* Por Carlos Lima Costa
A internet e as redes sociais trouxeram inúmeros benefícios à população mundial. Mas junto com eles, em um Brasil extremamente polarizado vieram os haters e os cancelamentos. O jovem cantor Khalil, de 25 anos, que está lançando De Cara Pro Vento, seu primeiro álbum, viveu os dois lados, em consequência de duas canções autorais, Ele Não e Quem É Deus, que postou nas redes. A primeira, levou o título de um movimento que tomou conta do país nas eleições presidenciais, em 2018, por conta das pessoas contrárias à eleição do, hoje, presidente Jair Bolsonaro. “Quando postei no auge do período eleitoral, acabou viralizando muito, e aí, em menos de 48 horas, recebi umas mensagens ameaçadoras. Naquela mesma semana, eu fui à rua na minha cidade, Sorocaba, e me arremessaram uma garrafa, aí vi que essa questão estava bem perigosa, fiquei assustado. Então, ela continuou a rodar na internet sem o meu nome estar vinculado à canção. Quando se trata de uma mensagem como essa, o principal era e continua sendo a mensagem e não o autor dela”, recorda ele.
E acrescenta: “Na época, aconteceu um fato curioso. Acharam que a canção fosse de Caetano Veloso. Ele até postou uns stories desmentindo”. Certa vez, Khalil o viu na saída de um show. “Falei com ele rapidamente, disse que aquela canção era minha. Ele apenas sorriu, pegou um bilhete que eu deixei e entrou no carro. Agora, costumo dizer que não saberia como sairiam as minhas canções se não fosse por algumas influências decisivas na configuração da minha maneira de cantar, de escrever e tocar violão. O Caetano Veloso, com certeza, foi e continua sendo uma dessas influências”, explica.
Por outro lado, foi graças à visibilidade da internet, que Khalil lançou seu primeiro álbum com 13 faixas autorais. “Há muito tempo eu coloco meu trabalho na rede, mas aí mudei de plataforma e comecei a postar no Facebook, onde chamou atenção Quem É Deus, uma canção que fala de religião do ponto de vista político. Foi a partir daí que aconteceu essa abordagem do Sérgio Guerra, então, realmente é um conto de fadas no sentido de ser mágico, de ser um divisor de águas na minha vida”, conta, se referindo ao fotógrafo e produtor brasileiro, radicado em Portugal, que um ano depois o levou para gravar seu álbum de estreia, em Lisboa, sob a batuta de Alê Siqueira.
O produtor musical já trabalhou com nomes como Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Elza Soares e os Tribalistas, grupo com o qual, em 2003, venceu o Grammy Latino como coprodutor do CD Tribalistas. “Conhecia os trabalhos dele, mas nunca tinha imaginado que iria um dia gravar com o Alê. Foi uma experiência maravilhosa. Entre uma música e outra ele falava ‘troca essa nota por essa, que vai ficar legal’. Eu fazia, ficava legal e eu acatava. Tudo que ele disse foi muito útil. A produção com o Alê foi uma aula de música e de cultura geral”, garante.
Khalil lembra que sua postagem original teve quase um milhão de views, sendo que outras pessoas ainda a postaram em outras plataformas. “Era um vídeo muito caseiro. Eu simplesmente botei o celular para gravar e cantei na frente dele sem nenhuma edição, foi um vídeo selfie”, explica. Então, nunca imaginou que um convite lhe chegasse da forma como aconteceu. “Quando Sérgio me procurou, perguntou se eu tinha mais canções, e se apresentou como um padrinho musical. Acho que ele gostou da pluralidade de temas”, analisa.
Até, então, ele se apresentava na noite, em bares e teatros, mas também em transportes públicos e praças como um artista de rua. “Além da questão do dinheiro, considero um ativismo cultural levar arte para um lugar onde a maioria das pessoas está em uma correria no dia a dia. E que até por questões econômicas não consegue ter acesso a arte. Então, essa atividade tem um valor social, é um ato de ir contra essa elitização da arte. Mas, claro, passava o chapéu e recebia as moedas que acabaram se tornando por um bom tempo a minha principal fonte de renda. Ficava nos vagões de 13 às 16h30, período que costumava me render uns 200 reais mais ou menos”, ressalta ele.
