Escrito por Dan Goggin e enorme sucesso off-Broadway em meados dos anos 1980, “As noviças rebeldes – o musical” (The Nunsense History) foi presença no Rio de Janeiro em duas montagens com o diretor Wolf Maya à frente, a primeira com nomes como Cininha de Paula, Fafy Siqueira e Sylvia Massari no elenco e, dez anos depois, trazendo a Cia. Baiana de Patifaria e homens no papel das freirinhas. Todas as duas versões, um sucesso. Agora, na aba do Brasil como terceiro mercado global de produções musicais, Maya aposta no retorno desta peça, que estreou recentemente no Theatro Net Rio, em Copacabana, após dois meses de plateia cheia em São Paulo.
O encenador e o escritor Flávio Marinho, responsável pela tradução e adaptação, opta dessa vez por pequenas atualizações no espetáculo, como a inserção do telefone celular, coisa de ficção científica na época da primeira montagem e algo bem diferente daquilo que hoje em dia é conhecido como smartphone, na segunda. E da inclusão de piadas sobre Dilma e sua turma. Mas se calcam sobretudo no talento vocal do novo elenco, com Soraya Ravenle como a Madre Superiora, Helga Nemeczyk, Sabrina Korgut (a Adenoide de “Pé na cova”), Carol Puntel e apenas um homem em hábito de monja, Maurício Xavier, excelente.
A qualidade cênica do elenco – tanto na interpretação quanto na hora de abrir o verbo, com inspirada direção musical de Liliane Secco – se mostra um acerto, compensando certa atmosfera datada no texto, que é divertido (sobretudo na interação que faz com o público), mas segue aquela linha de produção underground realizada nos anos 1970/1980 no entorno da Broadway, com bem menos recursos que esta, mas que lotava os teatros com um público inquieto afeito a respirar novos ares e em busca de uma maneira irreverente de se tocar a cena, muito diferente do teatrão tradicional e de acordo com os anseios trazidos pela contracultura.
Obviamente, se a fila anda e os tempos mudaram, com o texto (mesmo com as tais adaptações da hora) ficando um pouco para trás, a presença iluminada dos atores compensa plenamente, garantindo a diversão descompromissada, dando conta do recado e do mote principal – cinco freiras que tiveram a sorte de dar uma escapadela do convento para jogar bingo e que, na volta, encontraram as companheiras falecidas por ingestão de uma sopa feita com legumes enlatados vencidos, enterrando 48 delas e guardando as quatro restantes no freezer até juntarem grana para o funeral destas últimas, a ser amealhada via show musical.
Isso é só o ponto de partida para uma sucessão de esquetes quase independentes e é preciso entender que o seu ritmo, uma forma meio histriônica de se fazer humor que nos setenta e oitenta era tida como ágil, perdeu um tiquinho a força hoje em dia. Faz sentido, afinal vive-se agora uma era marcada pelo voraz apetite online das mídias digitais e de olhos treinadíssimos, acostumados com a edição frenética do cinema e da televisão digitais, repletos de recursos que foram testados anteriormente nos videoclipes. Okay, esse é um ponto que pode ser considerado negativo, mas por outro lado contribui para um certo charme também.
Como nas outras montagens, o argumento é usado para uma sucessão de gags de fácil compreensão, de maior ou menor comunicação com o público e passíveis de transformarem o teatro numa balbúrdia animada, com algumas vezes a barreira que separa a caixa cênica da plateia sendo rompida satisfatoriamente, com este tipo de produção com pecha de transgressora (nos anos 1980) alcançando seus objetivos. É Soraya Ravenle, geralmente integrante de espetáculos ditos “sérios”, quem dá a deixa: “Essa irreverência é nova para mim, mas muito boa, sobretudo em tempos politicamente tão corretos, com a visão dogmática da fé e a religião tão sacralizada. É muito bom ver que essas mulheres (as freiras) são gente como a gente, capazes de sentir e agir como todos nós”.
Vale lembrar que, quando a peça original foi escrita, o mundo ainda não havia sucumbido aos excessos do tal “politicamente correto” e que, como todo exagero, essa marca da atualidade pode colaborar também para o emburrecimento, já que recursos como a ironia e o deboche – válidos como ferramentas críticas – podem ser massacrados por altos decibeis de protestos em prol daquilo que somente aparenta ser certo, mas despido de qualquer aprofundamento. E, nesse âmbito, “As noviças rebeldes – o musical” dá cabo da importante função que é resgatar a liberdade de expressão contida na irreverência.
Claro que agora a história é outra, e até a riqueza do único cenário, de Flávio Graff – mesmo sem a parafernália dos palcos giratórios e elementos que constituem o vai-e-vem dos musicais atuais – funciona que é uma beleza, permitindo que as freiras se desloquem, desapareçam e voltem à ação com boa desenvoltura. Sim, pelo ótimo acabamento de cena mais a ótima luz de Adriana Ortiz, dá para notar que, talvez, a nova remontagem tenha contado com um pouco mais de dinheiro do que as anteriores. Com um senão: é importante trazer toda a movimentação um pouco para trás, pois a arquitetura do balcão do Net Rio não permite que suas últimas filas vejam o que ocorre no proscênio.
Helga Nemeczyk, que dá vida à Feira Maria José, é outra que é categórica, dando a pista da alegria que o espectador encontra no conjunto de atores: “A agilidade do entra-e-sai em cena exige muito de todos nós, mas é um exercício mirabolante que estamos amando. E mesmo com o Wolf e Flávio trazendo no textos essas pequenas modificações, a liberdade que nos deram para inserir cacos é gratificante. Pude trazer muita coisa minha para o texto e estou super feliz com isso. Uma dádiva!”
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