“Meus Amigos Fazem Rima”, faixa que inaugura o mais recente álbum da Cone Crew Diretoria, o “Bonde da Madrugada, Pt. 1”, é um cartão de visitas sem titubear. A crew formada por Papatinho, Cert, Rany Money, Maomé, Batoré e Ari canta que “já deu m… no aeroporto” por causa da “mochila de beck” e que, por causa disso, a “Cone Crew Diretoria não entra mais no avião”. Isso sem contar que, quando fumam “um bagulho bom de vez, aperta o skunk holandês com haxixe paquistanês”. E, para quem quiser ousar questionar, o grupo arremata: “O bonde dá bongada, fumo o fino e fuma a tora. Aí, sou ConeCrew, pois a Cone me fez viver. Sou Cone e vou ser Cone até o dia que eu morrer”.
Em tempos de conservadorismo latente, se engana quem acha que o discurso sem constrangimento – e, convenhamos, cheio de rima – sobre drogas afasta a audiência. Só no Facebook são mais de dois milhões de fãs, enquanto o último clipe – o de “Rap, Cerva, Erva e Muita Larica” – postado no Youtube ultrapassa a marca de 15 milhões. E detalhe: já são três álbuns no mercado, deste o lançamento do primeiro em 2007. Por essas e outras que HT chamou Maomé para tentar entender melhor o sucesso. E já mandamos na alta: “Qual o limite entre a liberdade poética e a apologia?”.
“O limite é a interpretação e o bom senso. Nossas músicas levam alegria e lazer para as pessoas. Nossa apologia é pela liberdade de expressão. Acredito que a banda ainda tenha trechos muito mais relevantes”, afirmou. Mas… a canção da crew mais executada no serviço de streaming mais popular no país, a própria “Rap, Cerva, Erva e Muita Larica”, segue linha semelhante: “Um beck de Amsterdã? Aham. Ficar tranquilo meu parceiro, chapando até de manhã. (…) Me perguntaram, é claro se ‘É pra levar beck?’. Aham! Aham!”.
E aí que Maomé joga a carta certeira, ao ser questionado como as rádios e a televisão – mídias de grande divulgação para o mercado da música -, se comportam em relação às composições do grupo: “Nós vivemos no país de Tim Maia, Cássia Eller, Elis Regina entre outros vários que já estiveram aqui para comprovar que a arte está acima dos rótulos”. Pá de cal jogada no embaraço do discurso polêmico, ele foi tácito quanto o lado social da questão: “A lei hoje em dia está mais flexível para o usuário e mais rigorosa para o traficante”.
E continuou: “O único motivo da proibição (do uso de maconha) é o grande lucro de poucos com a guerra das drogas. Nosso vizinho Uruguai já tomou frente entre os países latinos aprovando a legalização, que é favorável para todos. Nos Estados Unidos cada vez mais os estados liberam o uso recreativo e medicinal. Mas fanáticos religiosos e broncos ignorantes sempre vão reprimir qualquer coisa que seja diferente do que eles acham certo, seja maconha, seja cheeseburguer”.
Porta-voz da Cone (de Com Os Neurônios Evaporando), nessa entrevista, Maomé avaliou que a cena do rap – e as impressões sobre o gênero – evoluiu desde que o grupo começou lá em 2006, no nosso Rio de Janeiro. “Evoluiu, assim como as mídias e o volume de distribuição digital delas. Pessoas preconceituosas são isso por sua natureza, e não é culpa do rap, nem dos seus ouvintes”, disse. A busca, agora, é por entregar nas gôndolas o “Bonde da Madrugada pt.2” e reforçar a ideia da não rotulação, tanto de quem compõe a crew (há integrantes que não usam maconha), quanto de quem ouve.
“Temos muitos fãs, amigos e familiares que não usam nenhum tipo de drogas. Essa visão de Cone Crew só fala de maconha, é a visão de 10 anos atrás. Hoje em dia, a banda elevou o nível da música independente no país e tem participações com artistas de calibre pesado (Anitta e Ludmilla são bons exemplos). A Cone tem músicas de balada, músicas para mulheres, música para refletir sobre a vida e principalmente, um clipe dedicado para as mães”, reforçou Maomé, que conta que metade da banda já tem filhos e “vive por sua própria responsabilidade”. “Tem moleque de 14 mais vivido que barbado de 40”, mandou.
Portanto, sem rótulos e sem composições monotemáticas, a Cone Crew Diretoria segue no bonde da madrugada, fazendo rima e não necessariamente fumaça, mas com uma vontade: levar a atriz global Tatá Werneck num rolê qualquer dia desses. Ah, e se, de repente, “o bagulho fica doido” e “geral te envolve”, lembra do grito dos caras: “Chama os malucos doidos da Cone que eles resolve”. Pelo menos duas milhões de ajudas eles vão ter. Dá para garantir, meu irmão.
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