*Por Rafael Moura
Com um sorriso largo, voz suave, olhares encantadores, personalidade tímida, a cantora Teresa Cristina (para os íntimos TT) se tornou a grande sensação da internet com mais de 200 horas de lives (a primeira foi dia 26 de março) durante essa quarentena por conta da emergência sanitária causada pela Covid-19. Quando o relógio bate 22h começa uma enorme movimentação no Instagram, afinal todos estão a postos para o encontro diário com musa, o que rendeu um crescimento de 300%, em sua rede social.
“Antes da pandemia eu tinha 98 mil seguidores. Hoje tenho mais de 308 mil seguidores. Mudou muito. Não fazia lives, nunca tinha feito. Aprendi a fazer durante a quarentena”, revela. A diva do samba e da MPB, consagrada como uma das vozes mais importantes do Brasil, está promovendo verdadeiros shows virtuais carregados de emoção e boas energias, cantando, conversando, contando histórias, dando vozes e novos artistas e fazendo homenagens a diversos nomes de peso com duetos inesquecíveis.
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Teresa que ama homenagear os grandes cantores da nossa música como – Agemiro do Patrocínio (1923 – 2003), Paulinho da Viola, Roberto Carlos e Cartola, irá lançar no próximo dia 20 de julho, segunda-feira, às 21h, no Canal Bis, o DVD do show: ‘Teresa Cristina canta Noel: Batuque é um privilégio’, com direção musical de Caetano Veloso, celebrando a extensa obra do menestrel de Vila Isabel, acompanhada por Carlinhos Sete Cordas, com arranjo bem pessoal. “Noel é o elo entre o samba do morro e o samba do asfalto. A cara do Rio de Janeiro”, enfatiza Teresa. E acrescenta: “O batuque é um privilégio sim, e fez com que a música brasileira tenha o viés de hoje. Esse verso traduz muito sobre a importância de suas letras para o samba. Essa influência ancestral misturada à melodia e a poesia de seus versos, isso faz total diferença na construção da sua identidade”.
O repertório traz sucessos de grande peso na obra do poeta e que estão na boca do povo, como: ‘Com que Roupa’, ‘Feitio de Oração’, ‘Gago Apaixonado’, ‘Conversa de Botequim’ , mas também evidencia sambas menos conhecidos como ‘Seja Breve’ e ‘Minha Viola’. “Eu escolhi para o repertório músicas com as quais me identifico. Me chamou atenção: o Rio de Janeiro, os cabarés, a malandragem, a mulher, a relação homem x mulher, a maneira como ele observava o cotidiano. O Brasil apontado em suas músicas detalha as situações sociais e políticas de uma época, ainda muito real, mas que fez diferença e dão o tom do que é o samba hoje”, explica Teresa.
Confira abaixo a nossa conversa com essa cantora que se tornou a grande musa dessa quarentena:
Heloisa Tolipan – Como você teve a iniciativa de se aventurar no universo lives?
Teresa Cristina – Começou com uma preocupação séria: o medo de entrar em um quadro depressivo. As notícias começaram a ficar cada vez mais fortes e sérias. Minha mãe tem 80 anos e um grau de ansiedade muito forte. Perdi o sono por conta disso, não conseguia dormir. Absorvi notícias pesadas, aliás até hoje, né? Daí pensei: preciso fazer algo que me dê prazer imediato. Nada funcionava. Uma noite, fiquei ouvindo Dona Ivone Lara até 6h. E escutando descobri músicas que eu nunca tinha ouvido. Todo mundo estava fazendo live, pensei: acho que vou fazer algo para falar sobre as músicas dela. No mesmo dia, um seguidor, no Twitter, falou de samba de terreiro como se fosse de umbanda ou candomblé. E várias pessoas seguindo a mesma vibe. Aí comecei a explicar sobre samba de terreiro. Pensei: vou fazer uma live falando de samba de terreiro. O assunto não coube em uma live só. Já tinha começado a ocupar minha mãe fazendo aos domingos com ela, porque ela gosta de cantar também. Então comecei a fazer esporadicamente. O cenário da pandemia foi ficando pior. Quando vi, estava com lives todos os dias. E percebi a minha animação ao pesquisar os temas e curiosidades que eu iria apresentar à noite, trocando ideia com as pessoas.
HT – Alguns artistas conseguiram vários patrocínios e isso levou a uma super produção nessas transmissões. A sua live é feita de maneira mais simples, intimista e sem patrocínio. Como você enxerga essa falta de apoio aos cantores de samba?
TC – A falta de apoio aos cantores de samba não é de agora. A pandemia jogou uma lente de aumento em várias situações. Tivemos de passar por isso para entender que não é toda a população que tem água encanada, luz, tratamento de esgoto. As pessoas vivem em condições precárias. Quando começamos a falar sobre usar o álcool gel, por exemplo, esqueceram que têm pessoas que nem água tem em casa. Os cantores de samba, em sua maioria – salvo algumas exceções – sempre tiveram cachês mais baixos. A relação com os contratantes sempre foi na base do “tudo tá bom”. Nunca precisou de um som incrível, uma grande produção. Isso é um reflexo do que sempre aconteceu.
