Coisa mais linda a live (e a estante) de Caetano Veloso


Ao lado dos filhos Moreno, Zeca e Tom, Caetano Veloso transformou um canto da sala de casa em palco e fez boa parte do país suspirar com sua tão aguardada live. A única coisa que desviava brevemente o foco da música era a estante do artista, um tema quase tão comentado quanto o repertório.

*Por Simone Gondim

A tão aguardada live de Caetano Veloso aconteceu, como ele mesmo disse, em uma data cabalística – o 7/8 em que o artista completou 78 anos. Bem produzida e com transmissão exclusiva pelo GloboPlay, braço da TV Globo no streaming, a apresentação foi aberta ao público, sem QR Code na tela e com pedidos de doação que eram a cara do aniversariante, feitos de forma elegante, mas com discursos fortes – afinal, Paula Lavigne não brinca em serviço e sabe como ninguém capitalizar seu maior ativo. Na companhia dos filhos Moreno, Zeca e Tom, Caetano presenteou a plateia com sucessos como “Reconvexo”, “Cajuína”, “Luz do sol”, “O leãozinho”, “Um índio” e “Qualquer coisa”, em uma hora e meia de show.

Além das músicas e do claro entrosamento entre pai e filhos – teve até bronca discreta em Zeca, que havia deixado brevemente o canto da sala transformado em palco -, chamou a atenção a belíssima estante da casa de Caetano. A brincadeira entre os fãs que comentavam a live em tempo real era tentar identificar os livros e, com mais esforço, os discos e CDs. A biblioteca do baiano é variada: um exemplar de “O alquimista”, de Paulo Coelho, está pertinho da autobiografia do cineasta Serguei Eisenstein, por exemplo. Também chamavam a atenção fotos e pinturas – duas imagens da irmã Maria Bethânia se destacavam em uma das prateleiras. No chão, dois quadros, lado a lado, com imagens em preto e branco dos rostos de Caetano e Paula.

(Foto: Reprodução Instagram)

Reforçando mais de uma vez que quase não ensaiou aquela apresentação com os filhos, Caetano chegou a errar parte da letra de “Queixa”, mas preferiu seguir com a música. Em “Odara”, ele parou de cantar para falar do Balé Folclórico da Bahia, ressaltando que faz aniversário no mesmo dia em que o grupo foi criado e avisando que era possível ajudar com doações por meio de um link em sua conta do Instagram. “Eles vivem de apresentações e estão parados por causa da pandemia. Para mim, vai ser um presente se vocês contribuírem”, afirmou o artista.

As questões políticas e sociais não foram esquecidas. Além de serem mencionadas em canções como “Pardo”, Milagres do povo” e “Podres poderes”, apareceram nas críticas do artista aos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Caetano aproveitou e pediu contribuições para a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, entidade que luta contra a propagação do coronavírus nas aldeias e usa o dinheiro arrecadado para comprar alimentos, remédios e material de higiene para os índios.

Caetano, Moreno e Tom: sintonia artística (Foto: Reprodução Internet)

Depois de cantar “Sampa” sozinho ao violão, Caetano fez questão de explicar o jogo de palavras feito com poesia concreta e o concreto das construções da cidade, enfatizando que a poesia concreta nada tinha de dura. Na sequência, o artista apresentou sua versão musicada para o poema “O pulsar”, de Augusto de Campos, com um vídeo que trazia as palavras piscando no ritmo da música. “Esse poema é uma partitura”, definiu.

Ao longo da apresentação, o público podia enviar mensagens que eram mostradas na parte inferior da tela. Até o amigo de longa data Gilberto Gil fez questão de mandar seu recado: “Todos aqui em casa estão assistindo. Feliz aniversário, mais uma vez”, dizia o texto. A família Gil, aliás, foi bastante lembrada pelo aniversariante. Além de elogiar o talento do amigo e dos filhos, dizendo que eles, sim, eram uma família musical, Caetano aproveitou para se retratar de um momento constrangedor vivido em suas redes sociais. Em abril, ele apareceu em um vídeo dizendo que achava horrível o sapato que calçava, só que o acessório havia sido um presente de Preta Gil. Durante a live, o cantor e compositor chamou a atenção para os próprios pés. “Estou com a sandália que Preta deu. Para ela ver que eu uso em hora especial”, enfatizou.

Dança contagiante para fechar a live (Foto: Reprodução Internet)

Generoso, Caetano deu a Moreno, Zeca e Tom chances de brilhar durante a live. Zeca soltou o falsete em “Todo homem”, cuja beleza já era conhecida de quem assistiu ao show que deu origem ao álbum “Ofertório”. Moreno, o mais solto dos irmãos, dividiu o microfone com o pai em “Sertão”, linda composição dos dois, e “O homem velho”, mas também fez backing vocal em várias canções e mostrou ritmo ao transformar em instrumentos um prato, um talher e duas lixas. Já Tom cantou “Talvez”, parceria dele com Cézar Mendes.

Nos últimos minutos da apresentação, Tom sai de cena e volta com um bolo e velas acesas. Nem Caetano resiste e canta duas versões de “Parabéns a você” junto com os filhos. “Foi para isso que a gente fez a live. Para os meninos estarem comigo e cantarem parabéns para mim”, brincou o aniversariante. Na sequência, a alegria de “How beautiful could a being be”, contagiante até para o artista, que começa dançando sentado na cadeira para depois ficar de pé e acompanhar Moreno, com seu característico gingado. Quando a tela escurece, anunciando o fim do show, só nos resta terminar a noite cantarolando e desejar vida longa para uma das lendas da música brasileira.