Até a pandemia se configurar no Brasil, ele continuava tocando nos ônibus, nos trens, e também fazendo à noite. E não pretende abandonar de vez. “Como falei, tem o valor social que eu vejo na arte de rua. Assim, sempre acho que é uma coisa a se considerar. Não quero mais é depender exclusivamente da arte de rua. Quero fazer somente quando for uma coisa do meu coração.”
Por conta da pandemia, não tem conseguido divulgar seu trabalho recém lançado da forma como gostaria. Então, tem feito lives. E explica que não consegue ter uma nomenclatura para definir seu estilo musical, pois já compôs de carimbó até sambas. Depois de tudo o que aconteceu de inesperado, o que espera do futuro? “Jamais imaginei que um outro artista, em Lisboa, tão distante, teria olhos e ouvidos atentos à minha arte e me chamasse para gravar. Então, na verdade, é difícil pensar ou prever. Estou de braços abertos para as boas oportunidades, mas nem arrisco um palpite do que vai acontecer, apenas espero que aconteçam boas coisas e estou disponível para elas”, conta ele, que entre seus desejos tem o de participar do programa de Rolando Boldrin.
Khalil que costuma compor canções com cunho político, explica que o politicamente correto o afeta no bom sentido. “Falando disso, me vem uma canção que eu gravei, que está no disco. Chama Desordem e Regresso. Ela fala sobre a causa indígena. Demorei a saber que índio e tribo são palavras consideradas pelos indígenas como ofensivas, porque tribo é uma palavra que os coloca em uma coisa sem identidade. Eles gostam de se identificar pelas aldeias, pelas etnias e eu usei essa palavra na canção. Me deparei com um erro pela inocência intelectual. Nossa língua foi construída em base colonialista e racista, então, acho legal quando alguém me pontua um erro inconsciente. Vejo como uma oportunidade de lapidação”, observa.
E considera complicado o momento atual com tanta divisão entre as pessoas. “A polarização em si acaba sendo um alimento para falta de entendimento. Não acho benéfica. Sempre ocorreu, mas não me identifico como pertencendo a um polo. Acho que a estratégia de ação deve ser sempre mais paciente e didática. E também reconheço que é muito mais fácil ser didático para uma pessoa como eu que não sente as injustiças diretamente. Escrevo sobre muitas questões, muitas dores que eu não sinto na pele. Estou em recortes sociais de privilégios. Falo sobre coisas que não vivo, então, pra mim também é muito mais fácil ser didático. Eu não estou dizendo que eu não compreenda quando as pessoas perdem a paciência, mas eu também não posso dizer que essa perda de paciência é benéfica, pois ela acaba reforçando muros. Sempre que for possível a gente deve ser paciente, trocar aprendizado e conhecimento com quem esteja aberto a isso”, reflete ele que compôs sua primeira canção aos 13 anos.
E lembra outro fato interessante de 2018. Também por conta da canção Quem É Deus, a atriz Lucélia Santos entrou em contato com ele pelas redes sociais. “Ela compartilhou, eu agradeci, e aí a gente iniciou contato. Desde, então, eventualmente a gente conversa e ela acompanha as minhas lives.” Assim durante o processo de gravação com Alê Siqueira teve a ideia de convidar a atriz para participar da faixa Botas Imundas, que é bem política e aí tem um momento de silêncio vocal. “Ficava só o instrumental e a minha voz voltava cantando a palavra ‘mentiras’ três vezes. Porque não preencher isso com mentiras dessa política que eu referencio na canção. Aí a gente abriu aspas para falas do governo federal atual. E no que concerne ao meio ambiente, pensei que seria legal contar com a Lucélia, que é muito ativista nesse sentido. Fiquei feliz dela ter aceito o convite”, finaliza. A voz da atriz aparece no coro.
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