*por Luísa Giraldo
O primeiro trimestre deste ano marca o lançamento de “Estado Febril”, disco solo de estreia da artista nordestina Bruna Alimonda. As canções foram idealizadas ao longo do isolamento social, decorrente da pandemia da Covid-19, e apresentam uma ótica alternativa àquela do temor: a aura do amor. O principal single do projeto é “Para de Me Curtir e Me Ama”, que ironiza a dependência dos jovens adultos dos dispositivos eletrônicos para flertar. Ao mesmo tempo em que aprofunda as reflexões sobre os relacionamentos via internet, a cantora queer propõe críticas ao modelo supérfluo de conquista e relação nas redes sociais. Presente no mercado musical há pouco menos de uma década, Bruna desdobra o seu olhar sobre os desafios nos relacionamentos virtuais e a falta de coragem na entrega para o outro.
Antes mesmo de desenvolver as críticas em relação à atual forma na qual a sociedade está se relacionando, a compositora destaca que não tem nada contra às relações amorosas propostas a partir do mundo virtual. “As relações dentro de um mundo virtual devem ser muito bem-vindas, mas acredito que, em alguns momentos, pode ser perigoso limitar as suas relações apenas ao meio virtual. Porque as pessoas acabam não se mostrando de fato. Existe uma barreira muito grande entre a relação virtual de uma pessoa e a pessoa que a gente acaba não conhecendo de verdade. A música é, então, uma crítica e uma ironia às relações virtuais”, explica.
Com humor, a cantora exemplifica um dos principais flertes da Geração Z: o like nas redes sociais, em que alguém deve curtir todas e reagir às publicações da pessoa que está apaixonado. Muitas vezes, a tática pode ser mal sucedida ou interpretada pelo parceiro por conta da diversidade de códigos e linguagens digitais. Portanto, Bruna conclui que o elemento da coragem está faltando nas relações interpessoais românticas da atualidade.
Falta um pouquinho de coragem e de ousadia das pessoas nas relações amorosas. Falta demonstrar um pouco da realidade, da pele e do osso e de falar besteira – Bruna Alimonda
Sem fazer menção direta ao cancelamento, a cantora admite acreditar que o receio pelo julgamento alheio faz com que as pessoas se coloquem mais timidamente nas redes sociais. A entrega é limitada nesses tipos de relação por consequência dos relacionamentos serem marcados pelo constante sentimento do medo.
“Há momentos em que a gente quer se aprofundar no outro e saber da vida dele. Queremos saber as coisas boas e ruins e saber as qualidades e os defeitos. Mas, nas redes sociais, a gente se atém apenas às coisas boas e maravilhosas daquela pessoa. Não sigo isso para militar contra as redes sociais, até porque não acho que elas estão acabando com a vida das relações amorosas”, pontua.
“Estado Febril”
A compositora escolheu o nome “Estado Febril” para seu primeiro álbum solo por uma confluência de fatores. Em conversa ao site, ela detalha a origem dele.
“Sou do Recife, mas moro em São Paulo já há nove anos. Na época da pandemia, voltei para Recife para ficar com os meus pais e, de repente, me vi presa em uma cidade que eu não morava há muito tempo, no meio de uma pandemia mundial e sem entender nada. O nome do álbum faz muito sentido para mim por dois motivos. Ele traz uma referência ao estado de Pernambuco. Peguei Covid duas vezes e escrevi grande parte das músicas quando estava doente. Quando escrevi a música ‘Estado Febril’, que deu origem ao nome do disco, estava realmente delirando de febre, com 40 graus”, relembra.
Segundo Bruna, o momento de isolamento social foi “bem complicado”, ainda que estivesse em um “recorte de privilégio” por estar em casa sem trabalhar. Ela descreve que ficou com a saúde mental bastante debilitada. A forma que encontrou para lidar com o estresse da pandemia foi a escrita, sobretudo das canções que serão lançadas no álbum.
“A reação do meu corpo [ao isolamento social] foi expurgar muitas coisas. Eu estava frágil em São Paulo e escrevia pensando que ninguém parava na cidade. De repente, não havia mais aquele absurdo de coisas, as pessoas no metrô e no elevador e o café. Passei dias e dias colada no violão e no meu caderninho. Escrevia qualquer coisa: horríveis, ruins de serem escritas e coisas boas. Qualquer uma se tornava um gatilho para que eu botasse para fora através da escrita”.
Bruna confessa que se debruça em canções de amor atualmente, uma das marcas pessoal e profissional deixadas pela solidão da pandemia. Em contrapartida, o tema favorito da artista no início da carreira era a saudade de estar longe de casa.
“Durante a pandemia, entrei em um recorte musical onde só ouvia canções de amor. Estava apaixonada por ouvir pessoas cantando sobre esse tema e as sonoridades delas. Foi um momento em que escrevi muitas músicas românticas, o meu disco inteiro praticamente. Seja um amor que fale sobre desejo, sobre querer e não poder ter algo ou, até mesmo, uma dor de cotovelo nos relacionamentos. O amor permeia todas aquelas músicas que compus porque queria sair um pouco e entender o que estava acontecendo no mundo”, revela a compositora, também hipocondríaca, que avaliou a pandemia como um “grande horror”.
Algumas outras músicas abordam a temática da comunidade LGBTQIA+, já que Bruna é uma mulher queer. Fã e compositora de letras no estilo MPB, a artista aproveitou para explorar a faceta do amor livre entre mulheres e como se dá a expressão do amor e o próprio desejo dele.
Só pelo fato de ser LGBTQIA+ e estar falando sobre o amor nas músicas, acredito que elas falam sobre a importância do amor divergente por si só, seja um amor que dói ou de um amor que não dói, mas que é falso – Bruna Alimonda
Coletivo “Abacaxepa”
Além do pontapé na carreira solo como cantora, Bruna Alimonda compõe o coletivo de Música Popular Brasileira (MPB) Abacaxepa. O grupo trabalha junto há oito anos e tem cerca de 32,5 mil ouvintes mensais no Spotify. A partir da poesia nas composições e da estética, a banda oferece uma experiência de liberdade aos ouvintes e contrapõe padrões sócio-normativos.
“Foi no ‘Abacaxepa’ que me reconheci como compositora e comecei a cantar e escrever profissionalmente. Juntos, já criamos muitas músicas e circulamos muitas delas. Ao todo, a gente tem três discos lançados, projetos já de relevância. O meu Spotify é ainda um Frankenstein de pequenas coisas e trabalhos solo, parcerias e músicas da banda”, explica Bruna.
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