*Por Yuri Hildebrand
O estilo mais badalado dos anos 1980 e 1990 na música brasileira já não é mais o mesmo. Há anos, o rock vem sofrendo modificações constantes, resultando em diversas vertentes e até em novos estilos. Entretanto, no Rio de Janeiro, a cena saiu do mainstream e ficou presa ao underground com o fim da Rádio Cidade e a ausência de um meio tradicional de propagação do gênero acabou diminuindo as chances de novas bandas surgirem e se consolidarem – poucas conseguem, mas muito raramente mantêm a pegada pesada do rock n’roll, aderindo a sonoridades mais leves que possam tocar nas rádios populares. A partir do retorno da emblemática estação de rádio, neste ano de 2014, organizou-se o Circo Rock, evento que conta com o apoio direto da Rádio Cidade, da Universal Music Brasil e, principalmente, do Circo Voador, naturalmene casa do evento A exemplo do ocorrido no movimento Rock Voador, os idealizadores pretendem retomar o sucesso deste gênero musical na Cidade Maravilhosa, contando com a bênção de Guto Goffi, baterista do Barão Vermelho.
A ideia surgiu a partir do Estúdio Pedra da Gávea. PH Castanheira, produtor musical da TV Globo e sócio do estúdio, participou do movimento Rock Voador, nos anos 1980, quando o Circo ainda era “apenas” uma lona no Arpoador. Com a próxima edição do Circo Rock já marcada para março de 2015, a ideia é realizá-lo mensalmente, a exemplo das edições semanais da época de ouro do rock carioca. Segundo PH, a cena precisa arriscar para retomar o seu lugar. “O movimento tinha bandas amigas e ao mesmo tempo rivais, que se ajudavam rumo ao sucesso. É disso que precisamos hoje”, revela ao HT. Baixista e tecladista da banda The Underdogs, o produtor conseguiu atrair tanto a Rádio Cidade quanto o Circo Voador para a realização do evento, prometendo criar oportunidade para as bandas do underground carioca – o evento também recolhe material de outros grupos, visando próximas edições.
O baterista do Barão Vermelho, Guto Goffi, também falou ao site. Amigo de PH Castanheira dos anos de colégio, foi convidado pelo mesmo e se mostrou empolgado com o evento. Além de elogiar o apoio aos novos nomes, Guto exalta a presença de Sérgio Vid: “Ele se apresentou com uma releitura da obra de Chico Buarque. Bacana”. Com o aval de um dos músicos mais famosos do país, o evento promete ser um marco para o renascimento da cena no Rio de Janeiro.
Neste sábado, a primeira a se apresentar foi Blue. Paulista de 19 anos, ela chegou cedo ao Rio de Janeiro e começou a se interessar pelo rock ainda aos 16 anos, através de nomes como Slipknot, Mastodon e Metallica. Com influência direta do pai, que viveu os anos dourados do Rock Voador, a cantora começou a compor sozinha em casa, acompanhada de seu teclado. Com a descoberta do talento, foi apresentada ao pessoal do Pedra da Gávea, que a ajudou a formar uma banda e seguir com o projeto. Com os músicos escolhidos, a artista começou a ensaiar há apenas um mês e meio, já para esta estreia no palco do Circo Voador.
O som pesado do grupo tem visíveis influências de bandas lideradas por mulheres, como Pitty e Paramore. Seja tocando sua música, “Get a Grip”, ou com covers de outras bandas, Blue se solta no palco e passa corporalmente toda sua energia ao público. Início mais que promissor para a banda, que está em processo de afirmação e promete mais para 2015.
Blue – “Get a Grip”
Logo depois, veio um dos grupos mais esperados da noite. Após anos tocando no bar Tico Taco, Os Vulcânicos se apresentaram no palco do Circo em show que põe o trio como grande promessa neste renascimento do cenário roqueiro carioca. Com uma pegada totalmente experimental, os músicos ignoram rótulos e fazem uma música pura, com influências das mais variadas. “Poderia dizer que me inspiro em Dorival Caymmi, mas que diferença faz?”, diz o baterista Zozio Leão, que se mostrou muito irreverente liderando os compassos das músicas. Seguindo uma base ligada ao rock dos anos 1990 – mas sem ter somente um estilo em mente –, o grupo, que tem no baixo Felipe Proença e na guitarra Dony Escobar, apresentou músicas de seus dois EPs, “Os Vulcânicos”(2012) e “El Turco” (2013).
