Cantora Simona Talma, após diagnóstico de câncer de mama, criou músicas sobre as vulnerabilidades físicas e emocionais


O sentimento de solidão em situações como essa é devastador, de acordo com a cantora. Ela pontua que, por mais que as pessoas tentem compreender e ajudá-la, está sozinha neste processo. As músicas, divididas em dois segmentos: antes e depois do diagnóstico, tornaram-se, então, a forma mais terapêutica que ela encontrou para lidar com o que estava acontecendo. Meses após o lançamento de seu EP “Lado A, Lado D”, sobre o câncer de mama, a cantora Simona Talma se coloca como forte símbolo político à favor do movimento de conscientização sobre a doença. “A mensagem mais importante que queria trazer para este trabalho era o diagnóstico precoce. Falar sempre e incansavelmente sobre o diagnóstico precoce. Porque o meu diagnóstico não foi tão precoce. Eu já estava com um tumor bem grande Não dava para operar naquele momento. A gente precisava de uma diminuição [dele] o máximo possível. Quando soube que o meu câncer estava no grau dois, tomei consciência que tudo seria mais simples se eu tivesse diagnosticado antes. Vivi isso na pele”

Cantora Simona Talma, após diagnóstico de câncer de mama, criou músicas sobre as vulnerabilidades físicas e emocionais

*por Luísa Giraldo

A cantora Simona Talma entende que a campanha de conscientização do câncer de mama não deve se restringir apenas ao mês de outubro. Paciente em estado de remissão da doença, a cantora atribuiu ao EP “Lado A, Lado D” o compromisso de narrar a jornada dela antes e após o diagnóstico de câncer com sensibilidade e profundidade. Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, a compositora potiguar abre o coração sobre o processo de cura, os desafios enfrentados como paciente oncológica no mundo da música e a coragem de expor as vulnerabilidades físicas e emocionais neste projeto.

Simona comenta que o diagnóstico impactou profundamente sua qualidade de vida, a dinâmica profissional e a rotina da família. Segura do projeto, ela destacou que pretende desdobrar a experiência oncológica em futuros trabalhos, já que “tudo ainda está na emoção” por ser uma vivência tão recente. A cantora acredita que ainda há muito a ser explorado no tema.

“As músicas deste trabalho me ajudaram no meu processo [de cura]. Não tinha condições de fazer shows. Era muito difícil. Não conseguia trabalhar pela reação da quimioterapia no meu corpo. Contava os dias que eu não sentia e ainda não sinto dor. Precisava saber se um dia eu estaria melhor. Com a ajuda dos meus parceiros, que já estavam do meu lado ou que naturalmente foram se aproximando naquele momento, compus algumas músicas. Entendo que nem todas essas parcerias não tinham como intenção falar sobre o momento que estava passando, mas afirmo que me ajudaram imensamente”.

A artista Simona Talma abre o coração sobre o diagnóstico de câncer

A artista Simona Talma abre o coração sobre o diagnóstico de câncer (Foto: Larinha R. Dantas)

Simona descreve que escutava as próprias músicas durante as emergências oncológicas, em que ela era internada com reações inesperadas do tratamento. Ao perceber o “poder curativo da música”, a artista passou a trabalhar nas canções com consciência do que desejava desenvolver no projeto.

Segundo a cantora, a música tem a capacidade de colocar o ouvinte em um estado mais centrado e equilibrado. Ela avalia que as canções e a cultura têm um valor ímpar para pessoas que estão passando pelo processo de cura. 

Fiz o que estava ao meu alcance para concretizar o meu trabalho. Busquei fazer o que eu mais sei fazer: a música. A intenção era que as canções chegassem até as pessoas que estão passando por tratamentos semelhantes – Simona Talma

“A mensagem mais importante que queria trazer para este trabalho era o diagnóstico precoce. Falar sempre e incansavelmente sobre o diagnóstico precoce. Porque o meu diagnóstico não foi tão precoce. Eu já estava com um tumor bem grande, Não dava para operar naquele momento. A gente precisava de uma diminuição [dele] o máximo possível. Quando soube que o meu câncer estava no grau dois, tomei consciência que tudo seria mais simples se eu tivesse diagnosticado antes. Vivi isso na pele”, atesta.

