*Com Yuri Hildebrand
Depois de uma noite com Planet Hemp, Karol Conká e Damian ‘Jr Gong’ Marley, o Back2Black transformou a Cidade das Artes em uma espécie de meca da cultura afrodescendente neste sábado (21/3), segundo dia de festival. A mudança na energia foi acompanhada pelo sotaque: o francês, língua falada por grande parte da população negra mundial, marcou forte presença pelo evento. Além das diferentes nacionalidades, vários estilos estiveram presentes nos dois palcos: o samba, em homenagem aos 450 anos do Rio de Janeiro, representado por artistas mais que consagrados da música brasileira; e o funk, que aqueceu a galera para o grand finale com a profusão de ritmos evocada por Stromae.
O primeiro foco de atrações começou bem cedo: o grupo Alabê Ketujazz trouxe ao Palco Cidade uma interessantíssima mescla de ritmos, do candomblé à musicalidade do jazz. O público, por sua vez, chegava aos poucos, tendo marcado maior presença na apresentação do grande Lenine junto à Orkestra Rumpilezz, comandada pelo maestro Letieres Leite. Em um verdadeiro espetáculo de metais e batuques, a Orkestra começou o show com homenagem a Dorival Caymmi, cujos arranjos encaixam perfeitamente com a proposta do grupo – pelo menos de acordo com o próprio maestro. Marcando o quinto encontro entre as duas partes, Lenine chegou com tudo ao palco, cantando “Relampiano” e extravasando energia. Em momento solo, tocou “Caribenha Nação”, dedicando à orquestra, e “Paciência”. “Virou Areia” veio logo em seguida, levantando o público e arrancando elogios de Letieres: “Lenine, seu violão é uma orquestra!”. Fechando a apresentação, os músicos tocaram “Leão do Norte”, com ótimo arranjo e grande finalização em solo dos atabaques, recebendo aplausos empolgados do público e provando que a união musical entre Bahia e Pernambuco dá bastante certo.
Àquela altura, quem estava na Cidade das Artes já tinha motivos suficientes para sorrir. Mas, de quebra, três shows animaram ainda mais os presentes no espaço, graças ao carisma e talento dos músicos. Primeiro, foi a vez dos angolanos Aline Frazão e Toty Sa’Med acompanhados pela brasileira Natasha Llerena, em um show bastante intimista, evidenciando a conexão entre os dois países – uma espécie de “samba com sotaque”, já que as músicas seguiam estilos das duas culturas, deixando bem clara a interseção entre ambas.
Outra artista que levantou poeira foi Angelique Kidjo, com músicas bastante conhecidas – apesar do exotismo dado pelo uso do fon, sua língua materna. Em show bastante animado, a beninense recebeu algumas pessoas do público no palco, desceu para o meio da plateia, cantou, dançou e esbanjou carisma. Dentre suas canções, “Pata Pata” e “Agolo” foram as mais festejadas pela galera presente, que certamente saiu sorrindo de orelha a orelha após o show.
Por último, a moçambicana Mingas foi acompanhada de seus compatriotas Wazimbo e Moreira Chonguiça, além dos Bailarinos de Marrabenta, em mais um show bem característico da cultura dos nossos primos africanos – ou seja, bastante animado.
Com o clima muito mais festivo que no dia anterior, o Back2Black recebeu bastante elogios de Fábio Júdice, repórter da TV Globo que havia apresentado o line-up mais cedo, durante o RJTV. “Vim ano passado também e acho importantíssimo um evento mostrar a cultura africana, mãe de todas as outras; é cada vez mais essencial. Ainda mais sendo realizado na Barra da Tijuca, agora com transporte público de fácil acesso. Parece até país de primeiro mundo!”, opinou. Fábio falou também da força da cultura afro nas periferias: “O samba é a nossa cultura afro, e vem crescendo ainda mais com influências de todas as partes. Já tem um destaque maravilhoso e vai crescer ainda mais”.
Quem também falou sobre o momento da cultura afro no Brasil foi Mart’nália: “Tem que se juntar mais! Mais festivais como esse, mais gente patrocinando… Olha como dá certo!”, falou ao HT, antes de subir ao Palco Rio para participar da festa de homenagem aos 450 anos da Cidade Maravilhosa. O show, aliás, reuniu outros grandes artistas, como Alcione, Xande de Pilares, Gabriel Moura, Fernanda Abreu e a fadista Raquel Tavares. Relembrando outros nomes da música carioca, como Simoninha, Pixinguinha, Claudinho & Buchecha, Paulinho da Viola, Martinho da Vila e Tim Maia, o espetáculo sugou todas as atenções: a pista em frente ao palco ficou pequena para tanta gente. “Madureira”, “Lamentos”, “Só Love”, “Pra que vou recordar o que chorei”, “Acenda o Farol” e “Eu e a Brisa” foram apenas alguns dos sucessos apresentados pelos artistas, que investiram em um repertório tão nostálgico quanto afiado. O show terminou com a música “Aleluia” em homenagem a Robson Jorge e Lincoln Olivetti, falecido no dia em que os músicos se encontrariam para definir a setlist desse show.
Do outro lado da Cidade das Artes, começava um verdadeiro baile funk. Ludmilla, recém-saída de “uma daquelas operações para ficar gostosa”, como a mesma disse durante o show enquanto se justificava pelos poucos movimentos, mas ainda assim conseguia animar a galera presente. Sem ficar presa somente às suas próprias músicas, a funkeira foi de Valesca a Anitta, passando até por Dennis DJ e Ronaldinho Gaúcho – aniversariante do dia –, além de fazer um cover de “Halo”, da Beyoncé, que rendeu bastantes aplausos. O momento alto do show foi durante a execução de “Hoje”, sua música de maior sucesso: “Já que aqui, no Back2black, tem gente de todos os tipos e todas as raças, vai ser hoje!”, disse antes de enlouquecer o público com o single.
Depois do funk – e voltando ao Palco Rio -, é chegada a hora mais esperada da noite. Stromae, o músico belga que chama atenção por suas composições em francês e instrumental com uma pegada bastante eletrônica, gerava alguns ataques histéricos na pista. Com todo o charme que a língua francesa pode dar, o rapaz começou o show com “bâtard”. Arriscando algumas palavras em português, ficou variando também entre francês e inglês para se comunicar com o público, mas o idioma ali era o menos importante, já que a própria energia tratava de conectar as pessoas. Passando seu último CD, “racine carrée”, quase todo a limpo, tocou “ta fête”, “ave cesaria”, “moules frites”, “carmen” e “Formidable”, quando fingiu um desmaio – o que não passava de um charme para chamar a próxima música, “humain a l’eau”. Em seguida, tocou seu maior sucesso, “Alors on danse”, esgotando (ou quase) a energia dos que ficaram até o final. No bis, o artista ficou com uma versão bastante prolongada de “Papaoutai”, em que apresentou sua banda, agradeceu à produção, ao Rio de Janeiro e ao Brasil com um imenso carisma, encerrando um dos melhores shows de todo o Back2Black 2015.
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