HT – Você acabou ganhando uma legião de seguidores, os Cristiners. Como é ter esses fãs cativos?
TC – Nunca vivi isso e nem tive fã-clube cativo. Tenho muito carinho pelos Cristiners. Eles mandam mimos para mim, bem simples, mas que têm um efeito bem grande na minha vida. Enviam salgadinhos, cartinhas feitas à mão. É uma demonstração de carinho que tem mexido muito comigo. Me emociona, pois, ganho avalanches de afetos todos os dias. É uma experiência muito nova na minha vida.
HT – Como você escolhe os temas de suas lives?
TC – Como cada dia é um ano que estamos vivendo, eu escolho as lives pelo que o dia está me dizendo. Varia muito da energia do dia. Tem vezes que marco um tema sobre uma live no dia tal. Daí chega esse dia e acontece outra coisa e eu mudo o tema. No início das lives, criei uma fala que era “minha live, minhas regras”. E é isso. Cada vez que acho que tenho de mudar de opinião, quebro a regra, vou lá e mudo. O tema vem sempre pela minha intuição. A não ser por aniversários como foi o do Gil, do Chico, do Pitanga, da Elza. Nestas eu consegui pensar e organizar. Mas quando não é algo datado, vou pela intuição. Geralmente, penso isso de manhã.
HT – Durante essa semana você está trazendo mulheres mais do que especiais para suas transmissões. Como você escolheu essas parceiras?
TC – São cantoras, parceiras e artistas que sempre admirei. Mas essa coisa de convidar artistas para participar não foi programada, não. Foi acontecendo… A Simone estava me assistindo. “Como assim? A Simone está me assistindo?”. No dia em que fiz uma homenagem a Gal Costa, ela não cantou, mas ficou ali nos comentários. Foi muito fofa! Fiz homenagem aos 74 anos da Maria Bethânia também, foi maravilhoso. Mas o horário da live é tarde para ela. Na homenagem aos 90 anos da Elza Soares apareceram todas as atrizes que interpretaram a Elza no teatro. Foi histórico para mim. Elas cantaram músicas maravilhosas e eu dividi a tela com elas com muito prazer. Elza ficou também ali, só nos comentários super amorosos pra gente. No aniversário da Marisa Monte foi uma catarse. Ela apareceu, conversou, cantou… A Bebel Gilberto sempre está por lá também, entra e canta. Margareth Menezes, Mariene de Castro, Daniela Mercury… São tantos nomes admiráveis. Com a Mônica Salmaso eu tenho feito a batalha das cantoras e é uma delícia.
HT – A cultura é fundamental na construção de uma sociedade, principalmente nesse momento em que estamos isolados. Como TT entende esse momento?
TC – A arte vai continuar sendo vitoriosa e sai mais forte dessa pandemia, pois ela sempre sobrevive. Ela teve força, base, história e sobreviveu contra o nazismo, o fascismo. Essa pandemia veio para mostrar isso. O que tem segurado a gente é a arte.
HT – Teresa antes e depois da pandemia. Como era e como é a sua relação com as redes sociais?
TC – Antes da pandemia eu tinha 98 mil seguidores. Hoje tenho mais de 308 mil seguidores. Mudou muito. Não fazia lives, nunca tinha feito. Aprendi a fazer durante a quarentena. Minha relação com o meu trabalho sempre foi muito crítica, levava tudo muito a sério, não gostava de errar, ficava tensa, nervosa para fazer as coisas. E com esse isolamento, em casa e com um celular na mão, minha relação com as redes sociais mudou muito. Tenho feito tudo praticamente sozinha. Os posts, as conversas, falo diretamente com as pessoas, escrevo de próprio punho. Tem sido bem interessante.
HT – Sua mãe ganhou uma legião de fãs na rede. Os internautas esperam sempre vocês duas cantando. Qual a sensação?
TC – Eu gosto muito de cantar com ela, que também ama cantar. Por isso, criei as “Jovens Lives de Domingo”, todos os domingos, às 15h. Lá ela canta e se diverte. Foi assim que o público conheceu e passou a admirar a Dona Hilda também. No início, estava preocupada com ela. Não queria que ela ficasse só acompanhando as notícias, que tivesse algo a mais para ocupar a cabeça. A gente passa a semana preparando o repertório e é uma forma de ela estar em contato com pessoas da idade dela. Ela é super rigorosa, chegou a pensar em desistir quando errou uma letra. Falei “mãe, relaxa, aqui nós somos nossos patrões”.
HT – O mundo parece cada vez mais estar engajado a combater os males da sociedade, como racismo, homofobia. Você acredita que pós pandemia teremos uma sociedade mais consciente?
TC – É o que eu espero do fundo do meu coração. Que possamos entender que não é normal uma pessoa hoje em uma cidade não ter água encanada, não ter esgoto tratado, a luz dela ser cortada às 22h e voltar só no outro dia, às 10h. Isso não pode ser considerado normal.
Serviço:
Teresa Cristina Canta Noel
Dia – 20 de julho de 2020 (segunda-feira)
Horário – 21h
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