Apesar do constante sentimento de medo a cada exame, Simona ressalta a importância de colocar a saúde em primeiro lugar. Ao longo do tempo de tratamento e, até mesmo, após o fim dele, o paciente aprende a lidar com a ansiedade. Geralmente, os exames de acompanhamento possuem uma periodicidade de três a seis meses, dependendo da doença.

Simona Talma comenta sobre a potência curativa da música

Simona Talma comenta sobre a potência curativa da música (Foto: Larinha R. Dantas)

A compositora potiguar aproveita a oportunidade para descrever algumas curiosidades sobre a doença. “Temos que ter muita sensibilidade para falar sobre o câncer de mama, já que ele fica escondidinho e sem sintomas em muitas das vezes. O meu tumor ficou escondido, então foi bem difícil de diagnosticar. Na verdade, fui eu que senti ele. A gente tem que ter insistência e sensibilidade. A gente precisa se cuidar, ouvir o nosso corpo e prestar atenção na forma como vivemos. Hoje, a tendência é que a gente não ouça os sinais do corpo. A gente vive de forma a servir apenas ao nosso trabalho e ao ritmo acelerado das coisas. Esse é um dos motivos para a gente ainda morrer de câncer. A gente não consegue diagnosticar e tratá-lo a tempo. Quando a gente percebe, está em uma situação complicada demais e passa por  por tratamentos extremamente agressivos que tiram a nossa força”, reforça.

A gente aprende a lidar com o caos na hora do diagnóstico, ou até antes, pela dúvida. Vivemos uma ansiedade monstruosa pela forma que o câncer ainda é visto. As pessoas já enxergam ele como uma sentença de morte, então a gente pensa que já vai morrer e que não há saída. O que acontece durante o tratamento também é muito intenso porque os médicos procuram deixar a gente muito ciente que cada decisão tomada é determinante e pode ser fatal. A parte emocional é uma das mais difíceis de lidar – Simona Talma

 

Desafios como mulher na contemporaneidade

A compositora Simona não deixa de relacionar a doença ao cansaço físico, mental e emocional sofrido pela figura da mulher ao longo da história. Sem medo de se colocar politicamente, ela entende que a sociedade ainda romantiza a jornada tripla feminina, como trabalhadora, mãe e esposa e mulher.

“No Dia das Mães, ao invés de dar flores, devemos ver o que ela está precisando e de que forma podemos ajudá-la. Devemos perguntar se ela está cuidando da saúde. A gente precisa se voltar para as nossas mães, as nossas avós e as mulheres, que assumem uma carga muito pesada dentro das famílias”, critica.

Estamos presas em uma busca muito intensa de mostrar que somos capazes e que conseguimos ser independentes, mas as coisas não precisam ser assim. Acredito que a minha geração age dessa forma porque as mães nos incentivaram a buscar o nosso caminho – Simona Talma

A artista aborda, por outro lado, o tópico da resiliência emocional e da dificuldade de mostrar as fraquezas e vulnerabilidades durante o tratamento de câncer. Em busca da sensação de normalidade no dia a dia, Simona revela que evitava ao máximo reclamar sobre a doença e, na companhia dos amigos e familiares, sorria como ninguém. Afinal, ela havia colocado como meta incluir atividades em sua vida para que ela não “virasse o câncer” e deixasse de viver.

A artista Simona Talma lança um EP baseado em sua trajetória com o câncer de mama como mulher

A artista Simona Talma lança um EP baseado em sua trajetória com o câncer de mama como mulher (Foto: Larinha R. Dantas)

“O câncer faz com que a mulher deixe de ser mulher. Ninguém mais olha para ela dessa forma. O meu marido me olhava como mulher, porque me ama, mas sei que muitos homens não conseguem. Aos poucos, a gente deixa de ser profissional. A gente vai deixando de ser tudo e acredito até mesmo que as mães acabam deixando de ser mães, porque não conseguem mais exercer tudo o que elas faziam. Parece que tudo desaparece e a gente se torna apenas uma doença”, lamenta.

