* Por Carlos Lima Costa
O cantor e compositor Claudio Lyra acaba de lançar Vale da Realidade, seu terceiro álbum solo, onde inova em sua trajetória artística apostando na ruptura sonora através da utilização de sintetizadores e guitarra elétrica em seu novo repertório. “Trago esse rompimento na sonoridade em relação aos meus dois primeiros discos que eram analógicos, mas continuo com minha busca da brasilidade. Isso é quase uma filosofia. A música brasileira é rica. É inspirador usar ritmos como baião e o samba”, frisa. Não é a toa que o músico e também produtor apresenta esse foco. Afinal, bebeu na fonte de clássicos da nossa canção com o tio, Carlos Lyra, 87 anos, um dos pais da Bossa Nova. Ícone desse movimento musical, o artista é autor de clássicos como Minha Namorada, sendo este em parceria com Vinicius de Moraes (1913-1980).
“Quando pequeno, eu lembro que ele chegava nas festas em minha casa, tocava e cantava e todo mundo parava para ficar ouvindo. Me diziam que ele era importante, mas, nos anos 80, ele teve um período de ostracismo. Então, eu sabia que tinha uma tia, atriz famosa (Kate Lyra, ex-mulher de Carlos), que eu via na TV. Mas na rua, acontecia, às vezes, de vir alguém reverenciando ele. Eu só fui ter a verdadeira dimensão da importância dele, quando comecei a aprender a tocar violão. Naquela época, com 13 anos, eu queria ter banda de rock. Agora, a obra dele é daquelas fundamentais, uma escola de música”, recorda, citando Se a Tarde me Perdoa, Maria Moita e Marcha da Quarta-Feira de Cinzas, entre as algumas canções que admira de seu tio.
Antes da pandemia começar, Claudio, inclusive, vinha viajando pelo Brasil com o tio, na turnê do show Lyra Ao Vivo. “Em 2017, ele levou uma queda em casa e machucou o ombro, então, era eu quem vinha tocando nas apresentações”, conta ele, filho da irmã de Carlos, a professora de História e Artes Cênicas Maria Helena Lyra, com o engenheiro civil Claudio Fialho. “Minha paixão pela música também vem muito dos meus pais, mas eles ficaram apavorados quando decidi largar a engenharia para viver de música”, recorda. Ele estava participando da turnê quando começou a realizar o trabalho recém lançado. E naturalmente mostrava a Carlos Lyra as novas canções que vinha compondo.
Em setembro do ano passado, Claudio começou a apresentar o novo repertório com o lançamento nas plataformas digitais do samba eletrônico Não Tenho Mais Créditos. Depois, vieram Deixa Eu Falar II e a faixa título. As composições, quase na totalidade, foram feitas antes da pandemia, período em que produziu o álbum em parceria, mas a distância, com Jr Tostói, guitarrista de Lenine. “Foi um processo bem diferente”, lembra. Eu Vou Te Transformar é a atual música de trabalho.
E relata como a pandemia impactou sua vida. “Vivi uma montanha russa de emoções igual a todo mundo. No início, fiquei preocupado que pudéssemos ir para o caos, baderna social, ter um desabastecimento. A questão do confinamento obrigatório é pesada, mas fomos nos acostumando”, lembra. O artista de 47 anos compõe muito a partir de reflexões e observações sobre a sociedade. Logo no início da pandemia, despretensiosamente compôs Tô Aqui, enquanto colocava o filho, Gabriel, de 10 anos, para dormir. O menino e a mãe, esposa de Claudio, a atriz e escritora Mariana Dias, inclusive, participam da gravação. Apesar de ser uma canção de ninar, a letra está imbuída de um clima pandêmico. “Estou aqui para o que você precisar/Tô aqui /Se precisar é só chamar/Ninguém Solta a Mão de Ninguém/ Enquanto a tempestade Não Passar.” Para seu herdeiro, Claudio já compôs outras músicas, como Melodia do Céu, no dia em que o menino nasceu.
Em novembro, a família passou por um sobressalto. Ele e a mulher testaram positivo para a Covid-19. Apesar de estar com eles, o filho não teve a doença. “Tive poucos sintomas e ela nenhum. Tenho uma característica que em momentos de pressão psicológica eu fico mais zen, não deixo a mente se perder. A música também sempre foi um lugar de refúgio para mim. Nos momentos difíceis ela me acolhe de forma visceral”, frisa ele, cujos álbuns anteriores, Em Paz Com os Meus e Autobiografia Não Autorizada, foram lançados respectivamente em 2008 e 2017.
Claudio chegou a trabalhar como cantor na noite, mas ao longo dos anos se dedicou a criar trilhas para TV e cinema, como em Memórias do Movimento Estudantil, documentário realizado por Silvio Tendler, para celebrar os 70 anos da União Nacional dos Estudantes (UNE). “Eu me formei em engenharia, fui trainee de um escritório. Mas fiz uma viagem mochilando pela Europa, que mudou a minha vida. Vi que a carreira corporativa não era para mim. Cantar na noite é uma escola, mas também não se ganha bem. Então, comecei a fazer trilhas”, conta.
E prossegue: “Fiz meu primeiro show profissional quando surgiu o Napster (serviço de streaming de música). Fui me desenvolvendo quando o mercado fonográfico foi se deteriorando. Mas acho que atualmente o momento é mais democrático. No geral, o artista tem condição de viver de música. No meu caso, sempre vivi de música por conta das trilhas. Foi a maneira que eu consegui. Nesse momento, o mercado está sofrido. Além da pandemia, tem o contexto político de desmonte do setor audiovisual”, ressalta.
Logo que começou a compor, seu tio gravou sua música O Barco e a Vela no CD Sambalanço. E em seu segundo disco, Claudio incluiu Passageiros, letra dele e música de Carlos, que a incluiu no CD dele Além da Bossa. Passageiros até parece ter sido feita em plena pandemia: “Somos todos passageiros desse trem desgovernado/Que ninguém sabe/Em que parada vai chegar”, diz a letra desse bolero meio bossa nova.
https://youtu.be/G0PFzqb9Ij0
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