhas melodias serem dóceis”.
“A música brasileira sempre teve a tradição de criar canções de contestação ao sistema político, mas nas últimas décadas não temos ouvido quase nada nesse sentido”, admitiu o artista. E é por acreditar na arte como fator de reflexão social, que Vercillo acaba de lançar a música Garra com o Ronaldinho Gaúcho. A composição é um desabafo completamente apartidário, onde a voz de Jorge representa a voz do povo brasileiro contra a corrupção política. Na letra há referência a São Jorge, sendo o santo fonte de inspiração e apoio para a crise, segundo o autor. “É um arquétipo que tem tanta força de vontade para transformar e exigir seus direitos. O dragão da maldade, da ganância em nós deve ser domado. Quando o santo crava a lança no dragão ele não está atacando um animal e sim atacando a ganância dentro de cada um de nós, dentro dele mesmo”, afirmou o cantor que acredita serem os corruptos filhos de um sistema político antigo já contaminado e para transformar a realidade do governo brasileiro deve-se começar pela restruturação do pensamento ganancioso.
No processo de divulgação da música Garra durante o período das eleições em outubro, a grande maioria das rádios não quiseram reproduzir o novo trabalho de Vercillo por se tratar de uma canção que se refere à política do país. Para o cantor, o Brasil vive uma suposta democracia, pois há liberdade para falar, entretanto, quem pode e tem poder para isso prefere não se comprometer. “Os veículos de comunicação não querem falar sobre política de forma direta, não querem tocar uma música politizada. Mas é exatamente por isso que precisamos falar. Cadê o Renato Russo que escreveu ‘Que país é esse?’, o Cazuza com ‘Brasil mostra tua cara’. Onde estão as músicas filosóficas do Gilberto Gil como a ‘Se eu quiser falar com Deus’, o Paralamas do Sucesso que gravou Alagados. Cadê o lado crítico e contestador da MPB?”, questionou Vercillo.
Lançado pela gravadora Warner Continental, hoje o cantor tem mais liberdade com o próprio selo. Entretanto, ele relembrou que sempre gravou o que acreditava e que nenhum trabalho não representou o reflexo mais completo da própria alma musical e artística. “Hoje eu tenho muita mais liberdade para agir e para falar. Tudo o que estou falando é por amor às pessoas, porque eu sinto tanto, eu recebo tanto da vida e da música, que eu me dou o direito e a liberdade de falar em prol das pessoas. O Brasil está nessa situação atrasada porque quem tem condição de falar e quem pode falar não tem coragem”, destacou.
Para completar esse papo, o compositor de sucessos que foram trilhas de novelas e minisséries da Globo, como Deve Ser em Viver a Vida no ano de 2009 e a mais recente Vida é Arte tema da novela Tempo de Amar em 2017, admitiu em nome de todos os artistas de que todos eles, inclusive o próprio, sonham em viver fazendo música de qualidade. Para ele, esse seria o maior desejo de todos os cantores, mas o gosto popular faz com que se produza música que agrade os ouvidos ‘acríticos’ atuais. Nomes como Paulinho Moska e Lenine não receberam grande destaque com trabalhos recém lançados, de acordo com Vercillo, já Djavan com a música Solitude conseguiu transpor a barreira da censura financeira das rádios por ter uma linguagem criptografada que já é dele característica.
“A censura das rádios é que elas querem cada vez mais audiência dentro do seu público, se acham que a música é muito explícita eles não tocam. Pode ser explícita dizendo sobre bunda, pau te ama, mas não pode ser dizendo ‘Aí de quem desvia dinheiro público’, ‘Ai de quem só governa em causa própria, que jogo sujo’”, ressaltou o cantor e ainda acrescentou questionando: “Eu estou falando algum absurdo? A minha música foi preterida porque eu fui explícito nisso, mas quem fala pornografia pode? Que inversão de valores é essa? O Brasil está uma bagunça. E o meu papo não é moralista, isso é a última coisa que eu sou. Eu só quero o melhor pra mim e pro meu semelhante”.
Parece que esse perfil sincero e ativista do cantor e compositor não agrada a algumas rádios, mas por outro lado o público continua fiel aos sucessos de Vercillo. A produção do artista precisou realizar uma apresentação extra no dia 20 de janeiro no Teatro do Centro Cultural João Nogueira (Imperator), na Zona Norte do Rio, pois os dias 18 e 19 não foram suficientes e os ingressos se esgotaram em tempo recorde.
Vida longa ao mestre da MPB contemporânea!
Serviço:
Jorge Vercillo – Show Experiências
Data: 18, 19 e 20 de janeiro
Local: Imperator Centro Cultural João Nogueira (Rua Dias da Cruz, 170, Rio de Janeiro – RJ)
Horário: Sexta e Sábado 21h / Domingo 19h
Ingressos: À venda pela internet
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