O sentimento de solidão em situações como essa é devastador, de acordo com a cantora. Ela pontua que, por mais que as pessoas tentem compreender e ajudá-la, está sozinha neste processo. As músicas, divididas em dois segmentos: antes e depois do diagnóstico, tornaram-se, então, a forma mais terapêutica que ela encontrou para lidar com o que estava acontecendo .

“Não [conto a história] de forma literal, mas acompanha a minha trajetória. Entendo essas músicas de uma forma completamente diferente agora. Acredito que o canto, todas as músicas, as de antes e aquelas de agora, todas têm novos significados. Elas todas [são] ligadas a essa história. E é um processo muito interessante ressignificá-las”.

 

Outubro Rosa

O movimento internacional do Outubro Rosa visa conscientizar mulheres de todo o mundo para o controle do câncer de mama. A campanha foi criada no início dos anos 1990 pela Fundação Suzan. G Komen for the Cure. Atualmente, a data é celebrada no mundo inteiro durante o décimo mês do ano. A compositora Simona avalia que, apesar de importantes, as ações devem ser expandidas e mais divulgadas.

A paciente oncológica relembra da homenagem que recebeu na Assembleia Legislativa por uma bancada parlamentar só de mulheres. “Todas as deputadas, de partidos completamente diferentes, do Partido Liberal (PL) ao Partido dos Trabalhadores (PT) juntas eram muito fortes [fazendo a homenagem]. Foi um momento muito lindo. Elas têm uma ação muito intensa em relação ao Outubro Rosa, unem todas as pessoas que estão no movimento. Elas juntam pessoas que são importantes para o processo e trazem luz a esse assunto”.

A compositora Simona Talma critica o machismo estrutural

A compositora Simona Talma critica o machismo estrutural (Foto: Larinha R. Dantas)

Ao presenciar a ação das deputadas, Simona teve a suspeita confirmada que as ações precisam ser, de fato, estimuladas para que as pessoas tenham acesso a informações sobre a doença.

Para a artista, um elemento chave – e pouco falado – do processo de cura foi o apoio emocional e psicológico que recebeu das terapeutas. Algumas das sessões eram realizadas dentro do hospital e compõem o tratamento oncológico, com o objetivo de acompanhar a saúde mental do paciente no que diz respeito aos acontecimentos relacionados à doença. Já a outra terapeuta cuidava de todos os outros aspectos da vida dela.

A potiguar explica a importância das duas terapias. “São tantas coisas para lidar que não  a doença, como quem está cuidando de você na sua casa? Como está? Como essa pessoa está lidando com isso? Ela está se cuidando ou apenas voltada para você? Como estão os seus pais, a sua família e as pessoas próximas? Quando estamos vivendo uma doença como essa, sinto que todos à nossa volta adoecem juntos. Ninguém está sozinho, por mais que a pessoa se sinta assim”. 

Cantora Simona Talma, após diagnóstico de câncer de mama, criou músicas sobre as vulnerabilidades físicas e emocionais

Simona Talma: a música como companheira no antes e depois do diagnóstico do câncer (Foto: Reprodução/Instagram)

Mesmo com receio, Simona aceitou o desafio de “ser cuidada”. A posição de dependência do outro fez com que desafiasse a própria forma na qual concebe o amor. No processo, as profissionais da saúde recomendaram que ela tomasse medicamentos para dosar o nível de ansiedade. Ela optou pelo uso de florais.

As pessoas que me amam vão cuidar de mim – Simona Talma

“Em alguns momentos, a gente se sente no fundo do poço e quer desistir. Costumo dizer que pedia para morrer uma vez por mês. Na maior parte do tempo, eu era uma pessoa que estava bem. Os meus amigos demoraram a acreditar porque diziam que não havia acontecido nada comigo. É claro que eu sentia tudo, mas queria manter a minha vibração positiva para aguentar tudo aquilo que estava sentindo. Mas a gente tem que aprender a lidar com a tristeza”, confessa.

Segundo a potiguar, os pacientes oncológicos não desejam a distância das pessoas. Ao contrário, eles precisam de ajuda e apoio diversos. Muitas vezes, eles podem se manifestar com uma conversa, um desabafo ou, até mesmo, a ajuda em uma tarefa doméstica.