*Por Domênica Soares
Realizado em fotografia analógica e todo em preto-e-branco, o clipe “Real Grandeza”, de Bel, fecha o ciclo do álbum “Quando Brinca” (Sagitta Records) e chega com tudo trazendo reflexões e ensinamentos. O clipe foi construído pela cantora em parceria com Lucas Canavarro e Miro Spinelli e é uma composição que fala sobre permanência diante das transformações, mostrando a celebração do que fica e resiste. Nele é retratado um grupo de guerreiras, corpos, dissidentes, entidades do agora que evocam uma ancestralidade atualizada, construindo possibilidades de futuro. “Esse clipe vem do desejo de afirmar uma possibilidade de permanência diante de tantas destruições. Fala de atravessar os tempos através dessas entidades guerreiras que se criam nas lutas diárias das micropolíticas, as nossas “reais grandezas”, conta Bel.
Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, a cantora pontua que busca sempre se comunicar com seu público através de suas composições se expressando com sinceridade e compartilhando uma parte de suas emoções e transformações. “Escrevi a letra de ‘Real Grandeza’ pensando na minha casa, lugar onde moro e morei com minha mãe até ela falecer. É meu pouso, onde vivo há muito tempo, onde crio e construo meus projetos, em meio às memórias também. Daqui, já vi muita transformação. De alguma forma e em algum momento eu passei a olhar para essa letra também como se fosse uma carta póstuma da minha mãe para mim, uma conversa cheia de conselho, me lembrando que “‘o pior já passou’”.
Sobre a construção desse clipe regado de referências e memórias afetivas, Bel descreve que tudo isso é importante para a vida humana de cada indivíduo: “Definitivamente o sistema hétero-cis-branco normativo faliu, não dá conta. Oprime, limita e apaga existências. O discurso que me interessa é aquele que provoca disrupção. Me interessam as relações de afeto que fortalecem práticas libertadoras de resistência e transformação”. A artista disserta que a equipe e o elenco do clipe são formados por um grupo de pessoas queridas e próximas, que atuam nas causas que acredita e na cidade onde mora, e dessa forma foi capaz de construir esse vídeo, em um processo coletivo e colaborativo.
A cantora, compositora, instrumentista, escritora, artista visual e produtora cultural nasceu no Rio de Janeiro e iniciou seus estudos musicais quando ainda era criança. “Na família potiguar de minha mãe são três irmãs cantoras. Duas profissionais (uma delas é Terezinha de Jesus, com quem tive as primeiras aulas de canto e teclado) e minha mãe, amadora, que cantava todo dia, toda hora. Ela também tocava violão e sanfona, tirava as músicas de ouvido. Meu pai não é músico, mas gosta muito de pesquisar sonoridades diferentes, sempre aparecia com uns CDs que nunca tinha ouvido falar. Na minha casa sempre teve música, e desde pequena faço aulas, o que também estimulou meu interesse”.
Começou a compor logo por volta de 2009, quando publicou uma coleção de poemas manuscritos de sua autoria, de onde saíram muitas das letras do disco que viria posteriormente. Bel foi integrante das bandas Mohandas – onde atuou até 2015 e com a qual lançou dois EPs, um compacto e os álbuns “Etnopop” (2012) e “Um segundo” (2015), este último com produção executiva de Bel e produção musical de Lucas Vasconcellos (Letuce, Legião Urbana); e Xanaxou, que unia oito mulheres intérpretes, compositoras e instrumentistas no ano de 2016. Após , em 2017, lançou seu disco de estreia “Quando Brinca”, que mistura tons eletrônicos, jazz e MPB à letras poéticas que são capazes de refletir sua relação com a cidade, a sexualidade, as causas LGBT e feminista e o mundo contemporâneo. Neste ano, lançou o single “Banquete Fake” pela Coletânea SÊLA, em parceria com o Programa ASA do Oi Futuro. A faixa foi produzida por Rafa Prestes e contou com a participação de Larissa Conforto, Mari Romano e Mahmundi. A cantora se prepara ainda para lançar um EP de inéditas, que contará com a produção musical de Maria Beraldo e será feito com recursos do edital SonânciasLab.
Além da música, Bel está sempre presente nas causas que acredita, atualmente ela também organiza e assina a curadoria do projeto “Palavra Sapata”, que tem o objetivo de difundir a literatura lésbica e estimular essas narrativas. Ela explica que em sua opinião, diante do contexto que vivemos atualmente, o melhor que temos a fazer é nos preparar para encarar o que ainda está por vir. “Desenvolver estratégias e redes de proteção, atentar-se a outras formas de consumo e de relações interpessoais, fortalecer as causas das minorias, se envolver com ações concretas e diretas (mais do que com o muro de lamentações das redes sociais). Da mesma forma, acredito que alguns passos dados não voltam atrás, que houve também uma expansão muito forte de consciência nos últimos anos e que isso está conquistado, não se apaga”. A cantora, que busca sempre levar reflexão com seu trabalho, conta que suas maiores inspirações são sua mãe e madrinha e destaca seus maiores sonhos: viver minha vida com prazer e plenitude, nadar com baleias e ver justiça para o assassinato da Marielle Franco.
Artigos relacionados