*Por Rafah Moura
Os primeiros raios de sol já brilhavam quando as luzes do Armazém da Utopia se acenderam para encerrar a primeira edição do Festival MPBoca. Afinal foram 14 horas de atrações, do evento, que já nasceu gigante, e que apresentou uma grande rede musical, no Rio de Janeiro. Com a missão de jogar os holofotes para a nova música brasileira, essa ‘festa da música brasileira’ reuniu cerca de cinco mil pessoas, para ver, cantar, dançar, pular, chorar e se emocionar com nomes da nossa cultura, como as paulistas Liniker e Céu, a baiana JosYara, o pernambucano Johnny Hooker, a mineira Tulipa Ruiz, a carioca Ana Frango Elétrico e a catarinense Maria Beraldo.
O festival musical surge em um momento de mais otimismo para o Brasil e a realizadora Mariana Leivas conta que vinha trabalhando nesse evento por três anos. “Como um evento independente, fizemos uma curadoria de artistas da mesma cena. Nossa missão foi mostrar a nova música popular, e se firmar como um lugar de fomento de novos artistas, um dos principais papéis dos festivais pelo mundo. Começamos a montar esse evento em 2019, e os artistas foram crescendo ao longo da pandemia que nos atravessou. O MPBoca é um festival de música que prioriza e se inspira na tradução sonora dos novos olhares. Vamos estrear com artistas que extrapolam a música e discutem a construção de uma sociedade melhor, em cima de valores que combatem a homofobia, a transfobia, o machismo e o racismo, por exemplo”.
Uma cota de 300 convites foi doado a pessoas trans como contrapartida de inclusão social. Além da doação dos alimentos, pela venda dos ingressos solidários, para o Grupo Arco Íris que ajuda a população LGBTQIAP+ em situação de vulnerabilidade. “E inadmissível trazer esses artistas ativistas e não abraçar essa pauta de maneira verdadeira. Me sinto muito realizada e feliz vendo a diversidade de carinhas, corpos e cabelos curtindo esse evento. Espero que outros eventos também tragam essas oportunidades”, frisa.
Play
Os portões abriram e o público foi recebido ao som do Dj Ubunto. O baiano trazia um climinha fim de tarde para a pista, quando o palco era finalizado para a primeira atração, Maria Beraldo que apesentou sua disco ‘Cavala’, 2018, seu primeiro álbum solo, mostrado ao vivo pouquíssimas vezes no Rio de Janeiro. A compositora, produtora, cantora, clarinetista e guitarrista, tocou as faixas ‘Tenso’, ‘Da Menor Importância’, ‘Amor Verdade’, ‘Maria’, ‘Rainha’, ‘Eu Te Amo’, ‘Cavala’ e ‘Helena’. Vale destacar que o álbum foi indicado aos prêmios APCA (melhor disco, show do ano e revelação), Multishow (melhor produção musical, revelação), Prêmio SIM SP (revelação) e Music Event (revelação, produtora musical e instrumentista), no qual foi premiada como melhor instrumentista. Beraldo fez os arranjos de sopros de algumas faixas do CD ‘Deus é Mulher’ (2018), de Elza Soares, do qual participa também como instrumentista.
Encruzilhada poética
Com uma carreira pautada nas raízes nordestinas, JosYara encheu o palco de poesia com o seu novo disco ‘ÀdeusdarÁ’. Celebrando e firmando sua encruzilhada, a baiana, embalou a plateia do evento com as faixas ‘LadoALado’, ‘Ouro e lama’, ‘Mama’, ‘ÀdeusdarÁ’, ‘Clarão’, ‘Berro’, ‘Mansa fúria’, entre outras. A apresentação ainda contou com a participação da carioca Luciane Dom, com quem cantou ‘Nana’ e ‘Pode ser Às dez’. “Tocar no Rio de Janeiro é sempre uma delícia, ainda mais dividindo esse palco com a querida Luciane Dom”, conta JosYara que encerrou o show com o sucesso ‘Rota de Colisão’. “Esse disco começou com o isolamento, encontrando outros jeitos de compor, me coloquei como uma aprendiz de novos sons, e das angústias do isolamento e pensa num futuro. Vislumbrando um novo momento, encarando de frente, me experimento como artista, no lugar da solitude, foi se dando ao longo da organicidade da criação. O nome surgiu quase no finzinho. É a última coisa que eu faço é dar nomes a esses processos”, revela a artista.
Big Band Elétrica
Com cara de Big Band, tipo Orquestra Tabajara, Ana Frango Elétrico fez um show cheio de grooves cadenciados e referências eletrônicas e uma voz potente que preenchia o Armazém da Utopia. “As minhas referencias vem muito da vontade de tocar com os amigos. O meu último disco ‘Little Electric Chicken Heart’ tem essa nostalgia, anos 70, orgânico e de explorar essa pesquisa”, destaca a cantora, que tem como inspirações Gal, Gorillaz e Mutantes. “Eu sou de uma geração que tem acesso a todas as músicas do mundo inteiro, de diferentes décadas. Não ter mais a Gal entre nós é uma dor e um pesar e uma emoção de respeito de quem fez a música e responsabilidade e de ver que nossos ídolos estão passando o bastão”, completa.
