Na cola de Devendra Banhart, um apaixonado pela Tropicália, queremos saber: ‘como seria esse movimento nos EUA?’


Prestigiado por Caetano Veloso e Rodrigo Amarante, o cantor apresentou, no Circo Voador, a turnê ‘Mala’, de seu mais novo disco

No início do ano, Devendra Banhart deu indícios aos fãs brasileiros de que aterrissaria por aqui, depois de seis anos de ausência. Agora, com disco novo e estilo musical repaginado, ele cumpre a promessa com quatro shows pelo país. Depois da apresentação em São Paulo, na última quarta-feira, o mais ‘tropical’ de todos os artistas americanos, chegou ao Rio de Janeiro com a turnê do disco ‘Mala‘, lançado em meados de 2013. O espetáculo foi realizado no Circo Voador, nesta quinta-feira (14), reunindo cariocas animadíssimos, incluindo Rodrigo AmaranteCaetano Veloso, para conferir a presença carismática do músico do Texas.

Carisma, inclusive, é o mote desse figuraça com aparência hiponga, meio folk psicodélico. No palco, pontualmente às 23h, Devendra fez questão de se comunicar com a platéia em português (confuso, mas valeu!), misturando palavras em espanhol e encantando ainda mais as mocinhas. “Boa noite, senhoras e senhores! É um prazer estar no Brasil. Falei certo?”, arriscou, com simpatia típica de rapaz fofo, que vestia blusa social preta de bolinhas brancas e calça escura. Ainda este mês, o cantor se apresenta nas cidades de Fortaleza (Orbita, dia 16) e Porto Alegre (Opinião, dia 18).

Acompanhado por Rodrigo Amarante (ex- Los Hermanos) variando entre guitarra e teclado, o artista mostrou um repertório divisor de águas em sua carreira. Se antes era conhecido como uma figura esquisita e rotulado pelo estilo ‘freak folk’, agora, aos 31 anos, o cantor parece ter se encontrado em um gênero mais maduro, com letras que apresentam certa melancolia de um homem adulto. No setlist, os fãs cariocas puderam conferir sucessos como, ‘Golden girls‘, ‘Cristobal risquez‘, ‘Never seen such good things‘, ‘A gain‘, entre outros. Mas, sem dúvidas, foi ‘Carmensita‘ (do penúltimo álbum) que fez a multidão acompanhá-lo em coro, extasiada pelo ritmo dançante da canção.

Nos últimos três anos, o músico passou por um período reflexivo, dedicando-se ao desenho e às artes visuais. Dessa fase intimista surgiu seu oitavo disco, apresentado agora nos palcos. E, de sua formidável amizade com Amarante, surgiram composições como, ‘Mi negrita, do ‘Mala‘ e ‘Rosa‘ em ‘Smokey Rolls Down Thunder Canyon‘, de 2007.

Fotos: Vinícius Pereira

Quem acompanha a trajetória do cantor mezzo americano, mezzo venezuelano, provavelmente sabe de seu flerte eterno com o nosso país. Como já contou em diversas entrevistas, Banhart se descobriu artista depois de ler o ‘Manifesto Antropofágico’, do autor brasileiro Oswald de Andrade. No livro, o escritor mostra que é possível absorver diferentes culturas, passá-las por um filtro individual e extrair de sua própria maneira. Desta forma, o cantor se entrelaçou ainda mais com a cultura brasileira depois de conhecer as músicas da turma da Tropicália, movimento cultural encabeçado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé.

Pensando na ideia de como seria o movimento tropicalista se tivesse surgido nos Estados Unidos, perguntamos ao público presente no show como imaginaria uma Tropicália feita por americanos. Para o próprio Caetano Veloso, que marcou presença na espetáculo do cara que é seu maior fã, o movimento não teria muitas chances nos EUA: “Os americanos são muito organizados. Não estou dizendo que não possa surgir algo musicalmente semelhante, mas eles não são de regiões tropicais. São temperados, pode ser que haja a ‘temperália'”, brincou o cantor, sorrindo. Já para a designer carioca Cecília Rodrigues, daria certo sim: “Eles são muito abertos a diferentes estilos musicais, então, por que não?”

Fã assumida de Devendra, Ana Clara Pires, estudante de História da Arte, aposta no artista como um bom exemplo do que seria a tropicália americana: “Imaginaria algo com uma ideologia livre, influências latinas e um estilo entre o folk e o psicodélico liderado pelo Devendra”. Em contrapartida, o músico Bruno Schulz é da corrente de que os gringos não têm chance com o swing brasuca: “Seria mais rígida, quadradona, não teria o rebolado do brasileiro. Quando a gente vê algum gringo fazer um som parecido, como o Devendra, o resultado até pode ficar bem bacana, mas não tem o mesmo molejo. Vale a homenagem, não é?”. Certo ele ou não, para Ana Carolina Tavares, outra estudante de História da Arte, apesar da veia tropicalista do cantor, os estilos não se encaixariam: “É muito genuíno do Brasil. Precisaria de muitas influências latinas para combinar. Dá para agregar várias culturas”, afirmou.

Fotos: Vinícius Pereira