*Por João Ker
Iggy Azalea liberou na manhã desta quarta-feira (13/8) o aguardado videoclipe para a música “Black Widow”, sua parceria com Rita Ora e com composição assinada por Katy Perry – a qual parece estar distribuindo as sobras do tacho de seu último álbum “Prism” para qualquer popstar disponível que levante o dedinho pedindo um hit. E, como os teasers já sugeriam, a produção é uma nítida “homenagem” ao longa Kill Bill, um dos master clássicos de Quentin Tarantino estrelado por Uma Thurman em 2003. Acontece que, apesar de a ideia soar boa no papel, o resultado final é fraco e não chega nem de perto ao nível do maior sucesso da carreira da rapper, “Fancy”. E, afinal, de bem intencionados, o inferno da música pop está transbordando de gente que pisou na bola, gente que tentou fazer gracinha a qualquer custo e, para pagar os pecados, deve estar amarrada a uma rocha com um coro de medusas cantando algum sucesso setentista de Barry Manilow no pé do ouvido. Confira!
“Black Widow”
Pois é, depois de conseguir manter-se por sete semanas com dobradinha no topo dos charts da Billboard – um feito alcançado apenas por outros cinco artistas -, era de se esperar que Iggy aumentasse o nível do jogo. A ideia de recriar as icônicas imagens de Alicia Silverstone em “As Patricinhas de Beverly Hills” (“Clueless”, 1995) no vídeo de “Fancy”, sua parceria com Charli XCX, funcionou muitíssimo bem e a música logo se tornou um hit mundial, considerada um dos “20 hinos de verão da década” pela Rolling Stone. Logo, a ideia de recriar “Kill Bill” em um clipe soou apropriada – apesar de nada original – para uma música relativamente boa, com uma pegada mais pop do que rap e um enorme potencial para se tornar um sucesso avassalador.
Mas, se depender do vídeo, isso não vai acontecer. Entre os muitos problemas presentes, até o início já faz qualquer amante de música pop levantar uma sobrancelha de Odete Roitman e torcer o nariz que nem Endora, a mãe da Feiticeira. Iggy é uma garçonete que atende Rita enquanto esta está acompanhada por um sujeito mal encarado e extremamente grosseiro (o ótimo Michael Madsen, um dos atores-fetiche de Tarantino e integrante do elenco de “Kill Bill”) , em uma cena que parece uma versão menos potente de “Telephone”, parceria de Lady Gaga com Beyoncé lançada em 2010 e que também traz referências a “Kill Bill”. Apenas quando a rapper branca entra na cozinha para cortar o alface que a ação começa e, junto com ela, surgem algumas das cenas mais sofríveis do clipe.
Para um roteiro inspirado em Quentin Tarantino e uma música que fala sobre “amar como uma viúva negra”, a quantidade de ação e lutas é extremamente insuficiente. Parece até que o diretor resolver economizar na glucose de milho, o ingrediente número um do sangue cenográfico. E inspiração em “Kill Bill” sem sangue cenográfico não é inspiração em “Kill Bill”, convenhamos. Nos poucos momentos em que ela acontece, é sempre em câmera lenta em cenas que parecem mais um reclame de uma nova tintura da L’Oréal do que em golpes de artes marciais. Literalmente um bate-cabelo.
A direção de Doctor X beira o amadorismo, principalmente quando faz uso dos efeitos especiais até para dar vida a uma mini-aranha. No geral, tudo demonstra ser não mais do que uma tentativa pífia de recriar os videoclipes bem elaborados de Joseph Khan, um dos maiores no gênero e nome praticamente onipresente nas produções dos anos 2000, profissional que sempre conseguiu contar uma ótima história em quatro minutos, sendo o autor de vários vídeos da iconografia pop como “Behind These Hazel Eyes” (Kelly Clarkson), “The Sweet Escape” (Gwen Stefani), “Waking Up In Vegas” (Katy Perry), “Lovegame” (Lady Gaga) e “Toxic” (Britney Spears), o qual também pode ser associado a “Black Widow” através de uma cena onde as protagonistas estão fazendo a dança da motinha na velocidade 5.
E, como se não bastassem todaos essas pisadas na bola, Rita Ora continua se assemelhando a uma versão menos atraente de Rihanna (dessa vez, no vídeo de “You Da One”), ainda mais se considerarmos a irritante lentidão das cenas. A música deve fazer sucesso nas rádios. Os ecos de uma possível fascinação remanescente por “Fancy” e “Problem” estão ainda por aí dando as cartas. A sorte é que nem Iggy Azalea e nem Ariana Grande (que também já teve sua cota de podridão audiovisual esgotada nesta semana com “Break Free”) vivem nos tempos da MTV e não dependem de videoclipes na tevê para emplacarem um hit. Mas, ainda assim, é triste ver alguém pegar um referencial tão bacana e assassiná-lo com uma espadinha mixuruca. O conceito poderia ser criativamente frutífero e tão profundo quanto um golpe de katana.
É a velha questão: a cópia da cópia da cópia, quando feita sem brio, mas somente com o intuito de pegar carona, acaba virando pastiche. E, se considerarmos que Tarantino, por si só, já é um diretor que brinca com o cinema de gênero, homenageando brilhantemente a memorabilia cinematográfica com pérolas que flanam por imagens referenciais de outros filmes, abordá-lo de forma gratuita, sem a consistência necessária para fazê-lo, pode virar uma sinuca. Bang bang, my babe shot me down, meu bem!
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