Entre agudos e graves
Tulipa Ruiz chegou chegando com sua voz potente entre agudos e graves. O ventilador na ponta do palco deu um tom de força da natureza a cantora que lançou recentemente o disco ‘Habilidades Extraordinárias’. Nascida em Santos (SP) e criada em São Lourenço (MG), a artista tem músicas incluídas em filmes, novelas e games e costuma se apresentar em teatros e festivais do mundo todo, como Rock in Rio e Montreux Jazz Festival. Seu trabalho, além de receber o acolhimento do público, é respeitado pela crítica especializada e destacado em publicações como os jornais britânicos The Guardian e The Independent. Uma de suas primeiras músicas, ‘Efêmera’, foi trilha sonora do game FIFA e uma das mais recentes, ‘Banho’, foi gravada por Elza Soares. “Quero brindar ao acaso e a esse evento por me permitir dividir o palco com essa constelação de mulheres incríveis”, frisa Tulipa.
Ruiz nos conta que ela só se tornou cantora porque sempre foi apaixonada por cantoras. “Eu sou um alumbramento da música, dos discos da vitrola dos meus pais. Gal, por exemplo, é uma artistas para se evocar o tempo todo. Ela sempre foi atemporal: ela é infinita”, destaca.
Finesse Bucólica
Céu é considerada uma das artistas brasileiras mais influentes de sua geração. E uma veterana dos festivais. Afinal, sua música se espalhou pelo mundo. Ela já se apresentou nos cinco continentes em alguns dos mais prestigiados festivais, como Montreal Jazz Festival (CA), North Sea Jazz (EUA), Coachella (EUA), Roskilde (DK), Rock in Rio (BRA) e Lollapalooza (BRA). No MPBoca, Céu fez um apanhado dos sucessos da sua discografia. Com cinco álbuns lançados, foi indicada oito vezes e ganhou três Grammys Latinos com os discos Tropix (2017) e Apka! (2020). O disco de estreia, de 2007, alcançou o número 1 nas paradas “Heatseeker” e “World Music” da Billboard, e o número 57 no Billboard Hot 100. Foi a posição mais alta nas paradas americanas já alcançada por um brasileiro artista desde Astrud Gilberto com “Garota de Ipanema”, em 1963.
Céu nos contou em primeiríssima mão que assinou a direção artística da faixa ‘Menino Pele Cor de Jambo’, de Assucena (ex-As Baías) e ainda fez a backing vocal, luxuosa, na canção, que já está em todas as plataformas digitais.
Cura
Liniker incendeia as plateias por onde passa. A paulistana integrou o line up de todos os grandes eventos de 2022, no Brasil explodiu de forma meteórica com seu primeiro disco solo, ‘Indigo Borboleta Anil’, com três indicações no Grammy Latino 2022, como
‘Baby 95’, ‘Mel’ e ‘Diz quanto custa’. O show abre com a energia nas alturas, incendiando a plateia com a faixa ‘Antes de tudo‘, mostra todo o groove da cantora. Com três
álbuns de carreira e milhões de plays nos streamings, a cantora, compositora e atriz
(é protagonista da série Manhãs de Setembro, da Amazon Prime Video) extrapola os
limites da música, da arte e da representatividade LGBTQIA+. “Esse disco tem sido um grande processo de cura”, conta emocionada.
Suas três indicações ao Grammy Latino 2022 só mostram que a artista está no caminho certo: ‘Melhor canção em língua portuguesa’, com ‘Baby 95’; ‘Melhor álbum de música popular brasileira’, e ‘Melhor álbum de engenharia de gravação’, com ‘Índigo borboleta e anil’. “Essas indicações são fruto de muito trabalho e de um processo de quase dois anos para fazer o disco dos meus sonhos”, agradece.
Flutuando sob o sol
Johnny Hooker encerrou os show com o sol brilhando forte. “Eles tentaram se tudo, mas nós fomos em frente, seguimos forte e o amor venceu”, dispara. O pernambucano que atualmente é Embaixador da Igualdade da Organização das Nações Unidas (ONU), vem desde sempre rompendo as barreiras de gênero se firmando como uma das maiores vozes do nosso Brasil. ‘Amante de Aluguel’, ‘Nhac’, ‘Corpo Fechado’, ‘Cuba’ e ‘Flutua’ estiveram entre os sucessos tocados e cantados no festival. Hooker ainda convidou Caio Prado, que juntos cantaram ‘Não recomendo’.
O evento contou ainda com as Djs cariocas TataOgan e Tamy Reis que brilhantemente comandaram as carrapetas custurando essa viagem musical pelo Brasil. Vale destacar o trabalho das VJ Carol Santana e Andressa Nunes que deram um tom de arte no festival que já com cara de gente grande. Até 2023, já estamos ansiosos!
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