* Por Carlos Lima Costa
O vocalista do Biquini Cavadão, Bruno Gouveia, desde que perdeu o filho Gabriel, aos dois anos, vítima de um acidente de helicóptero, que matou também sua ex-mulher, Fernanda Kfuri, costuma dizer que “a dor passa, o que não passa é a lembrança da dor”. E ele, no momento em que foi pai novamente, enfrentou durante a pandemia a experiência de um turbilhão de emoções: viu a família contrair Covid-19, logo após sua ida a um cartório para registrar o nascimento do filho Leonardo, fruto do casamento com a cantora Izabella Brant, com quem também tem uma menina, Letícia Brant Gouveia, de 7 anos. Todos tiveram a Covid-19. Até o bebê de 15 dias. Direto do sítio próximo a Casimiro de Abreu, no Estado do Rio, onde a família está isolada desde fevereiro, o músico desabafa: “Ficamos apavorados. Minha mulher chorava o dia inteiro e, olhando para mim, perguntava: ‘o que vai ser de nossas vidas?’. O nosso bebê também estava com febre 38,5/39″. Tenho parentes na Fiocruz e meu pai é médico anestesista. Tinha noção do que era a Covid. E falei para a Izabella: ‘Vamos conversar enquanto estou vivo. Não estou com falta de ar, nem de paladar, portanto não me interne, fica tranquila, eu vou sair dessa, não vou morrer’. Fechei a porta e fiquei isolado. Mas dentro do quarto, eu pensei: ‘E se eu morrer?’”. No entanto, a família venceu a doença sem consequências mais graves, recebendo solidariedade em acompanhamento médico e muita união entre os quatro.
Os meses se passaram e, depois de Bruno interromper shows, agora, ele vive dias de prazer profissional: a banda do bom e velho rock’n’roll, que tem a trajetória marcada também por canções de protesto político, como Zé Ninguém – cujos versos “Eu não sou ministro, eu não sou magnata/Eu sou do povo, eu sou um Zé ninguém/Aqui embaixo as leis são diferentes” fizeram uma legião de fãs cantarem em alto e bom som – lançou “A Gente É O Que É”, terceiro single do novo álbum “Através do Tempo”. Como em outras duas faixas, “Nada É Para Sempre” e “A Vida”, a nova canção vai nos embalar com mensagem de otimismo, de que, apesar dos tempos difíceis, é preciso ter esperança. “Na vida eu tenho fé/ Me derruba eu caio em pé”, diz um trecho da letra. Dá-lhe, Bruno!
“São tempos muito duros e difíceis, que se somam à polarização, mas não nos fixamos na questão meramente política e à tanta discussão e negacionismo despropositado”, analisa Bruno, contando ainda: “Com ‘A Gente É o Que É’, o grupo repete parceria com Manno Goes, que rendeu sucessos como “Dani” e “Em Algum Lugar No Tempo”. Ele também comenta sobre os nervos acirrados nesses novos tempos de pandemia: “Parece que qualquer assunto é ponto de partida para uma briga. A gente tenta dizer que se chegamos a um grau de evolução, se tivemos movimentos incríveis como a Semana de Arte Moderna, no Brasil, ou o movimento hippie e a contracultura é porque todos puderam conversar sobre temas diferentes, trocando ideias com respeito. Nós somos como somos, graças às diferenças que são propostas e debatidas e não sufocadas. A bem da verdade se você, hoje, tiver opinião que divirja tanto de um extremo quanto de outro, pode ser xingado. Eu creio em outros caminhos”, frisa com convicção.
Durante a conversa, mais uma vez, Bruno abre o coração e conta que, aos 54 anos, nunca pensou em sentir uma mistura tão forte de sentimentos. “Tive ansiedade extrema. Não chegou a ser uma depressão, mas, muitas vezes, fiquei chocado com a polarização no Brasil, com essa negação. Tanto que a primeira música que lançamos “Nada É Pra Sempre” tem uma mensagem: que todo o mal encontre a cura, que o medo nos dê lugar à luta, e que somente o amor e não o ódio é capaz de fazer uma revolução”, enfatiza ele que, ao reunir a banda (o tecladista Miguel Flores, o baterista Álvaro Birita e guitarrista Carlos Coelho), teve o propósito de idealizarem um disco com um astral repleto de empatia.
Morador de Copacabana, Bruno decidiu, em fevereiro, ir para um local tranquilo fora do Rio, onde pudesse ter dias mais calmos com a família. “Leticia continua com as aulas online. Claro que ela sente a falta dos amigos, mas conversamos muito. Explicamos que, no próximo ano, irá voltar à escola e sempre usando máscara. Acredito que tudo estará melhor, porque crianças a partir de 12 anos vão estar vacinadas”, comenta. Na casa, a família conta com o apoio da mãe do cantor e de uma tia de Izabella Brant.
“Já perguntei à Izabella: ‘Você está preparada para voltar a viver no Rio?’. Tenho certeza de que vamos estranhar no começo, mas reencontraremos pessoas do nosso convívio, que também foram abaladas com tudo isso que estamos vivenciando. Não há a menor possibilidade de encontrar alguém que não tenha sido afetado pela realidade que enfrentamos. Pensamos no quanto a pandemia também deixa muitos abalados psicologicamente”, observa.
O cantor leva numa boa quando dizem que ele é o oposto do estereótipo do roqueiro: “Sempre brinquei com os amigos. Não tenho nada contra tatuagem, fico até honrado quando alguém tatua no corpo uma frase do Biquini. Sobre quem opta por usar drogas, penso que as consequências afetem somente a essa pessoa e não à família. Mas sempre fui um cara mais quieto, meus namoros foram longos e o meu grande barato é a música. Alguns comentam que ao subir ao palco, a vibração é tanta que os caras falam: ‘está doido’. Não, não estou doido. Estou feliz da vida com a energia que estou recebendo. É inebriante.”
