*Por Domênica Soares
Ontem, hoje e sempre. Essas foram as três palavras escolhidas por Chico César para se definir. São poucas palavras, mas resumem a complexidade do cantor e compositor e seu olhar de lince sobre o nosso cotidiano. Com a bagagem de mais de 20 anos de carreira, ele lança o álbum intitulado “O Amor É Um Ato Revolucionário”, composto por 13 faixas. O trabalho tem a participação especial de Agnes Nunes em “De Peito Aberto” e Flaira Ferro em “Cruviana”, e ainda, Luiz Carlini (guitarrista) na faixa principal. Embalado em suas vivências, esse é o nono álbum inédito, dos 12 que já assinou em sua trajetória. E o link entre o Chico César músico e escritor? “É um desdobramento do estado de poesia. Ele nasce naturalmente de minhas vivências cidadãs e pessoais”, conta.
O título do novo trabalho sugere que as pessoas falem de amor, mas mostra que ainda é um ‘ato revolucionário’ resistir no afeto no século 21. Como afirma no refrão: “O Amor é um ato revolucionário/ A besta humana torna em anjo apascentado/ Em amoroso afia o espírito mais irado/ O corpo e a alma como outro todo e tudo/ Quem ama fala ao mundo mesmo mudo”. Para ele, o trabalho é uma extensão de suas vivências e, assim, resulta em realidades verdadeiras cantadas. “Não se trata de uma ideia. Eu componho e tematizo minhas vivências. As redes sociais estão aí, fazem parte dessas vivências. É natural que entrem em meus assuntos, minhas reflexões. Antes desse disco a cantora baiana Illy Gouveia já havia gravado uma música minha chamada “Só Eu e Você” que diz: “Nesse instante o Instagram não terá fotos pois as fotos não são vida, são depois”, declara.
Segundo Chico, a produção nasce da vida com o propósito de circular o máximo possível, ocupar espaços provocando a dança e a reflexão. Ele aproveita para falar da importância das temáticas trazidas nas 13 canções e diz: “Canção é uma espécie de crônica, né? De comentário. Acho que é um jeito de refletir dançando, pensar ludicamente, desendurecer para não perder a ternura guevariana”, afirma. Para além das músicas, Chico é conhecido por ser militante em diversas questões sociais. Desde que saiu da Paraíba e ganhou o mundo, ele busca usar da arte como um meio para disseminar temáticas importantes e urgentes que precisam estar em pauta na sociedade. Mas não fica apenas nas letras, ele realmente ocupa e vai até locais que se faz ser escutado. “Cantá-las já ocupa bastante tempo, mas quando posso toco em acampamentos, ocupações, escolas ocupadas, Assembléia Legislativa tomada por estudantes, entre outros”, revela.
O disco foi gravado em São Paulo e no Rio de Janeiro. A capa do álbum foi criada pelo paraibano Daniel Vincent e expõe Chico César em uma fotografia de José de Holanda com figurino de Fernanda Yamamoto. As faixas são escritas e musicadas por Chico, exceções são “History” (produzida e arranjada por Márcio Arantes), “Pedrada” (produzida e arranjada por Eduardo Bid) e “Eu Quero Quebrar”, que além da leitura de Chico e banda ganhou uma versão bônus produzida por André Abujamra.
Nas redes sociais, ele acumula mais de 200 mil seguidores e fala sobre censura, amor, futuro e claro, muita poesia. Sobre o uso de suas redes, ele diz que usa o Instagram e o Facebook pessoal, mas que acha ruim quando se tem apenas espectadores. “Acho que é positivo que as pessoas possam se comunicar entre si, não acho ruim. Pior é o modelo anterior (ainda em vigência), em que um só emissor é o dono da fala e os outros são apenas receptores, espectadores. Nas redes sociais todo mundo é performer, mas muitos preferem ser apenas “repetidor”, tirando de si próprio o protagonismo. E aí falta reflexão, crítica”, analisa.
Chico é um exemplo nos palcos, nas entrelinhas e em suas composições. Fora do meio artístico, ele se diz ser apenas um cidadão e chama atenção para o universo velado que vivemos constantemente: “Sou um cidadão afroindígena num país que se acha branco e é bastante racista por causa da não aceitação de sua própria condição”, declara. Ainda fala sobre suas inspirações e diz que são artistas negros nascidos em cidades interioranas de estados nordestinos periféricos: Jackson do Pandeiro (nascido em Alagoa Grande, Paraíba), João do Vale (nascido em Pedreiras, Maranhão) e Luiz Gonzaga (nascido em Exu, Pernambuco). E, Chico, qual seu maior sonho? “Manter a capacidade de sonhar acordado e dormir tranquilo”.
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