O ritmo explosivo e visceral tomou conta do Circo, animando o público presente e criando ansiedade para a próxima apresentação da banda, no Imperator, Méier, em fevereiro, quando eles tocarão com os amigos da Beach Combers e da banda TREE, que deu palinha especial no show deste sábado com os metais de Fabíola e Bru No. “Os Vulcânicos cresceram muito como banda, agora com músicas próprias e apresentações por todo o Brasil. Não é a toa que estão aqui no palco do Circo Voador”, avalia o escritor Clarck Duque (35), que acompanha a banda desde 2008 e, inclusive, escreveu seu primeiro livro durante os shows no Bar Tico Taco.
Saindo do experimentalismo dos Vulcânicos, a banda Fuzzcas, liderada por Carol Lima, apresentou um estilo bem mais clássico. Inspirados nos Mutantes, Rita Lee e Led Zeppelin, entre outros artistas, o grupo tem em seu som uma mistura de estilos próprios dos anos 1960 e 1970 – vide o estilo do guitarrista Leandro Souto Maior. Apresentada ao Brasil através do programa “Superstar”, da TV Globo, a banda já começa a se mostrar bem consolidada no panorama do rock nacional.
Com músicas autorais, como “Bad Girl”, “Deveras” e “Tic Tac do Amor”, os Fuzzcas mostram desenvoltura no palco e bastante intimidade com o público. Também jornalista, Leandro lançou, junto a Ricardo Schott no livro “Heróis da Guitarra Brasileira”, através de entrevistas feitas com diversos mestres do instrumento, como Pepeu Gomes, Armandinho, Frejat e Lulu Santos. “Existem muitos livros contando a história de guitarristas estrangeiros. Nós resolvemos contar um pouco sobre os mestres nacionais, que são muitos. É um tributo à música brasileira.”, conta ao HT.
Em outro show de estreia na noite deste sábado, The Underdogs fez um espetáculo à parte. Pela primeira vez, a banda formada por PH Castanheiras, Ricardo Marins, Sérgio Melo e Dan Torres – uma descoberta do The Voice Brasil e dono da voz que regravou “Lucy In The Sky With Diamonds”, dos Beatles, para a abertura da novela “Império”, da TV Globo – apresentou-se ao público no Circo Voador, com direito a cover de Prince e diversas músicas do primeiro CD, “Underdogs”. Com diversas homenagens a familiares e amigos, o grupo mostra que sabe muito bem como fazer música; afinal, são poucos meses de banda, um álbum e um show, mas já estão no lendário Circo Voador.
Com inspirações do hard rock ao metal progressivo, o som tem no groove cadenciado sua principal arma para contagiar os ouvintes; difícil não balançar a cabeça ao ouvir os riffs de músicas como “The Big Bang” e “Into the Fire”. Munidos de muitíssima qualidade técnica, surgem como nome de peso para essa tão cobiçada nova etapa do rock no país – ou melhor, seguindo o que disse o vocalista Dan Torres, do mundo. Sim, a banda já é um projeto internacional.
The Underdogs – “The Big Bang”
Por último, o principal show da noite: a apresentação de Sérgio Vid que, com a releitura da obra de Chico Buarque em versões em inglês e devidamente modificadas para o peso do rock, manteve o público atento durante o restante do evento. Com bastante entusiasmo e presença de palco, Vid lançou o álbum “Rock n’Chico”, que conta com sucessos como “Cálice”, “Deus lhe pague” e “Mulheres de Atenas” – traduzidas para “Grail”, “(May) God Reward You” e “Women of Athens”. Ao melhor estilo Bruce Springsteen, o músico apresenta o CD e parte para trabalhos antigos, com músicas de toda sua carreira – que tem passagem pela segunda edição do Rock in Rio e projetos como Sérgio Vid & Sangue Azul.
Após quase cinco horas de muita música, o evento chega ao fim. As bandas fizeram espetáculos à altura dos tempos áureos do Rock Voador, mesmo com a chuva que atrapalhava a noite carioca, firmando-se na atitude do gênero. O Circo Rock volta a ser realizado em março de 2015, com a esperança de que se torne mensal e o estilo volte a tocar nas rádios cariocas com a mesma intensidade de anos atrás, dando novo incentivo para voltar a crescer.
O tempo dirá se o rock vai reviver os anos 1980/1990, assim como a verve coletivista das bandas. Por enquanto, nomes como Blue, Os Vulcânicos, Fuzzcas e The Underdogs são o indício de que há algo no ar com qualidade e investimento; talvez o que falte seja realmente o tempo exato para as coisas voltarem a fluir ou, quem sabe, uma maior visibilidade. O rock brasileiro tem muito a agradecer ao Rio de Janeiro pelo passado, e logo poderá contar novamente com a musicalidade da Cidade Maravilhosa no estilo mais popular do planeta.
Artigos relacionados