Quando o assunto são as redes sociais e o que haters provocam nas pessoas, ele revela que é cobrado por posicionamentos de seguidores. “Outro dia, uma pessoa escreveu: ‘Me admira você, que fez tantas músicas, inclusive, Zé Ninguém, não estar participando do debate político’. Primeiro, estou com filho pequeno, tenho que trocar fraldas. Como diria John Lennon (1940-1980), não dá para ser revolucionário com carrinho de bebê no corredor. Isso não me faz bem. Cheguei a responder e esperei alguns minutos para ver a reação, mas concluí que aquilo era uma dependência quase química. A minha dopamina estava ali esperando a resposta daquela pessoa que eu nunca vi, que tinha me chamado de tudo quanto é nome. Não preciso disso. Não bato boca com maluco. Às vezes, é um adolescente que não tem nem noção dos fatos e repete tudo como um papagaio”, desabafa.
Os nascimentos de Leticia e do caçula, Leonardo, renovaram Bruno, que como contamos acima há dez anos chorou a morte do primogênito, Gabriel, aos dois anos, e a perda da mãe do menino, Fernanda Kfuri. “No dia em que Leticia nasceu, em 2014, falei para todo mundo que o nome dela significava para mim alegria. E veio o meu renascimento. Hoje, ela está aqui, linda, adora artes. E o Leonardo, com um ano e dois meses, já brinca no jardim regando as plantas. Falo muito que temos que erguer as mãos para o céu, agradecer a Deus por termos condição de poder lidar com essa loucura toda de uma forma diferente”, afirma.
Como Bruno mesmo conta, ele “raspou as economias” para sobreviver todos esses meses sem trabalho. “Graças a Deus, eu tinha e ainda tenho alguma reserva, mas estou respirando fundo, porque o que guardei para ser uma possível aposentadoria está escorrendo entre os dedos. Ao mesmo tempo, você muda a forma de pensar. Eu tinha um padrão de vida que mudou e passamos a ter outras prioridades. Quando penso sobre esta questão, me vem à mente as bandas menores, os músicos que os acompanham. Eu vi vários vendendo instrumentos a preço dado. Tivemos que lidar com situações jogando contra. Só agora estamos conseguindo ver aumentar o percentual grande de pessoas vacinadas”, comenta. E acrescenta: “Em nosso país, todo mundo sempre se vacinou. As metas eram atingidas em poucos dias. Então, não dá para entender quem agora se recusa.”
Bruno apontou que além das economias, os direitos autorais arrecadados também ajudaram. Ele explica que o controle sobre as vendas é mais fácil e diferente de como era na época do vinil. “Hoje, é muito transparente. Tudo isso melhorou a relação com as sociedades arrecadadoras. Muitos de nós conseguiram sobreviver graças aos direitos autorais. No caso do Biquini, a gente sempre dividiu. Não ficou uma situação que uma parte da banda estava recebendo e a outra não. Estamos juntos no osso e estaremos no bife. Quer dizer, o direito autoral nos ajudou. Os compositores puderam passar por esse momento de forma mais tranquila. Isso é bom para se falar. E hoje o software nos ajuda a analisar dados sobre que música sua está indo melhor, sobre o nosso desempenho em relação aos nossos contemporâneos e por aí vai”, aponta.
Em outubro o Biquini Cavadão lança mais três canções e, em novembro, o álbum Através dos Tempos vai estar disponível. Desta vez, apenas nos streamings. “O CD é legal, mas é um investimento muito grande, que hoje em dia não tem mais retorno financeiro. A gente está o tempo todo estudando esse tema e até por isso mesmo o disco vai chamar Através dos Tempos. Quando o Biquini começou existia ficha de orelhão, cruzeiro velho, disco de vinil, compacto simples… Foi através dos tempos que a banda foi crescendo e vivenciando as mudanças”, frisa.
Quando a banda começou, era comum lançar um LP a cada ano. Agora, o hábito é o lançamento de singles todo mês, o que pode parecer que as músicas andam meio descartáveis. Bruno discorda: “É uma questão meramente estratégica. A música passa a ser como se fosse uma notícia. Ao contrário de anunciarmos: ‘lançamos um álbum’ e levar um ou dois anos para gravar outro, soltamos uma música em julho, outra em agosto e mais uma em setembro. Com isso, a nossa presença dentro do espectro das plataformas digitais se fez muito maior. É claro que a gente também faz um grande trabalho de mídia social, mantendo nossos fãs a par de tudo”.
E prossegue comparando as situações, como o cultuado trabalho gráfico das capas dos LPs. “Estava conversando com o guitarrista e com o Ricardo Leite, que fez as capas do Biquini há muitos anos, sobre esta produção. A preocupação com a parte gráfica continua extrema. Mesmo sendo um quadradinho de 60 por 60 pixels, quero que esteja tudo bem definido para dizer exatamente o que queremos com o nosso trabalho musical”, assegura.
E revela curiosidade em relação ao impulsionamento do trabalho da banda nas redes e nos streamings? “Existe um policiamento muito grande do grupo sobre essa questão. Eu sempre falo o seguinte: Visibilidade não é sinônimo de sucesso. O escritório do Biquini por exemplo, esteve associado com alguns artistas fenômenos. Alguns tinham uma quantidade inacreditável de seguidores, de visualizações. Uma vez, um deles falou que queria ser a gente. Mesmo com milhões de seguidores, ele não conseguia fazer show algum. Quer dizer, aquilo não dava resultado para ele. É preciso ter engajamento, é saber que as pessoas estão realmente interessadas em você”, conclui.
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